— Preparado
para a sua grande estréia? —
Perguntou um Demônio, que manejava uma lança, para um guerreiro. O homem
trajava uma armadura negra ornada com prata. Uma longa capa vermelha, em suas
costas, estendia-se até chão. Nela, o símbolo das Trevas, o dragão negro, era
nítido. O elmo, extremamente lustroso, de formato arredondado, protegia
completamente sua cabeça, a não ser pelos olhos e boca, que tinham aberturas
largas mais do que suficientes para tornar seus olhos, bem como sua boca, bem
visíveis. Logo, a pele alva de seu rosto podia ser vista, bem como os lábios
finos, dentes perolados e olhos extremamente azuis.
—
Tenho certeza que ele não terá problemas. —
Outro Demônio respondeu no lugar do guerreiro. Este vinha carregando um arco na
mão esquerda. Atrás dele pelo menos duas dezenas de outros Demônios, manejando
as mais diversas armas, pareciam esperar por algo acontecer. — Afinal, ele é o filho de
Nidhogg. — O Demônio
sorriu. Usando apenas uma máscara metálica que cobria a parte superior de seu
rosto, sua boca e, conseqüentemente, suas longas presas extremamente brancas
eram bem visíveis. —
E, ainda por cima, foi treinado por Tristan, o Escolhido do Lorde das Trevas.
—
Ora, fico lisonjeado com sua confiança. —
Disse Mephisto, o Príncipe das Trevas, com sua voz suave. — Mas...não se esqueçam que
eu ainda estou em fase de treinamento. Ainda sou um aprendiz de Tristan. Não se
esqueçam que eu tenho apenas um mês de vida.
O primeiro Demônio riu.
—
Que seja. — Ele deu
de ombros. — Você
ainda é mais poderoso do que todos nós, os Demônios que se reuniram aqui,
juntos.
—
É... — O segundo
Demônio concordou sem muita animação. —
Tenho certeza que você, Mephisto, poderia fazer essa missão sozinho. — Ele bufou. — Mas...um dos motivos
dessa missão é ver se você sabe comandar uma tropa. Por isso que estamos aqui. — O Demônio que carregava o
arco se voltou para o que manejava a lança. —
Certo?
Com certa hesitação, o primeiro Demônio concordou,
assentindo com a cabeça.
—
Claro, claro... —
Mephisto respirou fundo e, então, quase como se estivesse perdido, olhou,
minuciosamente, ao seu redor.
“Eu mal conseguido acreditar...”.
A noite já havia começado horas atrás. Dezenas de nuvens
escuras cobriam faziam com que as luzes das estrelas não pudessem ser vista.
Entretanto, isso não se aplicava a lua, que, soberana, brilhava no céu negro. O
chão, em que Mephisto e sua tropa pisavam, parecia ser coberto por um longo
tapete verde acinzentado. A pouco menos de um quilômetro de distância, no topo
de uma colina, cercada por um fosso, protegida por gigantescas muralhas
brancas, estava uma cidade.
“A minha primeira missão...finalmente chegou”.
Mephisto sorriu.
—
Ah...o que tem de especial mesmo naquela cidade? —
Um terceiro Demônio, que carregava uma adaga em cada mão, aproximou-se,
calmamente, de Mephisto e dos outros dois aliados. — Para ter tanta proteção assim...o que há de
tão importante lá? Eu e os outros Demônios não fazemos ideia do porquê...
—
Nós descobrimos o motivo recentemente também, então, não se preocupe. — O segundo Demônio
respondeu animado. Ele cruzou os braços e sorriu. — Acontece que existem, nessa cidade, pelo
menos, algumas dezenas de seguidores da Luz especializados em criar artefatos
mágicos. Logo, é bem provável que existam, pelo menos, algumas centenas de objetos
valiosos que possamos destruir.
—
Se eles não nos destruírem antes. —
Disse, um pouco irritado, o primeiro Demônio. —
Com tantas armas da Luz...bem, nós poderemos ter problemas.
—
Realmente. — Mephisto
sorriu. — Parece bem
desafiador.
O primeiro Demônio parecia rosnar. O segundo, entretanto,
sorriu. O terceiro ficou sem saber como reagir.
—
Bem...vamos? — O
Príncipe das Trevas perguntou animado. —
Eu não vou agüentar esperar tanto.
O segundo Demônio olhou em direção a cidade e coçou a
nuca.
—
Ah...bem... — Ele
parecia forçar os olhos para enxergar a cidade. —
Vejo pouquíssimo movimento lá. Creio que todos, com exceção dos guardas que
estão fazendo suas rondas, já tenham ido dormir.
—
Então...vamos? — O
terceiro Demônio perguntou com certa animação.
Mephisto sorriu. O primeiro e o segundo Demônios
concordaram assentindo de leve. Rapidamente, o Príncipe das Trevas ergueu a mão
direita para o alto, chamando a atenção do resto de sua tropa.
—
Vamos! — Mephisto
sorriu. — Temos uma
cidade para atacar e nenhum segundo a perder!
De repente, duas grandes asas, feitas a partir de trevas,
surgiram nas costas do Príncipe das Trevas. Elas eram cobertas por penas cor de
ébano, como as de cisnes negros. Em um instante, Mephisto se ergueu dezenas de
metros no ar. Sem dizer mais nada, ele avançou em direção a cidade.
“Bem...qual será o meu primeiro ataque?”.
Ao chegar ao céu nublado que cobria a cidade, Mephisto sorriu.
Ao todo, algumas dezenas de guardas, todos usando simples armaduras de aço,
patrulhavam as muralhas e as ruas. As casas da cidade estavam envoltas pela
escuridão da noite. Apenas alguns pontos de luz, provindos de tochas, tanto nas
paredes, tanto nas mãos de guardas, podiam ser vistos em toda a extensão do
local.
“Isso vai ser divertido...”.
O Príncipe das Trevas coçou a nuca.
“Ah...mas eu ainda não sei que ataque...”.
Antes que Mephisto pudesse concluir seu pensamento, uma
flecha foi lançada em sua direção. Rapidamente, ele esquivou do projétil,
jogando-se, em pleno ar, para a direita. Nesse momento, o Príncipe das Trevas
olhou novamente para os pontos iluminados. Pelo menos duas dezenas de guardas
haviam o avistado e, prontamente, já tinham seus arcos em punhos. Rapidamente,
mais flechas foram atiradas. Agora, atento, Mephisto teve ainda mais facilidade
em desviar dos projéteis.
—
Precisa de ajuda? —
Uma voz familiar, atrás do Príncipe das Trevas, perguntou.
Mephisto, rapidamente, voltou-se para trás. Sua tropa de
Demônios havia chego. O segundo deles que havia feito a pergunta. O príncipe
sorriu.
—
Se vocês não se incomodarem... —
Ele deu de ombros, ainda sorrindo. —
Vocês podem atacar os guardas que estão nas ruas. Eu cuido dos que estão nas
muralhas.
Não houve protestos. A tropa de Demônios avançou por cima
das muralhas, em direção às ruas da cidade, servindo, de maneira não
proposital, como distração, fazendo com que os guardas parassem de prestar
atenção em Mephisto.
“Perfeito...”.
Em um instante, pequenas descargas elétricas, de coloração
azul, praticamente branco, começaram a percorrer, freneticamente, pelos braços
do Príncipe das Trevas. Com um sorriso, ele apontou, com o dedo indicador
direito, na direção de seus alvos. No mesmo instante, um relâmpago, com um
fraco brilho azul, foi disparado de sua mão, percorrendo uma linha reta no ar
até o peito de um dos guardas. Toda a descarga elétrica percorreu o corpo do
guerreiro envolto pela armadura de aço. Em uma fração de segundos, o guarda
caiu, sem vida, do topo da muralha. Apavorados, os outros guardas, que estavam
próximos daquele que havia acabado de ser morto, voltaram-se na direção de
Mephisto. O Príncipe das Trevas, soberano no céu da noite, sorriu satisfeito.
“Bem...foi fácil...”.
Os guardas nas muralhas começaram a preparar mais flechas
em seus arcos. Agora, a atenção deles estava voltada exclusivamente para
Mephisto.
“Agora...vamos fazer a mesma coisa...mais vezes...e mais
rapidamente...”.
No total, doze inimigos estavam nas proximidades do
Príncipe das Trevas. Com movimentos rápidos com as mãos, quase elegantes,
Mephisto apontava na direção dos adversários. Raios atravessavam o ar. Guardas
eram atingidos. Corpos caiam sem vida. Quando, enfim, flechas foram lançadas
contra o Príncipe das Trevas, seis dos guardas já haviam sido mortos.
“É...está sendo tão fácil quanto Tristan disse que
seria...”.
Apesar de seis flechas estarem vindo em sua direção,
Mephisto parecia tranqüilo. A serenidade estava estampada em seu rosto. Rapidamente,
ele estendeu as mãos. Desta vez, porém, Mephisto apontava na direção dos
projéteis atirados pelos inimigos. Em um instante, mais raios foram lançados
pelo Príncipe das Trevas, acertando as flechas em pleno ar, pulverizando-as sem
dificuldades.
“Nada de muito diferente do treinamento até agora...”.
De repente, Mephisto percebeu chamas brilhando
intensamente das ruas da cidade. Apesar da distância, ele também ouvia inúmeros
ruídos. Urros triunfantes, gritos de dor, o som de metal contra metal.
“A situação parece bem mais emocionante lá em baixo...”.
Rapidamente, Mephisto se transformou em trevas e se
dirigiu até a muralha. Aterrissando atrás de um dos guardas, ele, animado,
olhou para as ruas da cidade. A cena era caótica. Demônios e seguidores da Luz
travavam uma batalha feroz. Apesar de serem mais poderosos, os seres das Trevas
estavam em menor número. Incontáveis guardas eram massacrados, com extrema
facilidade, pelas armas dos Demônios. Entretanto, alguns de seus adversários,
que trajavam túnicas brancas, possuíam alguns amuletos. Assim sendo, magias de
Luz eram lançadas pela cidade. Os flashes aturdiam alguns Demônios. Quase uma
dezena das criaturas das Trevas havia sido aniquilada.
“Nossa...”.
Mephisto estava tonto com a cena. Porém, ao mesmo tempo,
ele sorria admirado.
“Isso é bem mais excitante do que eu imaginava!”.
O Príncipe das Trevas estava inquieto. Ele balançava as
mãos incessantemente. Sua respiração estava acelerada. O sorriso em seu rosto
parecia se expandir mais e mais.
—
Droga! — Uma voz
exclamou atrás de Mephisto.
Rapidamente, o Príncipe das Trevas se voltou para trás.
Os seis guardas ainda estavam ali.
“Ah...eu quase me esqueci deles...”.
O guarda a frente de Mephisto já havia guardado seu arco
nas costas e, agora, sacava sua espada da bainha. Entretanto, antes que o
guerreiro pudesse atacar, uma arma surgiu na mão direita do Príncipe das
Trevas. Em uma fração de segundos, a arma já havia sido cravada no peito do
guarda.
—
Essa armadura de vocês não serve pra nada, pelo visto... — Mephisto murmurou
enquanto puxava sua arma de volta. Com um puxão brusco, ele recuperou o objeto.
Tratava-se de um machado. De coloração cinza, quase negra, a arma tinha cerca
de noventa centímetros de comprimento. O fio da lâmina da arma, vermelho como
sangue, brilhava intensamente. Em ambas as faces do machado, o símbolo das
Trevas havia sido feito com prata. —
E, agora, só restam cinco de vocês. —
Ele sorriu. — Quanto
mais rápido eu acabar com vocês, mais cedo eu vou poder ir lá para baixo. — O príncipe apontou para
trás, na direção das ruas da cidade. —
Então...é...
Antes de completar a frase, Mephisto se transformou em
trevas e surgiu atrás do guarda que se encontrava mais distante dele. Antes que
o guerreiro pudesse agir, o príncipe cravou seu machado nas costas de seu
adversário. Os outros guardas, agora, estavam, apesar de certa distância entre
cada um deles, enfileirados. Mephisto não conseguiu conter um sorriso. Em um
instante, uma cópia idêntica do machado que estava em sua mão direita surgiu em
sua mão esquerda. Sua imagem, de repente, tornou-se turva, como se sua forma
humana e de trevas se revezassem freneticamente. Os guardas pareciam ainda mais
assustados. Ziguezagueando, Mephisto avançou, velozmente, por entre os
adversários. Por onde passava, o Príncipe das Trevas deixava um rastro de
fumaça negra que, rapidamente, aderia ao chão, assumindo a aparência de graxa.
—
Pronto... — Mephisto
murmurou satisfeito.
Ao terminar de falar, O Príncipe das Trevas contemplou,
de relance, sua arma na mão direita. Sangue escorria lentamente de sua lâmina.
Os corpos dos quatro guardas caíram no chão. O primeiro tinha um corte na
cintura, do lado esquerdo, que chegava até quase a coluna. O segundo tivera a
cabeça decepada. O terceiro tinha um machado cravado em sua face. O último fora
degolado.
“Bem...foi fácil...”.
Mephisto estendeu a mão esquerda na direção do terceiro
guarda. Em um instante, o machado se transformou em trevas e se reconstituiu na
mão direita do príncipe. Calmamente, ele andou até a beira da muralha, em
direção ao centro da cidade. Mephisto sorriu largamente ao contemplar novamente
o campo de batalha abaixo. O fogo nas construções brilhava ainda mais
intensamente sob o céu noturno. O Príncipe das Trevas respirou fundo.
—
Aproveitando o momento? —
Uma voz familiar perguntou.
“Ora só...”.
—
Não conseguiu tanto tempo longe de mim, hein? —
Mephisto, sem se virar na direção do recém chegado, perguntou.
—
Talvez. — O homem riu
baixo.
O Príncipe das Trevas ergueu os machados em direção a
lua, quase como um alongamento, e sorriu.
—
Bem...eu já volto. —
Disse e, então, olhou para trás rapidamente. O homem com quem ele falara
trajava uma armadura completamente negra. Sua pele branca contrastava com os
longos e lisos cabelos cor de ébano. Apesar do rosto jovem, sua expressão séria
revelava os horrores que ele já havia presenciado. Entretanto, a característica
mais marcante era, certamente, o seu olhar imponente, composto por dois olhos
inteiramente vermelhos e penetrantes. —
Tente não se preocupar demais, Tristan.
O guerreiro das Trevas sorriu.
—
Tentarei. — Ele
respondeu. — Mas,
sinceramente, eu estou mais preocupado com esses pobres seguidores da Luz. Eles não têm chance de sobreviverem e nem
sabem disso.
Mephisto riu.
—
É...verdade. — Ele
concordou sorrindo e, rapidamente, voltou a olhar para o campo de batalha.
“Ah...”.
—
Restam quatro Demônios, pelo que eu estou vendo. —
Disse Tristan. —
Melhor você se apressar. Não creio que deixar todos eles morrerem seria muito
bom para sua reputação. —
Ele gargalhou. — Por
outro lado, você é o filho de Nidhogg. Não creio que algo possa acabar com sua
reputação. — O
guerreiro coçou a nuca. —
Ah...enfim...vá logo. Eu consigo ver nos seus olhos que você não agüenta mais
esperar.
Mephisto assentiu com a cabeça. Rapidamente, suas asas
surgiram. Ele ascendeu no céu da noite e, rapidamente, voou em direção ao meio
do caos do campo de batalha.
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