quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Mephisto

Preparado para a sua grande estréia? Perguntou um Demônio, que manejava uma lança, para um guerreiro. O homem trajava uma armadura negra ornada com prata. Uma longa capa vermelha, em suas costas, estendia-se até chão. Nela, o símbolo das Trevas, o dragão negro, era nítido. O elmo, extremamente lustroso, de formato arredondado, protegia completamente sua cabeça, a não ser pelos olhos e boca, que tinham aberturas largas mais do que suficientes para tornar seus olhos, bem como sua boca, bem visíveis. Logo, a pele alva de seu rosto podia ser vista, bem como os lábios finos, dentes perolados e olhos extremamente azuis.
Tenho certeza que ele não terá problemas. Outro Demônio respondeu no lugar do guerreiro. Este vinha carregando um arco na mão esquerda. Atrás dele pelo menos duas dezenas de outros Demônios, manejando as mais diversas armas, pareciam esperar por algo acontecer. Afinal, ele é o filho de Nidhogg. O Demônio sorriu. Usando apenas uma máscara metálica que cobria a parte superior de seu rosto, sua boca e, conseqüentemente, suas longas presas extremamente brancas eram bem visíveis. E, ainda por cima, foi treinado por Tristan, o Escolhido do Lorde das Trevas.
Ora, fico lisonjeado com sua confiança. Disse Mephisto, o Príncipe das Trevas, com sua voz suave. Mas...não se esqueçam que eu ainda estou em fase de treinamento. Ainda sou um aprendiz de Tristan. Não se esqueçam que eu tenho apenas um mês de vida.
O primeiro Demônio riu.
Que seja. Ele deu de ombros. Você ainda é mais poderoso do que todos nós, os Demônios que se reuniram aqui, juntos.
É... O segundo Demônio concordou sem muita animação. Tenho certeza que você, Mephisto, poderia fazer essa missão sozinho. Ele bufou. Mas...um dos motivos dessa missão é ver se você sabe comandar uma tropa. Por isso que estamos aqui. O Demônio que carregava o arco se voltou para o que manejava a lança. Certo?
Com certa hesitação, o primeiro Demônio concordou, assentindo com a cabeça.
Claro, claro... Mephisto respirou fundo e, então, quase como se estivesse perdido, olhou, minuciosamente, ao seu redor.
“Eu mal conseguido acreditar...”.
A noite já havia começado horas atrás. Dezenas de nuvens escuras cobriam faziam com que as luzes das estrelas não pudessem ser vista. Entretanto, isso não se aplicava a lua, que, soberana, brilhava no céu negro. O chão, em que Mephisto e sua tropa pisavam, parecia ser coberto por um longo tapete verde acinzentado. A pouco menos de um quilômetro de distância, no topo de uma colina, cercada por um fosso, protegida por gigantescas muralhas brancas, estava uma cidade.
“A minha primeira missão...finalmente chegou”.
Mephisto sorriu.
Ah...o que tem de especial mesmo naquela cidade? Um terceiro Demônio, que carregava uma adaga em cada mão, aproximou-se, calmamente, de Mephisto e dos outros dois aliados. Para ter tanta proteção assim...o que há de tão importante lá? Eu e os outros Demônios não fazemos  ideia do porquê...
Nós descobrimos o motivo recentemente também, então, não se preocupe. O segundo Demônio respondeu animado. Ele cruzou os braços e sorriu. Acontece que existem, nessa cidade, pelo menos, algumas dezenas de seguidores da Luz especializados em criar artefatos mágicos. Logo, é bem provável que existam, pelo menos, algumas centenas de objetos valiosos que possamos destruir.
Se eles não nos destruírem antes. Disse, um pouco irritado, o primeiro Demônio. Com tantas armas da Luz...bem, nós poderemos ter problemas.
Realmente. Mephisto sorriu. Parece bem desafiador.
O primeiro Demônio parecia rosnar. O segundo, entretanto, sorriu. O terceiro ficou sem saber como reagir.
Bem...vamos? O Príncipe das Trevas perguntou animado. Eu não vou agüentar esperar tanto.
O segundo Demônio olhou em direção a cidade e coçou a nuca.
Ah...bem... Ele parecia forçar os olhos para enxergar a cidade. Vejo pouquíssimo movimento lá. Creio que todos, com exceção dos guardas que estão fazendo suas rondas, já tenham ido dormir.
Então...vamos? O terceiro Demônio perguntou com certa animação.
Mephisto sorriu. O primeiro e o segundo Demônios concordaram assentindo de leve. Rapidamente, o Príncipe das Trevas ergueu a mão direita para o alto, chamando a atenção do resto de sua tropa.
Vamos! Mephisto sorriu. Temos uma cidade para atacar e nenhum segundo a perder!
De repente, duas grandes asas, feitas a partir de trevas, surgiram nas costas do Príncipe das Trevas. Elas eram cobertas por penas cor de ébano, como as de cisnes negros. Em um instante, Mephisto se ergueu dezenas de metros no ar. Sem dizer mais nada, ele avançou em direção a cidade.
“Bem...qual será o meu primeiro ataque?”.
Ao chegar ao céu nublado que cobria a cidade, Mephisto sorriu. Ao todo, algumas dezenas de guardas, todos usando simples armaduras de aço, patrulhavam as muralhas e as ruas. As casas da cidade estavam envoltas pela escuridão da noite. Apenas alguns pontos de luz, provindos de tochas, tanto nas paredes, tanto nas mãos de guardas, podiam ser vistos em toda a extensão do local.
“Isso vai ser divertido...”.
O Príncipe das Trevas coçou a nuca.
“Ah...mas eu ainda não sei que ataque...”.
Antes que Mephisto pudesse concluir seu pensamento, uma flecha foi lançada em sua direção. Rapidamente, ele esquivou do projétil, jogando-se, em pleno ar, para a direita. Nesse momento, o Príncipe das Trevas olhou novamente para os pontos iluminados. Pelo menos duas dezenas de guardas haviam o avistado e, prontamente, já tinham seus arcos em punhos. Rapidamente, mais flechas foram atiradas. Agora, atento, Mephisto teve ainda mais facilidade em desviar dos projéteis.
Precisa de ajuda? Uma voz familiar, atrás do Príncipe das Trevas, perguntou.
Mephisto, rapidamente, voltou-se para trás. Sua tropa de Demônios havia chego. O segundo deles que havia feito a pergunta. O príncipe sorriu.
Se vocês não se incomodarem... Ele deu de ombros, ainda sorrindo. Vocês podem atacar os guardas que estão nas ruas. Eu cuido dos que estão nas muralhas.
Não houve protestos. A tropa de Demônios avançou por cima das muralhas, em direção às ruas da cidade, servindo, de maneira não proposital, como distração, fazendo com que os guardas parassem de prestar atenção em Mephisto.
“Perfeito...”.
Em um instante, pequenas descargas elétricas, de coloração azul, praticamente branco, começaram a percorrer, freneticamente, pelos braços do Príncipe das Trevas. Com um sorriso, ele apontou, com o dedo indicador direito, na direção de seus alvos. No mesmo instante, um relâmpago, com um fraco brilho azul, foi disparado de sua mão, percorrendo uma linha reta no ar até o peito de um dos guardas. Toda a descarga elétrica percorreu o corpo do guerreiro envolto pela armadura de aço. Em uma fração de segundos, o guarda caiu, sem vida, do topo da muralha. Apavorados, os outros guardas, que estavam próximos daquele que havia acabado de ser morto, voltaram-se na direção de Mephisto. O Príncipe das Trevas, soberano no céu da noite, sorriu satisfeito.
“Bem...foi fácil...”.
Os guardas nas muralhas começaram a preparar mais flechas em seus arcos. Agora, a atenção deles estava voltada exclusivamente para Mephisto.
“Agora...vamos fazer a mesma coisa...mais vezes...e mais rapidamente...”.
No total, doze inimigos estavam nas proximidades do Príncipe das Trevas. Com movimentos rápidos com as mãos, quase elegantes, Mephisto apontava na direção dos adversários. Raios atravessavam o ar. Guardas eram atingidos. Corpos caiam sem vida. Quando, enfim, flechas foram lançadas contra o Príncipe das Trevas, seis dos guardas já haviam sido mortos.
“É...está sendo tão fácil quanto Tristan disse que seria...”.
Apesar de seis flechas estarem vindo em sua direção, Mephisto parecia tranqüilo. A serenidade estava estampada em seu rosto. Rapidamente, ele estendeu as mãos. Desta vez, porém, Mephisto apontava na direção dos projéteis atirados pelos inimigos. Em um instante, mais raios foram lançados pelo Príncipe das Trevas, acertando as flechas em pleno ar, pulverizando-as sem dificuldades.
“Nada de muito diferente do treinamento até agora...”.
De repente, Mephisto percebeu chamas brilhando intensamente das ruas da cidade. Apesar da distância, ele também ouvia inúmeros ruídos. Urros triunfantes, gritos de dor, o som de metal contra metal.
“A situação parece bem mais emocionante lá em baixo...”.
Rapidamente, Mephisto se transformou em trevas e se dirigiu até a muralha. Aterrissando atrás de um dos guardas, ele, animado, olhou para as ruas da cidade. A cena era caótica. Demônios e seguidores da Luz travavam uma batalha feroz. Apesar de serem mais poderosos, os seres das Trevas estavam em menor número. Incontáveis guardas eram massacrados, com extrema facilidade, pelas armas dos Demônios. Entretanto, alguns de seus adversários, que trajavam túnicas brancas, possuíam alguns amuletos. Assim sendo, magias de Luz eram lançadas pela cidade. Os flashes aturdiam alguns Demônios. Quase uma dezena das criaturas das Trevas havia sido aniquilada.
“Nossa...”.
Mephisto estava tonto com a cena. Porém, ao mesmo tempo, ele sorria admirado.
“Isso é bem mais excitante do que eu imaginava!”.
O Príncipe das Trevas estava inquieto. Ele balançava as mãos incessantemente. Sua respiração estava acelerada. O sorriso em seu rosto parecia se expandir mais e mais.
Droga! Uma voz exclamou atrás de Mephisto.
Rapidamente, o Príncipe das Trevas se voltou para trás. Os seis guardas ainda estavam ali.
“Ah...eu quase me esqueci deles...”.
O guarda a frente de Mephisto já havia guardado seu arco nas costas e, agora, sacava sua espada da bainha. Entretanto, antes que o guerreiro pudesse atacar, uma arma surgiu na mão direita do Príncipe das Trevas. Em uma fração de segundos, a arma já havia sido cravada no peito do guarda.
Essa armadura de vocês não serve pra nada, pelo visto... Mephisto murmurou enquanto puxava sua arma de volta. Com um puxão brusco, ele recuperou o objeto. Tratava-se de um machado. De coloração cinza, quase negra, a arma tinha cerca de noventa centímetros de comprimento. O fio da lâmina da arma, vermelho como sangue, brilhava intensamente. Em ambas as faces do machado, o símbolo das Trevas havia sido feito com prata. E, agora, só restam cinco de vocês. Ele sorriu. Quanto mais rápido eu acabar com vocês, mais cedo eu vou poder ir lá para baixo. O príncipe apontou para trás, na direção das ruas da cidade. Então...é...
Antes de completar a frase, Mephisto se transformou em trevas e surgiu atrás do guarda que se encontrava mais distante dele. Antes que o guerreiro pudesse agir, o príncipe cravou seu machado nas costas de seu adversário. Os outros guardas, agora, estavam, apesar de certa distância entre cada um deles, enfileirados. Mephisto não conseguiu conter um sorriso. Em um instante, uma cópia idêntica do machado que estava em sua mão direita surgiu em sua mão esquerda. Sua imagem, de repente, tornou-se turva, como se sua forma humana e de trevas se revezassem freneticamente. Os guardas pareciam ainda mais assustados. Ziguezagueando, Mephisto avançou, velozmente, por entre os adversários. Por onde passava, o Príncipe das Trevas deixava um rastro de fumaça negra que, rapidamente, aderia ao chão, assumindo a aparência de graxa.
Pronto... Mephisto murmurou satisfeito.
Ao terminar de falar, O Príncipe das Trevas contemplou, de relance, sua arma na mão direita. Sangue escorria lentamente de sua lâmina. Os corpos dos quatro guardas caíram no chão. O primeiro tinha um corte na cintura, do lado esquerdo, que chegava até quase a coluna. O segundo tivera a cabeça decepada. O terceiro tinha um machado cravado em sua face. O último fora degolado.
“Bem...foi fácil...”.
Mephisto estendeu a mão esquerda na direção do terceiro guarda. Em um instante, o machado se transformou em trevas e se reconstituiu na mão direita do príncipe. Calmamente, ele andou até a beira da muralha, em direção ao centro da cidade. Mephisto sorriu largamente ao contemplar novamente o campo de batalha abaixo. O fogo nas construções brilhava ainda mais intensamente sob o céu noturno. O Príncipe das Trevas respirou fundo.
Aproveitando o momento? Uma voz familiar perguntou.
“Ora só...”.
Não conseguiu tanto tempo longe de mim, hein? Mephisto, sem se virar na direção do recém chegado, perguntou.
Talvez. O homem riu baixo.
O Príncipe das Trevas ergueu os machados em direção a lua, quase como um alongamento, e sorriu.
Bem...eu já volto. Disse e, então, olhou para trás rapidamente. O homem com quem ele falara trajava uma armadura completamente negra. Sua pele branca contrastava com os longos e lisos cabelos cor de ébano. Apesar do rosto jovem, sua expressão séria revelava os horrores que ele já havia presenciado. Entretanto, a característica mais marcante era, certamente, o seu olhar imponente, composto por dois olhos inteiramente vermelhos e penetrantes. Tente não se preocupar demais, Tristan.
O guerreiro das Trevas sorriu.
Tentarei. Ele respondeu. Mas, sinceramente, eu estou mais preocupado com esses pobres seguidores da Luz.  Eles não têm chance de sobreviverem e nem sabem disso.
Mephisto riu.
É...verdade. Ele concordou sorrindo e, rapidamente, voltou a olhar para o campo de batalha.
“Ah...”.
Restam quatro Demônios, pelo que eu estou vendo. Disse Tristan. Melhor você se apressar. Não creio que deixar todos eles morrerem seria muito bom para sua reputação. Ele gargalhou. Por outro lado, você é o filho de Nidhogg. Não creio que algo possa acabar com sua reputação. O guerreiro coçou a nuca. Ah...enfim...vá logo. Eu consigo ver nos seus olhos que você não agüenta mais esperar.

Mephisto assentiu com a cabeça. Rapidamente, suas asas surgiram. Ele ascendeu no céu da noite e, rapidamente, voou em direção ao meio do caos do campo de batalha.

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