13.
Poderiam ter passado minutos ou horas. Ele não tinha como
saber.
Joshua acordou abruptamente. Com os olhos arregalados e
respiração pesada, ele parecia ter acabado de se salvar de um afogamento.
Lentamente, o rapaz se levantou e, inevitavelmente, olhou
para sua frente.
A imponente montanha de escombros estava a sua frente.
Além dela, estava a única saída conhecida do lugar, agora, inacessível. Sob
ela, estavam três corpos.
—
Desculpem-me... —
Joshua disse baixo pensando em Richard e Cristina, quase como se orasse pelos
dois. — E...
Principalmente... Obrigado...
De repente, o rosto de Behemoth veio em sua mente. Joshua
trincou os dentes. Porém, logo se acalmou. A risada do maníaco não mais veio o
perturbar.
—
Adeus. — Joshua disse
secamente para Behemoth.
Então, o rapaz se voltou para trás. Agora, a passagem
estava livre. Se não houvessem mais surpresas, ele logo estaria junto de
Adriana.
Com passos rápidos, Joshua subiu as escadas, degrau
seguido de degrau, até chegar a uma porta de madeira. A aparência velha e
quebradiça dela era um bom sinal. Afinal, se ela estivesse trancada, não
deveria ser difícil derrubá-la.
Entretanto, não foi preciso. Joshua girou a maçaneta
redonda lentamente e, emitindo um rangido agudo, a porta se abriu.
Cautelosamente, o rapaz entrou na nova sala.
Joshua foi então surpreendido pelo cenário.
A sala, apesar de não ser muito grande, era digna de
fazer parte da mansão. O papel de parede vermelho, o chão de madeira tão limpo
que parecia brilhar, os candelabros dourados acesos nas paredes, o grande lustre
no teto, a luz do luar que entrava gentilmente pela janela, junto às cortinas
de seda. Tudo parecia perfeito demais.
—
Lindo, não? — Disse
uma voz familiar.
Joshua se voltou para trás, já esperando por Margareth.
Entretanto, a visão o deixou atordoado.
Uma mulher que mais parecia ser uma princesa saída de um
conto de fadas sorria para o rapaz. Ela usada um longo vestido de cetim azul
como o céu da manhã. Sobre seus cabelos castanhos avermelhados, uma tiara
prateada reluzia. O colar de pérolas em seu pescoço era tão belo quanto seu
sorriso. Sua pele era tão branca e suave quanto algodão. Seus olhos verdes
pareciam esmeraldas.
—
Lindo... — A mulher
repetiu. — Mas não
passa de uma ilusão...
Quando ela terminou de dizer aquelas palavras, a sala se
transformou completamente.
Tudo escureceu. A luz dos candelabros se tornou fraca,
quase morta. A luz da lua parecia ter sido coberta por nuvens negras. Agora,
Joshua mal conseguia ver a mulher a sua frente.
—
Mas gostamos de nos enganar, não? —
Ela continuou a dizer. —
Gostamos do belo, seja real ou idealizado, não é mesmo?
Joshua sentiu seu corpo tremendo. Da janela, apenas
rajadas de ventos frios e impiedosos vinham. O rapaz sentia o seu corpo mais
frio a cada instante que se passava.
—
Você saindo daqui com ela nos braços... —
A mulher riu. — Quão
romântico... E improvável. Mas... Acreditar nisso é o que te faz seguir em
frente... — Nesse
instante, o rosto de Margareth surgiu dentre as sombras, pálido, como se
emitisse uma luz alva e fantasmagórica. —
Não é mesmo!?
Joshua caiu para trás, sentado, com o coração disparado
dentro do peito.
Margareth gargalhou enquanto o resto da sala se iluminava
lentamente. Todo o belo cenário estava definhado, tão decrépito quanto a
própria assombração que ria.
—
Você pode ter sobrevivido até agora, caro Joshua... — Disse Margareth. — Mas eu o asseguro que, entre você e sua
amada, apenas um sairá daqui vivo.
—
Se esse for o caso... —
O rapaz disse enquanto se levantava, recuperando-se do susto e encarando o
monstro sem medo. —
Eu morrerei para salvá-la.
—
Ah... — O rosto dela
se contorceu com desgosto. —
Claro que vai... —
Ela zombou. — Como se
você fosse capaz de fazer isso...
—
Você verá.
—
Não. O que eu verei é você sofrendo... O que eu verei é você fracassando... O
que eu verei é você em agonia nos seus últimos instantes de vida... — Margareth exibiu um largo
sorriso. — Você
verá...
Lentamente, ela desapareceu diante dos olhos de Joshua,
como se desfizesse e se misturasse com o ar.
Antes que o rapaz pudesse pensar em qualquer coisa, o
grito de Adriana soou.
Alarmado, Joshua correu em direção a única nova porta do
lugar. Aquela tinha que ser a passagem que o levaria até sua amada.
Com a porta aberta, o rapaz viu a sala sombria a sua
frente e, no centro dela, uma escada em caracol. O único caminho era descer os
velhos degraus de madeira.
Como som de mais um grito de desespero de Adriana, Joshua
esvaziou sua mente de todos os pensamentos.
Desesperado, ele correu escadas abaixo, pisoteando em
cada degrau e os ouvindo ranger como o crepitar de uma fogueira.
Após o que pareceu ser uma eternidade, Joshua chegou a um
pequeno corredor de pedra que mais parecia ser parte de um antigo castelo. O
lugar, fracamente iluminado, apresentava dois caminhos possíveis para o rapaz.
À esquerda havia uma porta de madeira fechada. Á direita havia uma porta que
havia sido derrubada. Talvez aquilo fosse obra de Behemoth.
Entretanto, Joshua não olhou para a esquerda uma segunda
vez. Afinal, na pequena sala revelada pela porta à direita estava uma mulher de
longos cabelos castanhos trajando uma camiseta preta, calças jeans e botas
beges.
Ele parecia não acreditar. Joshua estava, agora, a apenas
alguns metros de distância de sua amada.
A mulher, entretanto, não parecia bem. Presa por
correntes de aço nos pulsos e tornozelos, Adriana não conseguia nem mesmo olhar
para frente. Com as roupas em frangalhos, pele extremamente pálida e a cabeça
baixa, era difícil dizer se ela ainda vivia.
—
Adriana... — Ele
murmurou. —
Adriana...
Lentamente, Joshua andou até a sua amada. Com a voz
sumindo, ele chamou por Adriana, esperando uma resposta, tentando manter as
esperanças.
Em pouco tempo ele estava lá, em frente à mulher que
amava.
Sem receber uma resposta, o rapaz caiu de joelhos.
—
Adriana... — Joshua
conseguiu dizer. —
Meu amor... Não...
—
Ela ainda está viva. —
Disse Margareth.
Joshua se voltou para trás, ainda de joelhos.
—
Ela só está fraca. —
A assombração continuou. —
Sabe... Behemoth não é muito bom em cuidar de seus bichinhos...
Joshua voltou o seu olhar para Adriana. Podia ter sido
apenas impressão dele, mas ele jurou ver sua amada respirar, mesmo que muito fraca,
inflando e desinflando o peito lentamente.
—
Adriana... — O rapaz
tocou gentilmente nos cabelos castanhos dela. —
Vou te tirar daqui... Nós voltaremos para o nosso mundo juntos...
—
Eu adoraria te ver tentar fazer isso... —
Margareth zombou.
Enfurecido, Joshua se levantou e encarou o monstro sem
olhos na saída da sala.
—
E você? — O rapaz
indagou. — Não vai
fazer nada? Vai apenas ficar me perturbando como uma mosca?
—
Insolente... —
Margareth trincou os dentes. —
Caso você não tenha percebido, eu não mato com as minhas próprias mãos. Não,
não... Meu trabalho é trazer monstros até vocês, humanos. Aí sim vocês são
mortos. — Ela abriu
um largo sorriso. —
Como você acha que Behemoth te achou? Posso lhe garantir que não foi por
acaso...
—
Hm... — Joshua
pareceu chocado. Entretanto, aquilo foi por apenas um segundo. — E então? Quem você vai
chamar? Behemoth não virá dessa vez.
—
Morto ele não está. —
Retrucou Margareth. —
Eu ainda posso sentir sua presença. Afinal, ele está tão perto... E tão ferido.
Vai demorar um pouco pro grandalhão voltar à ativa. Entretanto, tenho outros
amigos que podem cuidar de você. Apenas espere. Espere e...
Ela não conseguiu terminar de falar. Uma lâmina em
formato de lua crescente atravessou seu peito.
Margareth olhou para baixo sem poder acreditar.
Lentamente, ela levou as mãos à fria lâmina da foice.
—
Ninguém virá por você. —
Disse Estmund. — Eu
mesmo me certifiquei disso.
Bruscamente, o ceifador retirou a lâmina de sua arma do
corpo de Margareth.
Com um último grito de pavor, ela se desfez em um punhado
de pó.
Em questão de segundos, não havia mais resquícios de
Margareth.
Joshua caiu de joelhos e, então, olhou maravilhado para
Estmund que, lentamente, se aproximava do jovem.
—
É... É você mesmo? —
O rapaz indagou.
—
Ora... — O ceifador
sorriu. — Mas é claro
que sou.
—
Ah... Obrigado.
—
Não precisa agradecer.
—
Você... Você acabou de me salvar. —
Ele riu. — A Morte acabou de salvar a minha vida.
Joshua riu novamente, alegre como nunca.
Entretanto, toda a felicidade abandonou sua face quando
ele sentiu a ponta da Lamina gelada da foice de Estmund contra a sua pele.
—
Veja bem... — A
feição do ceifador se tornou séria. —
Minha intenção não é salvar a sua vida. Apenas quis salvar a sua alma, entende?
Salvá-la para que, no fim, ela seja minha. E, esteja certo de que este é o fim...
Para você e sua amada, pelo menos.
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