domingo, 21 de agosto de 2016

Conto de Terror 15, parte 1

A Mina Mal Assombrada


Não existem assombrações, nem vida após a morte, nem nada dessas bobagens místicas. A única função dessas besteiras é entreter os entediados ou, então, disciplinar os tolos. Nada como contar para uma criança pequena sobre algum tipo de bicho papão pra colocá-la na linha, não? E o mesmo serve para quando os tolos crescem. Diga a eles que um lugar é assombrado, ou que algum objeto é amaldiçoado, que os idiotas vão preferir manter distância de seja lá o que for.
A obediência pelo medo é muitas vezes mais eficaz do que a pelo respeito... E é por isso que a lenda da mina mal assombrada da minha cidade faz sentido. Ninguém deveria entrar lá. Ninguém tem um motivo para entrar lá. Toda a prata daquele lugar já havia sido mandada para longe há, pelo menos, um século. Logo, o lugar deveria permanecer vazio.
Entretanto, lendas sobre fantasmas dos antigos mineradores eram tão antigas quanto a própria mina. É claro que alguns homens podem ter morrido em algum acidente mais de cem anos atrás. Era uma mina, uma sequência de túneis que passavam por debaixo de toneladas de pedra e terra. Um golpe errado de uma picareta poderia causar um desabamento, soterrando dezenas ou isolando-os do resto do mundo, deixando-os para morrer de fome ou sede.
Agora, se você acha plausível que um espírito, um corpo não físico, fique nesse mundo, preso num túnel, procurando por prata com uma picareta, matando qualquer mortal que entre em seu caminho e tente roubar o que ele tanto procura... Desculpe-me. Se você acha isso plausível, você não pode ser muito inteligente.
De fato, você é tão inteligente quanto os outros caipiras da minha atual cidade se você acredita numa besteira dessas. Parabéns.
Porém... Devo admitir que eu também sou um idiota. Talvez não tanto quanto você, mas sou um mesmo assim. Meus motivos, entretanto, são diferentes.
Aos dezessete anos, meu círculo de amigos era composto de cinco fracassados. Eu já estava enjoado deles. Fazia tempo. Eu ficava entediado ao ponto de ficar irritado às vezes. Era como se nenhum deles fosse capaz de proferir uma palavra com mais de quatro sílabas, incapazes de pensar por si só. Juro, se não fosse pela cerveja barata que sempre traziam, este que vos fala já teria ido para bem longe, em busca de companhias mais inteligentes... Se houvesse algo do tipo na minha cidade.
Porém... Admito que tinha um outro motivo para eu continuar por perto deles...
Julie. Esse era o nome dela. Ela... Era diferente dos demais. Devo dizer que não é das mais inteligentes, mas... Ela era especial. Bonita, mas não gostava de aparecer. O jeito desleixado que ela se vestia a fazia parecer, de vez um quando, um cara de cabelos compridos e cílios longos. Mas o sorriso carinhoso continuava lá. Sempre. Bem como os olhos verdes e carinhosos. Bem os lábios rosados e delicados. Bem como as bochechas alvas que coravam com facilidade quando ria ou bebia um pouco demais.
Gentil, atenciosa, carinhosa, sempre serena... Ela era boa demais para um babaca que nem Diego.
O cara era o típico riquinho mimado. Um magricela tatuado, com pose de valente, cabelinho arrumado, sempre vestindo roupas caras que resolveu desbotar ou cortar um pedaço por motivos de estilo. Como todo bom espécime da raça, se metia em problemas constantemente por achar que as regras não se aplicavam a ele, levando o resto dos amigos junto para a delegacia. Entretanto, ter um pai rico e influente na cidade era o ás que estava sempre em sua manga.
Por mais que o sujeito me irritasse, eu confesso, andar junto com ele podia ser um tanto quanto divertido às vezes. Eu não vivia muito antes de me mudar para cá. Era muito quieto, anti-social até, raramente saia de casa. Agora a situação havia mudado. E acho que é por isso que, no final das contas, eu tolerava o Diego e o seu bando. Talvez Julie também se sentisse assim. Talvez ela, que consegue ver sempre o lado bom das pessoas, visse algo que eu nunca seria capaz de ver naquele mauricinho metido à rebelde. Ou talvez ela só fosse burra demais. Vai saber...
Enfim, deixe-me contar a você, caro leitor, sobre a pior decisão que já tomei.
Estava uma noite linda. No céu cor de ébano, as poucas nuvens arroxeadas pareciam fugir para longe. As estrelas prateadas brilhavam como chamas intensas. A gigantesca lua branca fazia seus observadores ficarem de queixo caído ao direcionarem seus olhares a ela, e eu estava incluso nessa afirmação.
Pelas colinas, o meu grupo (ou melhor, o grupo de Diego) andava sem rumo aparente, sem ninguém para nos impedir. Cada um dos cinco tinha uma garrafa de cerveja na mão e nenhum papo remotamente interessante em mente. Sob o efeito de álcool, era fácil rir um pouco de vez em quando e, como eu não era de ficar contrariando o que os outros falavam, todos seguiam sem problemas comigo, como sempre.
Algumas horas depois, as cervejas já haviam acabado e eu, infelizmente, já estava sóbrio.
Olhei para a minha direita. Diego andava com seu braço envolvendo a cintura de Julie, cochichando algo no ouvido dela enquanto a garota sorria. Desviei meu olhar. Um pouco atrás de mim, estavam Gustavo e Gabriella, os outros dois integrantes do grupo que, sinceramente, não tenho nada de interessante para contar sobre os dois. Eles viviam a vida sem ter um propósito, sem ambição, apenas sobrevivendo sem saber o que fazer no dia seguinte. Naquele momento, ambos estavam completamente chapados graças aos baseados que haviam fumado há pouco, como o de costume.
Quando voltei a olhar para frente, parei de andar. Percebi que estávamos a poucos metros da entrada do lugar nefasto.
Cara... Gustavo falou com a voz arrastada. Olha a tal da mina aí...
Foi apenas nesse momento que o resto do bando percebeu a existência do lugar.
Na entrada da caverna de rochas acinzentadas, eu já podia ver as placas e faixas com avisos para manter as pessoas longe. A passagem havia sido bloqueadas por tábuas de madeira que, nitidamente, foram quebradas.
Cara... Agora era Gabriella que falava. A gente ta tão perto... Sabe o que a gente devia fazer...?
Entrar lá...? Gustavo riu. Isso seria do caralho...
Né? Gabriella abriu um sorriso que a fez parecer ainda mais estúpida. A garota, então, sacou uma câmera de vídeo do bolso do casaco como se fosse algo completamente normal. A gente podia tentar achar uns fantasmas... E tentar filmar uns deles... Algo me dizia que a filmadora tinha, normalmente, uma utilidade bem diferente. Quem topa?
Ela levantou a mão logo em seguida, assim como Gustavo. Apenas eles, é claro, queriam ir.
Só a gente mesmo...? Ela exibia o exato oposto de um sorriso agora em seu semblante. Que chato...
Não é uma boa ideia. Advertiu Diego, tentando soar maduro e responsável. Vocês dois não estão pensando direito...
Ele ta certo. Julie concordou, ainda agarrado no namorado. Se a gente perguntar pra vocês mais tarde se vocês querem ir, vocês vão falar que não. Acreditem.
Ah... Gustavo suspirou. Qual é...
Já sei! Exclamou Gabriella. Vamos ficar só na entrada... Tipo, vamos dar uns... O quê? Uns dez, vinte passos pra dentro da mina... Ok? Aí a gente volta...
É! Gustavo concordou usando seu vasto vocabulário de maconheiro.
Nada vai dar errado... Gabriella continuou. A gente só tem que ficar junto, né? Além do mais... Ela foi andando, quase cambaleando, até Diego e apontou um dedo na direção do rosto dele, quase acertando o nariz empinado. Você tem aquilo... Né?
Aquilo...? Diego ergueu uma sobrancelha. Do quê...?
A arma! Gustavo gritou alto o suficiente para acordar um espírito da mina, se houvesse algum.
Ah... Ele levou uma mão o lado esquerdo da cintura e a apalpou. É... Tá aqui...
A arma. Um revólver que o pai comprou para ele, já prevendo o tipo de confusão que o filho se meteria. Um ato um tanto quanto responsável, isso é, se você não se importa com a lei que permite o porte de armas de fogo no nosso país apenas a policiais, a alguns seguranças e aos militares. Magricelas de dezessete anos com pais milionários não estão inclusos na lista.
Viu...? Gabriella sorriu. Se houver algum problema... Você protege a gente!
E atira! Gustavo, mais uma vez, contribuiu muito para o diálogo.
Não, ok? Diego, mais uma vez, tentou soar como o responsável do grupo. Isso não é um brinquedo. É só pra ser usado em emergências.
Hm... A garota levou o indicador ao lábio, pensativa. Então... Você poderia me emprestar a arma...?
Agora você ficou louca... Julie resmungou.
Por quê? Gabriella levou as mãos à cintura.  Só você pode pegar na arma dele, é?
Ela sorriu. Julie mostrou os dentes. Gustavo riu. Diego tentou se manter indiferente. E eu? Tentei apenas tirar a imagem da cabeça de uma certa pessoa pegando na arma de outra.
Vamos parar com isso, ok? Diego suspirou. A gente não precisa entrar lá. E a gente não vai entrar lá.
E você não vai atirar...? Gabriella indagou, parecendo triste agora.
Não, não vou.
Ok...
Sem dizer mais nada, a garota deu meia volta e começou a correr em direção à mina.
Espera! Diego exclamou. Pare!
Ou o quê? Gabriella parou de correr por um instante e olhou na nossa direção. Vai atirar em mim, gostosão? Ela riu. Vamos, Guto!
Gustavo, então, olhou para nós.
Já volto. Ele falou rindo e, então, começou a correr.
Quando percebi, estavam todos a correr, com a exceção sendo eu mesmo. Sinceramente, aquilo não valia o esforço físico. Andar a passos largos era o máximo que eu poderia fazer.
Cinco segundos se passaram e Gustavo conseguiu tropeçar, nem sei no que exatamente, caindo de cara no chão num baque surdo. Enquanto Diego e Julie se aproximavam do maconheiro caído, Gabriella entrava na caverna.
Droga... Diego trincou os dentes.
Até que a Gabi corre bem pro estado dela, né, amor...? Julie comentou um pouco impressionado. Eu tinha que concordar.
É... Ele assentiu e, então, olhou para Gustavo, cutucando o corpo dele com a ponta do pé. Será que ele ainda ta acordado...?
Pouco provável. Respondi. Em todo caso, fique de olho nele. Eu já volto.
Pra onde você vai...? Julie perguntou.
Pra mina... Trazer a Gabi de volta antes que ela se machuque muito.
E você acha que vai sozinho? Diego indagou.
E você acha que tem coragem de entrar lá? Retruquei.
Ele não respondeu. O casal não falou nada. Sabia que o medo irracional deles era forte demais.
Foi o que eu pensei. Bufei. Já volto. Não percam o Guto de vista.
Victor... Julie murmurou. Aliás, sim, Victor é o meu nome. Cuidado... Ok?
Normalmente eu não ligo para palavras como essas. Geralmente, soam muito falsas. Porém, foi Julie que as disse, então...
Ok. Sorri. Não se preocupe.
Ei, Vic... Agora foi uma voz menos agradável que me chamou.
Eu olhei para Diego. Sem hesitar, ele sacou o revólver da calça e o estendeu até mim, apontando o cabo da arma na direção do meu peito.
Pegue. Diego pediu.
Pra quê? Indaguei. Pra eu atirar num fantasma se ele vier me pegar? Não acho que vai dar muito certo...
A gente não tem como saber o que tem lá dentro... Ele explicou.
Eu olhei para a arma. Então, olhei para os rostos preocupados de Diego e Julie. Eu podia ver em seus olhos que estavam com medo.
Valeu... Eu suspirei. Mas vou ter que deixar passar.
Mas...
Eu sei me virar. Falei rispidamente. Além disso, não preciso de uma arma na mão pra me sentir um homem...
Com isso, dei às costas ao casal.
Meus próximos passos me levaram à entrada da mina. Senti um vento gélido bater em minhas costas enquanto eu encarava a escuridão diante dos meus olhos. Um mau pressentimento atravessou minha espinha com um calafrio.
Eu cerrei os meus punhos e respirei fundo.

Droga... Murmurei, então, dei um passo à frente.

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