domingo, 24 de abril de 2016

Conto 19 - Parte 1

O Incêndio


O que aconteceu naquele dia fez Hector questionar suas escolhas, fez com que aquele pobre homem refletisse seriamente sobre o que é certo e sobre o que é errado. Aquele dia faria com que ele, no final de seus dias, sofresse em silêncio, calando a própria boca com um gole da bebida mais forte que encontrasse toda vez que sentisse vontade de gritar desesperado.
Hector era um bombeiro em uma cidade modesta. Morou a vida toda lá, na verdade. O lugar era agradável até. Grande demais para todo mundo se conhecer, pequeno demais para aparecer nos telejornais nacionais. Isso é, até algumas semanas atrás.
Como muitos podem imaginar, aquele homem era visto como um herói. Arriscando sua vida entre as chamas ardentes de um incêndio para salvar alguém que nunca vira antes, Hector havia sido ovacionado algumas boas vezes durante sua carreira. O salário podia não ser dos melhores, mas ser saudado por aqueles que ele havia ajudado compensava.
Além disso, haviam as recompensas por fora.
Havia uma senhora que cozinhava algum agrado para Hector sempre que podia para agradecer pelo resgate de seu neto. A primeira garrafa de cerveja era sempre por conta da casa após o socorro prestado pelo bombeiro ter mantido em pé o boteco perto de sua casa. O dono de uma loja de eletrodomésticos oferecia descontos generosos para o herói local sempre que precisasse, afinal, sua loja e sua vida haviam sido salvas por aquele homem.
Entretanto, nem sempre as recompensas eram materiais. Eu já mencionei a gratidão de milhares de pessoas que Hector nem mesmo conhecia. Entretanto, algumas das pessoas resgatadas por ele, ou amigas delas, expressavam gratidão de maneira diferente do resto. Não que fosse difícil para alguém com o físico dele conseguir um encontro ou uma transa fácil, porém, apenas digamos que as mulheres salvas  por ele tendiam a ser mais generosas que as outras.
Enfim, pode-se dizer que Hector era feliz. Vivia solteiro, no seu ritmo, aproveitando sua vida sem rumo claro, sem roteiro, recebendo surpresas com um sorriso.
Porém, um acontecimento inesperado tiraria seu sono.
Um olhar penetrante seria gravado em sua mente. Um par de belos olhos azuis que emitiam um brilho sobrenatural. Gélidos e desinteressados com o mundo a sua volta em um instante, incandescentes e acompanhados de um sorriso indecifrável no outro.

Aquela jovem seria a ruína de Hector. Mas não só dele.

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