domingo, 12 de junho de 2016

Crônicas de Gehenna, Capítulo 1 (Incompleto)

Capítulo 1


Aquela era mais uma noite da qual Lucy se arrependia de ter saído de casa. Mais uma para a coleção.
A jovem se impressionava com o quão tediosa aquela vida havia se tornado. Pensou que tirar um ano para si mesma seria algo vantajoso. Ela deixaria os estudos de lado por algum tempo, teria seu descanso merecido, viveria um pouco para variar antes de entrar para a faculdade. Aliás, também aproveitaria os doze meses para se decidir sobre qual curso faria. Eram muitos para escolher apenas um. Além disso, eram muitas as suas afinidades e desavenças com suas alternativas. Trezentos e sessenta cinco dias talvez não fossem o suficiente para tomar uma decisão.
Enquanto bebia uma dose de um drinque que nem sabia o que era exatamente, Lucy parecia entender o problema: ela pensava demais. O tempo todo. Sempre se preocupando com o que acontecia, com o que aconteceu e com o que aconteceria. Mas a garota não conseguia evitar. Era o jeito dela.
Lucy olhou ao redor, para os amigos e amigas que a trouxeram para aquela festa, para outras dezenas de pessoas que não fazia ideia de quem fossem. Elas pareciam estar se divertindo. Falavam, dançavam, gritavam, bebiam, beijavam-se ao som da incompreensível música alta e remixada. E certamente não pensavam em nada.
A garota não queria admitir, mas os invejam.
Lucy queria estar ali no meio da pista, longe de suas preocupações e daquele canto frio, curtindo a vida. Mas não conseguia.
Havia um conflito dentro da jovem.
Uma parte dela se achava ruim demais para estar ali. Ficaria nervosa com toda a agitação, não conseguiria dançar, provavelmente cairia de cara na frente de todo mundo e seria a piada da festa. Também não saberia como se comportar na frente de gente nova, principalmente se fosse um rapaz. Era provável que diria algo estúpido ou suas pernas tremesse. Afastaria qualquer um que parecesse estar interessado nela. No final, voltaria derrotada para casa.
A outra parte, porém, era bem diferente: ela se achava boa demais para estar ali. Ninguém ali parecia estar ao nível dela. Poderiam haver algumas jovens mais atraentes que ela naquele lugar? Sim, porém, eram poucas. E essas poucas certamente eram tão rasas quanto poças de água, oferecendo um papo tão superficial e genérico que fariam os olhos de Lucy se revirarem inúmeras vezes. Aliás, esse parecia ser o grande problema daquela festa. E de outras festas. E de praticamente qualquer lugar onde a jovem botava os pés: ninguém parecia realmente a interessar. Todos pareciam tão insignificantes quando abriam a boca. Aquilo a deixava irritada. No final, voltaria insatisfeita para casa.
Alguém parece entediada... Disse alguém.
A voz não era de alguém conhecido de Lucy, porém, serviu para tirá-la de seus pensamentos por um instante.
A jovem olhou para seu interlocutor. Um rapaz que devia ter a mesma idade que ela. Era magro, um pouco musculoso, de altura acima da média. Seus cabelos eram negros e lisos, penteados para trás. Seus olhos eram verdes escuros. Sua pele era pálida, como se nunca tivesse tomado sol na vida. Seu sorriso, porém, era ainda mais branco. Sua camisa preta era regata, deixando os braços tatuados à mostra. Quanto ao resto do vestuário, vestia jeans que pareciam novos e tênis esportivos da mesma cor de sua camisa.
Ou talvez você esteja apenas esperando por alguém...? O sujeito arriscou um palpite. Sua  voz profunda era aveludada, agradável ao ouvido,. Ou algo...?
Tipo um milagre? Lucy virou o copo e terminou de beber seu drinque colorido. Porque isso seria bom...
Milagre? O jovem coçou o queixo, pensativo. As coisas estão tão ruins assim?
Não... Ou sim... Ou... Ela bufou. Nem sei mais. Só sei que eu me coloquei nessa situação. E eu vou me tirar dessa.
Algo me diz que você não está falando somente dessa festa...
Pois é... Sua atenção se focou, por alguns instantes, em algumas pessoas aleatórias gritando e dançando na pista. É a vida...
Se importa de me dizer algo menos vago? Ele pediu com certa cortesia.
Não quero perder tempo... Nem o meu, nem o seu, amigo.
Sinceramente, não vejo como você poderia desperdiçar meu tempo. O rapaz suspirou. Vim aqui só por causa de dois amigos meus... Meu plano era unir os dois, sabe? Ser o cupido e ficar me gabando depois...
Porém...? Lucy parecia curiosa.
Porém... Deu certo demais... E agora está um tanto quanto chato ficar perto deles... Ele bufou. Deus, eles não conseguem terminar uma frase sem que um enfie a língua na garganta do outro...
O rapaz soltou uma risada breve. Lucy apenas esboçou um breve sorriso. Pensativa, ela tentava analisar o rapaz.
E agora você está procurando alguém para que você possa fazer o mesmo? Ela ergueu uma sobrancelha. É isso?
Não necessariamente... Ele respondeu calmo.  Eu só estava entediado. Eu... Os olhos dele foram rapidamente dos pés à cabeça de Lucy, parando fixamente nos olhos azuis celestes da garota. Esses olhos...
O que tem...? Ela cruzou os braços e, atenta para o garoto, começou a ponderar. Vai elogiá-los? Dizer como são belos e fazer uma cantada barata?
O sujeito esboçou um sorriso. Mais uma vez, seus olhos foram dos pés a cabeça da garota. Dessa vez, mais lentamente. Dos sapatos pretos com salto alto à calça jeans justa. Da camiseta cinza coberta por uma jaqueta negra até o belo rosto alvo. Dos lábios rosados até os longos cabelos ruivos. Ele parecia estar gostando do que via. Porém, seu olhar parecia se perder nos olhos azuis da garota.
Faz tempo... O sujeito sorriu. Faz tempo desde a última vez que eu vi um olhar assim... Determinado, sonhador, ambicioso... Qualidades raras hoje em dia, ainda mais em conjunto...
Lucy não soube como responder. Quase se sentiu mal por ter achado que o sujeito diria algo estúpido e previsível.
Hm... Ela limpou a garganta. Obrigada...
Apenas disse o que eu senti que deveria dizer... Explicou. Nem precisava ter agradecido... Então, sua atenção se dirigiu para seu bolso. Droga... Ele pegou o celular e, após um instante, bufou... Bem, parece que meus dois amigos conseguiram se desgrudar... Mesmo que por pouco tempo... E agora querem ir para outra festa que começou agora pouco...
Outra? Lucy pegou seu celular. Já passou de duas da manhã... E ela só está começando?
A noite é uma criança. O rapaz suspirou. E meus amigos são minha carona pra fora daqui... Então eu meio que tenho que ir com eles...
E você tem que ir agora mesmo? A garota perguntou mantendo a calma, sem parecer desesperada. Se a festa lá só está começando...
Infelizmente, tenho alguns assuntos pendentes pra resolver lá. Ele disse desanimado. Não vai ser divertido no começo, mas vai melhorar... Ou assim espero...
Sei...
Lucy abaixou a cabeça, desviando o olhar do rapaz. Desanimada, tentava aceitar que talvez a única coisa boa daquele dia mal chegara e já partia. Já considerava voltar para casa. Talvez fosse a melhor opção.
Ei... O sujeito limpou a garganta. Você poderia vir nessa outra festa. Ele soou um pouco animado. Não é nada muito reservado, sabe? Deve ter quase tanta gente lá quanto aqui... A gente poderia continuar o papo lá...
É... Lucy bufou, apesar de querer sorrir. Mas, sei lá... Acho melhor não... Já está meio tarde... E lá não vou ter ninguém que eu realmente conheça... Se você estiver ocupado, e você vai estar pelo que eu entendi, provavelmente vou ficar parada num canto, que nem aqui...
Ela desviou o olhar do rapaz e coçou a nuca. Uma parte dela queria ir com o sujeito, era verdade. Faria algo diferente, algo espontâneo, sem ter que pensar. Porém, outra parte dela sabia dos riscos. Ela não conhecia aquele cara, nem seu nome ela sabia ainda. Tudo podia acabar horrivelmente errado. Voltar para casa poderia significar evitar um desastre.
Entendo... O rapaz tentou não soar desanimado. Bem... Não vou te forçar a nada, Lucy. Porém... Ele sorriu. Algo me diz que nos veremos de novo... Aí nos conheceremos devidamente, certo?
Lucy abriu a boca, mas não respondeu. Ela concordaria felizmente com a proposta do rapaz, porém, algo a incomodou.
Eu te contei meu nome...? Ela indagou.
Ah... O sujeito ergueu uma sobrancelha. Não contou...? Não...?
Eu não me lembro de ter contado... Ela contou um pouco desconfiada.
Hm... Talvez não tenha mesmo... Mas eu achei que você tinha cara de Lucy, então... Ele olhou para a garota que, claramente, estava incomodada. Enfim... Meu nome é Alex... Se é que eu não falei. Eu falei?
Acho que não...
Hm... Minha memória não anda boa ultimamente, pelo visto... Ele esboçou um sorriso. Enfim... Até mais!
Com um aceno de mão, o garoto se despediu. Com passos rápidos, ele desapareceu no mar de pessoas. Lucy, apesar de desconfiada, não tentou acompanhá-lo.
Havia algo inquietante sobre Alex. Desde a primeira troca de olhares ela sentiu isso. Porém, ainda não sabia dizer se aquilo seria algo bom ou ruim.
E mais uma vez, ela estava no canto de uma festa que, se ela fosse embora, não faria diferença. Porém, dessa vez, não hesitou em partir.
Lucy estava cansada. Saiu do lugar sem se despedir dos amigos. Aliás, ainda estava na dúvida se queria continuar saindo com eles. No momento, parecia uma perda de tempo, entretanto, não queria tomar nenhuma decisão precipitada. Seria uma decisão para depois.
Fora do prédio, a garota olhou para os arredores. As ruas da cidade eram frias. Àquela hora, pareciam quase mortas. A fraca luz amarelada dos postes não servia de nada contra as sombras da noite. Uma massa de nuvens negras no céu cobriam o brilho da lua e das estrelas sem dificuldade. Uma simples caminhada de duas quadras até um ponto de ônibus parecia uma tarefa arriscada demais. Se ela tivesse dinheiro para um táxi, gastaria sem remorso. Porém, a situação não era essa.
Não vai demorar nem cinco minutos. Esse era o pensamento que Lucy usava para se manter calma. Foi algo que funcionou bem por cerca de trinta segundos. Em seguida, Alex surgiu em seus pensamentos.
O sorriso enigmático do rapaz parecia perturbar seus pensamentos. Algo nele era anormal, desumano. No bom sentido, é claro. A fala dele prendeu a atenção de Lucy, algo que alguém não conseguia fazer há tempos. Era como se a voz do sujeito a prendesse, a deixasse curiosa para saber quando ele falaria novamente.
Era algo quase enlouquecedor. E igualmente sedutor.
Então, algo fez com que Lucy voltasse a realidade: o som de um trovão.
Com uma expressão irritada, ela olhou para o alto. Em questão de instantes, finas gotas de água gélida começaram a verter do céu.
Droga... A jovem resmungou.
Ela tentaria se manter positiva. Ela deveria estar a passos do ponto de ônibus. Mesmo que fosse encharcada pela chuva, não teria que correr para lugar nenhum. Talvez até chegasse seca em casa.
Porém, não foi o que aconteceu.

Lucy percebeu que não sabia onde estava.

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