domingo, 3 de abril de 2016

Teaser 1A

Teaser 1A


A noite rugia. Nenhuma alma parecia disposta a se aventurar no meio da tempestade. O vento soprava forte, assoviando enfurecido. Raios iluminavam o céu negro esporadicamente. Trovões pareciam fazer com que o próprio chão tremesse de medo. A chuva caia pesada, anulando até mesmo o som dos roncos dos motores que deixavam a cidade.
Por uma estrada rochosa agora coberta de lama, quatro veículos seguiam pelo temporal. Três carros blindados e um caminhão. Todos tão escuros quanto a escuridão que os cercavam. Os faróis amarelos ofuscantes pareciam ser o único indicador de suas presenças.
Meia hora se passou. Os veículos pararam. Seu destino era óbvio. Fora um velho armazém, nada havia naquele pedaço de rocha sem vida.
Prontamente, os homens saíram dos carros. Apenas dos carros. O motorista do caminhão permaneceu quieto.
Eram quinze no total.
Treze eram os típicos capangas. Brutos, com a cara fechada, armados com rifles e escopetas. As roupas escuras eram esfarrapadas, surradas. Certamente não os protegeriam da chuva. Seriam ainda menos úteis contra balas. Nenhum parecia ter algum tipo de treinamento formal, por assim dizer. Eram do tipo de mercenários que poderiam ser facilmente descartados após o uso.
Os outros dois eram os chefes. Parceiros de longa data, apesar de haver certa rivalidade entre a dupla. Os cabelos eram bem arrumados. As barbas, bem feitas. Os sorrisos esbanjavam autoconfiança. Os ternos, um cinza e outro branco, estavam impecáveis. É claro que dois capangas viriam com guarda-chuvas para manter os chefes a salvo das gotas de chuva. Não me surpreenderia se aquilo fizesse parte do contrato.
Com passos rápidos, os homens se dirigiram até a porta. Dois deles vinham atrás, carregando pesadas maletas prateadas. As batidas fortes e impacientes no portão de aço vieram seguidas de sua identificação. Então, as portas se abriram para os compradores.
Dentro do armazém, pouco era visível. As luzes brancas eram fracas, incapazes de dissipar as sombras. Alguns caixotes estavam espalhados pelos cantos, muitos cobertos por lonas brancas. Porém, os olhos de nenhum deles se focavam naquilo. Algo no centro da sala era bem mais tentador.
Longos cabelos ruivos. Pele alva como marfim. Olhos cor de mel. Lábios doces e delicados. Um sorriso branco perfeito. Aquela mulher poderia seduzir qualquer um daqueles homens grosseiros, fazê-los se ajoelhar e obedecer cada um de seus comandos.
Porém, não o faria.
Não era assim que aquela mulher trabalhava. De fato, parecia detestar sua aparência certos dias.
Terno preto para esconder o corpo. Rabo de cavalo para prender o cabelo. Uma expressão séria que fazia seu sorriso angelical desaparecer por completo. E, mesmo assim, seu profissionalismo era questionado. Aquilo a tirava do sério.
A mulher tirou um isqueiro de prata do bolso esquerdo. Do direito, veio um maço. Ela retirou um e guardou os demais. Com calma, levou o cigarro à boca e o acendeu.
Então... Ela começou a falar enquanto tragava a fumaça. Sua voz era monótona, sem emoção.   Trouxeram o dinheiro?
Ora... O homem de terno branco sorriu. Não é uma recepção muito calorosa essa sua, não acha? Seu tom de voz era acolhedor, um tanto quanto sedutor. Por que não se aproxima, minha cara...? Ele deu um passo a frente. Ou prefere que eu me aproxime...?
Nem um nem outro... A mulher soprou a parte da fumaça cinzenta. É verdade. É uma recepção fria. Mas não vai mudar. Eu gosto das coisas assim. São negócios, não é mesmo? Eu apertaria a sua mão, mas você me parece daquele tipo de cara que não vai se contentar só com isso...
O sorriso sumiu no rosto do homem. O parceiro dele deu um tapa de leve em seu ombro.
Não vai conseguir nada com essa daí. Advertiu o de terno cinza com sua voz rouca. Seu olhar se dirigiu à vendedora. É praticamente um homem com tetas.
O desgraçado sorriu, mostrando seus dentes amarelados para a mulher. Era óbvio que ele esperava algum tipo de reação. Mas nada veio. Não dela, pelo menos.
Era um mau pressentimento, pra dizer o mínimo. Algo parecia ter se agitado naquele armazém. Os olhos dos dois chefes e de alguns capangas tentaram seguir os sons.
Alguém estava no andar de cima, nas passarelas de metal.
Por um momento... O de terno branco suspirou. Achei que você estivesse só aqui.
Não pensou que eu seria tão estúpida, não é? A mulher soprou mais fumaça na direção dos compradores. Se eu escolhi o local, é claro que vim mais preparada que vocês... Ela bufou. Um toque leve do dedo fez as cinzas caírem da ponta do cigarro. Porém... Isso não importa... Ou assim espero.
Mas é claro. O de terno cinzento assentiu. Vamos aos negócios... Ele esfregou uma palma da mão na outra. Onde está a mercadoria?
Nos caixotes. Ela respondeu. Ao seu redor. Experimente se quiser.
Mas é claro...
O homem de terno cinza andou calmamente até uma das grandes caixas de madeira. Ele levantou a tampa pesada e a deixou de lado. Seus olhos pareciam brilhar ao ver a mercadoria.
Olha só... O homem sorriu satisfeito. Fazia tempo que eu não via tanto pó junto...
Ele levou uma mão até o bolso direito. De lá, tirou um estilete. Depois, tirou um dos sacos do caixote. Com um corte rápido, fez uma pequena abertura. Seu indicador foi até o pó branco e, em seguida, para sua boca.
O homem de terno cinza se virou para a mulher. Sua boca formou um sorriso satisfeito. A vendedora manteve sua expressão séria.
Ok... Ele se voltou para seus capangas. É da boa. Podem pagar à moça.
Os homens que carregavam deixaram as maletas prateadas aos pés da mulher. Ela olhou para elas sem muito entusiasmo, pressentindo algo errado.
Setenta e cinco mil. Anunciou o home de terno cinza com o saco de cocaína ainda em mãos. Como prometido.
Ah... A mulher soprou fumaça inquieta. Como prometido. Repetiu. Não, não... Ela inclinou a cabeça para a esquerda. Não acho que tenha sido esse o trato...
Querida... Ele sorriu. Somos os melhores compradores que você terá na vida. Nunca que você conseguiria todo esse dinheiro de uma vez...
Parece que você está certo. Afinal, não tenho todo esse dinheiro. Não tenho os meus cem mil.
Olhe... O homem parecia irritado agora. Nós somos da capital. Da capital, sabe? Nós ditamos os preços, doçura. Se eu estou falando que setenta e cinco mil é o que isso vale...
Então você não vai levar toda a mercadoria. Ela retrucou.
O homem de terno cinza bufou. Estava à beira de perder a paciência. Ele havia dito a seu parceiro que conseguiria o desconto, que conseguiria convencer a compradora a se contentar com menos dinheiro. Porém, nunca em sua vida aquele desgraçado havia negociado com uma mulher daquelas.
Setenta e cinco por cento. Ela disse calma. Ou seja... Quinze dos vinte caixotes. Ou isso ou você volta da próxima vez com todo o dinheiro... Ou não volta mais.
Escuta aqui, sua vadia...!
O rugido veio em seguido. O brado chamou a atenção de todos. Então, um vulto gigantesco pulou do segundo andar.
Ele pousou, bem ao lado da mulher, estremecendo o chão. Calma, a expressão do seu rosto não se alterou. Ela já estava acostumada com o estilo de chegada de seu aliado.
O recém chegado tinha mais de dois metros de altura. Seu corpo branco e musculoso era coberto de tatuagens negras, marcando inclusive o topo de sua cabeça calva. De roupas, só vestia calças pretas e coturnos escuros. Em seu rosto, uma expressão de raiva residia, mostrando os dentes como presas enquanto bufava.
Talvez seja meio óbvio, porém, contarei assim mesmo: a reação de todos os capangas, por mais assustados que estivessem, foi apontar suas armas para o gigante.
Então... O homem de terno branco limpou a garganta. Esse é o seu reforço?
Meu guarda-costas. A mulher explicou. E um de meus amigos mais antigos... Ele sempre se irrita quando falam mal de mim. Eu não ligo, sabe? Ela cruzou os braços e olhou para o companheiro. Nunca fui muito de me deixar levar pela a opinião de gentinha que nem vocês... Mas aí o grandão aqui não leva tão na boa...
Adorável. O homem de terno cinza disse num tom sarcástico. Agora peça pro seu bichinho ficar quieto. Caso contrário, ele vai ficar cheio de buracos.
Pouco provável. A vendedora discordou. Ele é bem forte, sabe...?
Você não consegue ficar com essa boca fechada!?
Poderia dizer o mesmo sobre você...
Olha aqui, sua vaca...!
Então, aquilo aconteceu. O gigante avançou sem hesitar, urrando como uma fera, até sua mão direita agarrar o rosto do homem de terno cinza.
Ele pediu por ajuda, tentando se soltar de seu agressor sem sucesso. Seus gritos eram abafados pela mão do gigante. Os capangas pareciam ainda mais assustados. Suas mãos tremiam. Não conseguiriam acertar um alvo parado agora se tentassem.
Não atirem! Pediu o homem de terno branco para seus homens. Por favor, não atirem!
É claro que ele estava preocupado. Aqueles brutamontes iriam acabar atirando em seu parceiro se apertassem os gatilhos. Mesmo que não estivessem nervosos eles acabariam acertando a pessoa errada.
Com seus gritos abafados de dor, o homem do terno cinza estava perdendo as forças. Tremendo de medo, sentindo sua face sendo esmagada, ele se ajoelhou. Não aguentava mais ficar de pé. Se o gigante o soltasse, era provável que caísse inerte, quase morto.
Sabe qual o problema? A mulher perguntou e, então, soprou uma nuvem cinzenta para o alto. Digo, qual o problema de vocês?
O olhar de todos se dirigia à vendedora agora. Ela não gostava de tanta atenção, porém, dessa vez seria diferente, seria bom.
Vocês, pessoas fracas... E com isso não me refiro à fraqueza física necessariamente, mas me refiro com certeza à fraqueza intelectual de vocês... É que vocês não sabem respeitar. Vocês não querem respeitar. Vocês não conseguem simplesmente obedecer a uma regra após pesar os prós e contras e decidir pela alternativa mais viável, enxergar que as regras estão aqui para ajudá-los tantas vezes... Não! É algo muito além de vocês... Vocês têm que discordar, vocês têm que causar um tumulto apenas por quererem, apenas por poderem... Apenas por se acharem fortes... Mas vocês não são fortes. Ela disse pausadamente. Vocês não têm a capacidade de respeitar... Mas vocês têm a capacidade de fazer as coisas por outros motivos, sabe? De serem coagidos, de seguirem regras por medo, de aprenderem com os próprios erros, de aprenderem com a dor, com o arrependimento... Um sorriso sinistro se formou em seus lábios. É por isso que não dá pra conversar com vocês... É por isso que é preciso ser bruto com a sua raça... Então...
Nesse instante, o gigante soltou o rosto do homem com o terno cinza. Ele respirou ofegante, parecendo que havia quase se afogado, sendo salvo no último instante.
Entretanto, o homem não pôde comemorar.
A mão do gigante agarrou sua mandíbula em seguida, puxando seu rosto aterrorizado na direção da vendedora.
É por isso que vocês têm que aprender com o medo. Ela continuou. Alguém tem que aprender com a dor...
Enquanto o desgraçado sentia sua mandíbula sendo puxada até se soltar se seu crânio, enquanto sua língua coberta de sangue era separada do resto de seu corpo, ele pôde jurar que viu a mulher zombando dele, sussurrando gentilmente:
Agora você nunca mais vai conseguir fechar essa boca imunda...
O homem de cinza começou a se debater no chão, tentando gritar de dor sem poder articular palavra alguma. Seu sangue jorrava para todos os lados enquanto o pé do gigante o impedia de fugir.
Não demorou para que o chão negro fosse tingido de vermelho.
Horrorizados, os homens tremiam. Eles não sabiam como reagir a algo tão brutal.
Ah... Ah... O homem de branco tentava montar uma frase. Vocês...! Ele se voltou para os capangas. Atirem... Atirem nele! Atirem naquele monstro!
Os capangas demoraram um instante para entender. Não eram soldados treinados afinal.
Quando começaram a atirar, porém, não pararam até que as balas acabassem.
Durante o frenesi, nem mesmo perceberam que seus esforços haviam sido em vão.
Centenas de projéteis haviam acertado o corpo do gigante, mas nenhum conseguiu causar mais do que alguns arranhões. Nem mesmo os disparos contra a cabeça dele tiveram algum efeito.
Essa aberração... O homem de branco conseguiu dizer tremendo. O que é...?
Ora... A mulher sorriu. Alguém que veio aqui te ensinar pelo medo. Achei que isso já estivesse bem claro...
Então, ela assoviou. A ordem foi entendida.
Da escuridão acima dela, disparos vieram. Como uma chuva de metal, balas de pistolas, rifles e metralhadoras vieram. Um a um, os capangas caíam. Em questão de segundos, o homem de branco viu seus capangas morreram. Eles estavam tão inofensivos quanto ele agora.
Espero que você não tenha achado que eu só tinha um aliado. A vendedora falou com sinceridade.
O homem olhou para ela. Quando percebeu, já era tarde demais. A mão do gigante já estava apertando sua nuca, forçando-o a ajoelhar como seu parceiro havia ajoelhado.
Isso é o que faremos... A mulher começou a dizer, olhando seu cliente de cima. Você vai deixar todo o dinheiro aqui. E não vai levar nada. Entendido?
Tremendo, ele assentiu.
Ela, então, tragou o cigarro e cuspiu a fumaça no rosto do homem assustado. Ele fechou os olhos e tossiu.
É claro que você entendeu. A mulher afirmou. Não respeitam. Sentem medo. Enfim entendem a mensagem. Tudo o que eu acabei de falar faz sentido...
A vendedora estendeu sua mão na direção do rosto do comprador, apagando seu cigarro em sua testa lentamente enquanto ele gritava de dor.
Bem, esse acabou sendo um dia bem lucrativo. Ela sorriu para o gigante. Então, voltou-se para o homem. Não hesite em me procurar para futuros negócios, ok?
Após essas palavras, o gigante soltou o comprador. Sem hesitar, o homem se levantou e, aos tropeços, correu para fora do armazém, passando pelos corpos de seus capangas e de seu amigo sem olhar para trás.
Tudo certo... A mulher respirou fundo. Então, olhou para cima.  Valeu, gente! Agora vamos voltar pra casa!
Com essas palavras, cinco pessoas pularam das passarelas de ferro. Eram homens e mulheres. Todos vestindo roupas blindadas. Todos fortemente armados.

Vocês merecem uma salva de palmas! A vendedora sorriu. E alguns drinques. Por minha conta. Dinheiro não é problema hoje... Ela riu contente. Vamos, família.

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