12.
Joshua estava paralisado. A cena a sua frente era o seu
maior pesadelo se tornando realidade. Behemoth parecia ainda mais aterrorizante
manejando a brutal martelo medieval. Seu sorriso desconcertante contribuía para
o mal estar do jovem. O corpo de Richard caia lentamente no chão. Sangue vertia
do buraco em seu pescoço onde antes estava a sua cabeça. Centenas de pedaços
minúsculos de carne e osso ensanguentados se misturavam aos detritos no chão.
O rapaz provavelmente continuaria ali, imóvel, a mercê do
psicopata se não tivesse ouvido aquele grito.
Foi algo ininteligível, cheio de dor e desespero. A voz
de Cristina se esganiçou até praticamente desaparecer.
Joshua olhou rapidamente para a mulher. Seus olhos,
diferentemente dos dele, não mostravam medo, apenas um brilho louco existia lá.
O jovem não sabia exatamente o que Cristina faria, mas
não seria algo sensato, isso era óbvio. Ele, então, tentou protestar, impedi-la
de fazer algo estúpido. Entretanto, palavras não saiam de sua boca.
Enquanto Cristina corria até o corpo do agora falecido
Richard, Joshua percebeu que nada poderia ter sido feito para a parar.
Diante dos restos de seu marido, Cristina não pode conter
as lágrimas que desciam correndo por sua delicada face.
—
Tão lindo... —
Behemoth caçoou.
Cristina voltou seu rosto rapidamente para o assassino.
Ele sorria calmamente, rindo quase imperceptivelmente. No mesmo instante, a
expressão no rosto da mulher se alterou drasticamente. Agora, sua respiração
estava pesada, seus dentes estavam à mostra como presas, seus olhos estavam
estreitos e brilhavam com um ódio ardente. Inconsequentemente, ela se atirou
contra Behemoth.
O gigante manteve a tranquilidade em seu rosto. Joshua
ficou boquiaberto, entretanto, nada podia ele fazer enquanto a mão deireita de
Cristina ia contra a face do assassino.
Como garras, as unhas da mulher arranharam o semblante de
Behemoth. Pequenas linhas vermelhas surgiram em seu rosto. Sangue começou a
verter lentamente.
Entretanto, antes que a mão esquerda de Cristina
acertasse a face do maníaco, ele segurou o braço da mulher.
Behemoth só precisou exercer um pouco de força. O som de
ossos quebrando veio em seguida e, então, o grito de dor de sua vítima.
O gigante sorriu alegre.
Ainda segurando o braço quebrado de Cristina, ele levou
sua mão esquerda ao pescoço dela.
—
Você é divertida... —
Behemoth disse enquanto apertava levemente o pescoço de sua vítima, fazendo-a contorcer
de dor, porém, contendo sua força para não a matar. — Sabe o que mais? Eu vou te dar toda a minha
atenção... — Ele
voltou o seu olhar para Joshua. —
Assim que eu me divertir com o meu Coelhinho, certo?
O rapaz engoliu em seco. Ele deu um passo para trás. O
gigante gargalhou.
Rapidamente, Behemoth arremessou Cristina para longe,
fazendo-a bater as costas contra uma coluna e cair imóvel no chão.
Joshua não sabia se ela ainda estava viva. Porém, se
aquilo havia sido planejado pelo maníaco a sua frente, morta ela não estaria. Era
provável que alguns ossos haviam sido quebrados com o impacto. Talvez ela
estivesse inconsciente, talvez paraplégica, mas ela estaria respirando. Assim,
Behemoth poderia se divertir mais tarde.
Porém, todos os pensamentos desapareceram da mente de
Joshua ao ver o gigante disparando em sua direção.
Rapidamente, o jovem se voltou para trás e correu para o
labirinto de detritos.
—
Ótimo! — Behemoth
gargalhou. — Corra,
Coelhinho! Corra!
Ziguezagueando, Joshua tentou seguir em frente, sem
pensar muito para onde iria, chocando-se ocasionalmente com os pedaços caídos
do teto e das colunas. Suas roupas e pele se arranhavam contra as superfícies
ásperas e frias. A cada cinco passos, ele tinha que desviar de algum obstáculo,
pulando por cima de detritos, chegando a praticamente escalar alguns, ou
deslizando por debaixo de alguma coluna caída.
Logo atrás dele, entretanto, Behemoth avançava implacável.
Com o martelo em mãos, ele estava ainda menos ágil. Aquilo seria vantajoso para
Joshua caso o gigante não estivesse ainda mais forte. Afinal, com um simples
balançar da arma, ele removia detritos do seu caminho, arremessando-os para
longe.
Joshua ficava mais tenso a cada instante. Seu coração
parecia que iria pular para fora de seu peito. Sua visão estava se tornando
turva pelo cansaço e estresse.
Cada ataque que o gigante errava era uma coluna caindo
completamente ou, então, uma cratera que se formava em uma parede. A sala
parecia que poderia ruir a qualquer momento. O teto poderia ceder em questão de
segundos. Aquilo mataria a todos, transformando a sala numa grande cova para
Joshua, Behemoth, Richard e Cristina. E, mesmo assim, o assassino parecia não
se importar. Ele continuava correndo de um lado para o outro, rindo, provocando
sua presa, atacando inconsequentemente cada canto com seu martelo.
Após o que pareceu ser uma eternidade, o rapaz conseguiu
abrir um pouco de distância de seu perseguidor. Em um instante, seu corpo
cedeu. Rapidamente, ele estava sentado no chão, em meio aos detritos, com as
costas apoiadas na base de uma coluna destruída.
Joshua respirou fundo o máximo de vezes que pôde. Jogado
em meio àquele caos, ele esperava estar fora do campo de visão do maníaco.
—
Coelhinho...! — Ele assoviou
alegremente como se chamasse um gato ou um cachorro. — Coelhinho...! Aqui, garoto...!
Behemoth não estava muito longe. Pelo menos, era o que Joshua
poderia dizer pela voz dele.
O rapaz expirou e levou as mãos ao rosto. Ele enxugou u
suor de sua face rapidamente. Agora, ele não sabia o que fazer.
Ele deveria fugir? Para se salvar, sim. Mas ele ainda
tinha que chegar até Adriana. Ele não poderia abandoná-la ali. Não depois de
tudo o que passou. Não depois do sacrifício de Richard e, muito possivelmente,
de Cristina também.
O que ele faria com Behemoth? Derrotá-lo parecia impossível.
Fugir dele não será possível para sempre, ainda mais por que ele deveria
atravessar a sala para chegar até Adriana.
Seus pensamentos seguiam sem rumo.
De repente, o rapaz começou a pensar no lugar onde
estava. Era bizarra a mudança de ambiente, das ruas da cidade escura até a
mansão no meio da floresta que mais parecia ser um templo antigo. Será que
aquele lugar tinha algum significado especial? Era provável. Porém, tudo o que
importava para Joshua no momento era Adriana. Se ela estava lá, esse era o
motivo que ele precisava para enfrentar aquele pesadelo.
Outra coisa estava incomodando o jovem era o tamanho do
local. Quando ele atravessou a sala na primeira vez, junto com Cristina e
Richard, o lugar não parecia tão extenso. Agora, entretanto, parecia um
labirinto sem fim, bem como as ruas da cidade. Talvez fosse algum tipo de
maldição do lugar. Se assim fosse, ele não conseguiria compreender tão
facilmente e, muito menos, fazer algo a respeito.
Foi então que Joshua arregalou os olhos.
—
A arma... — Ele
murmurou para ele mesmo. —
A arma de Richard...
—
Aí está você! — A voz
tão familiar exclamou.
Joshua se virou para trás. Behemoth sorria para ele de
cima de uma coluna. O monstro quase parecia uma gárgula naquela pose.
O rapaz não chegou a levantar. Com uma cambalhota para a
esquerda ele desviou do ataque do assassino. O martelo atingiu o chão, causando
um tremor, rachando a superfície sólida abaixo dele.
—
Boa esquiva! —
Behemoth gargalhou. —
Gostei de ver!
Joshua se levantou em seguida. Não havia mais tempo a
perder. Ele teria que correr até o corpo de Richard e pegar o revólver.
Entretanto, aquilo não seria fácil, principalmente agora.
O corpo de Joshua estava cansado, quase cedendo mais uma
vez. Ele não conseguiria se mover tão rapidamente quanto antes. Pular sobre os
detritos, deslizar por de baixo de outros, manter-se longe de Behemoth,
continuar em frente. Tudo seria mais difícil agora. Entretanto, desistir agora
seria botar tudo a perder.
Porém, ele havia um objetivo agora: encontrar o corpo de
Richard. No meio daquele labirinto caótico, com um maníaco o perseguindo, era
difícil se concentrar naquilo.
Após alguns instantes, porém, a mente de Joshua parecia
ter parado de funcionar.
O som da destruição atrás dele causado por Behemoth já
havia se tornado algo habitual. E foi exatamente por isso que, para Joshua,
tudo parecia etéreo a sua volta.
O rapaz mal havia sentido a mão de Behemoth agarrando sua
nuca no meio daquele caos. E, assim, de repente, Joshua estava praticamente
voando, indo em direção a uma coluna
após ter sido arremessado pelo gigante.
O instinto do rapaz o salvou naquele momento. Levar os
braços a frente do rosto o fez gritar de dor, mas, pelo menos, a morte certa
havia sido evitada.
Lentamente, Joshua tentou se levantar. Em vão. Seus
braços não podiam o ajudar naquele estado. De bruços, ele tossiu sangue no
chão. Lutando para respirar, ele voltou as costas para o chão.
—
Ainda bem que você é resistente... —
Behemoth riu. — Você
faz tudo ser tão mais divertido...
Joshua ainda tinha energia. Como um último recurso, ele
poderia levantar-se e correr por sua vida. Mas para quê? Ele adiaria sua morte
por mais alguns segundos, nada mais do que isso. O maníaco se aproximava dele
lentamente. Seu destino já estava definido.
—
Temo que nosso joguinho tenha chego ao fim... —
Behemoth continuou. —
Mas saiba que eu adorei cada segundo dele! —
Ele gargalhou. — E,
como símbolo de meu afeto por você, vou lhe providenciar uma morte rápida! Que
tal? Não é uma proposta ruim, não é? Você não terá um fim lento e torturante,
literalmente... —
Mais uma risada. —
Não como aquela... Qual o nome...? Adriana, não é?
Nesse momento, tomado pela raiva, Joshua tentou se
levantar. Mais uma vez, em vão. O jovem permaneceu em pé por não mais de um
segundo e, rapidamente, caiu de joelhos.
—
Não adianta mais... —
Behemoth sorriu enquanto se preparava para atacar. — É o seu...
Os sons de disparos surgiram como trovões. Foram seis ao
todo. Todos acertaram as costas de Behemoth. Todos partiram do revólver
prateado nas mãos de Cristina.
Joshua, ainda de joelhos, encontrou a mulher sentada, encostada
a uma parede, não muito longe de onde estava, ao lado do corpo de Richard.
—
Ora... — O gigante
balbuciou. — Eu não
esperava por isso...
Os projéteis prateados caíram amassados de suas costas.
Agora, elas mais pareciam tampas de garrafa de cerveja do que balas.
Seis feridas superficiais eram visíveis nas costas do
gigante. Mal havia sangramento. Os tiros pareciam ter causado tanto dano quanto
as unhas de Cristina.
—
Você me surpreendeu... —
Behemoth sorriu para ela. —
Achei que você não me incomodaria mais... Ao menos, não até eu terminar de
brincar com o meu Coelhinho... —
Ele começou a andar na direção de Cristina. —
Mas vejo que me enganei. Peço desculpas por isso, minha cara.
Desesperada, a mulher começou a recarregar a arma. Suas
mãos tremiam enquanto colocava mais seis balas no tambor do revólver.
—
Você me força a mudar os meus planos... —
Behemoth continuou. —
Vou ter que acabar com você agora...
Cristina terminou de recarregar a arma. Mesmo com as mãos
tremendo, ela conseguiu apontar o revólver para o gigante.
Porém, Cristina não teve a chance de atirar.
Antes que seu dedo puxasse o gatilho, o martelo de
Behemoth atingiu sua mão, quebrando seus dedos e mandando a arma para longe.
Cristina gritou de dor. Lágrimas voltaram a escorrer de
seus olhos. Ele trincou os dedos, agoniada, ao ver os ossos de sua mão que
haviam perfurado a própria pele. Sangue agora escorria lentamente dela até suas
pernas.
—
Inútil. — Disse
Behemoth.
Em seguida, o psicopata atacou. O martelo atingiu a
cabeça de Cristina. O que havia sobrado de seu crânio voou para a direção
oposta do revólver.
Com mais um corpo decapitado por seu martelo, o gigante
sorriu.
—
Bem, só falta você agora... —
Behemoth riu. — Não é
mesmo...?
Ele não conseguiu chamar Joshua de Coelhinho dessa vez. Ele parou de falar antes disso. Afinal, ele
foi surpreendido pelo rapaz que, agora, havia se levantado e corria.
—
Olha só... — O
assassino murmurou.
Joshua correu até o revólver, o pegou e seguiu até a
passagem estreita. A escadaria estava diante de seus olhos.
—
Muito bem... — O
monstro disse calmamente. —
Muito bem mesmo... Mas, o que fará agora? Tentar me matar ou correr? Ver se uma
bala entre os meus olhos pode acabar com a minha vida ou ver se sua amada ainda
está viva? Hein!? Qual a sua escolha!? Atirar!? Correr!? Escolha! Agora!
Joshua se virou lentamente e encarou Behemoth. Ele
respirou fundo e apontou a arma para o assassino.
—
Ótimo! — O monstro
sorriu e, então, jogou o martelo paro o lado e, com os dois indicadores,
apontou para o espaço entre os seus olhos. —
Vamos! Atire!
—
Não... — Respondeu
Joshua.
—
Ah... Como?
—
Não. Não vou atirar em você.
Joshua apontou seu revólver para além de Behemoth. Seis
disparos foram feitos. Mais uma coluna cedeu. Rapidamente, o teto começou a se
desfazer. Detritos caíram do alto. O chão se desfez com os impactos.
—
Ora... — O assassino
murmurou. Dessa vez, ele não sorria.
Em questão de segundos, todo o grandioso salão havia
vindo abaixo, bem como grande parte da mansão, soterrando Behemoth.
Joshua, com um sorriso no rosto, caiu de costas, exausto.
—
Consegui... — Foi
tudo o que ele teve forças para dizer antes de desmaiar.
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