Capítulo 1
Aquela era mais uma noite da qual Lucy se arrependia de ter
saído de casa. Mais uma para a coleção.
A jovem se impressionava com o quão tediosa aquela vida
havia se tornado. Pensou que tirar um ano para si mesma seria algo vantajoso.
Ela deixaria os estudos de lado por algum tempo, teria seu descanso merecido,
viveria um pouco para variar antes de entrar para a faculdade. Aliás, também
aproveitaria os doze meses para se decidir sobre qual curso faria. Eram muitos
para escolher apenas um. Além disso, eram muitas as suas afinidades e
desavenças com suas alternativas. Trezentos e sessenta cinco dias talvez não
fossem o suficiente para tomar uma decisão.
Enquanto bebia uma dose de um drinque que nem sabia o que
era exatamente, Lucy parecia entender o problema: ela pensava demais. O tempo
todo. Sempre se preocupando com o que acontecia, com o que aconteceu e com o
que aconteceria. Mas a garota não conseguia evitar. Era o jeito dela.
Lucy olhou ao redor, para os amigos e amigas que a trouxeram
para aquela festa, para outras dezenas de pessoas que não fazia ideia de quem
fossem. Elas pareciam estar se divertindo. Falavam, dançavam, gritavam, bebiam,
beijavam-se ao som da incompreensível música alta e remixada. E certamente não
pensavam em nada.
A garota não queria admitir, mas os invejam.
Lucy queria estar ali no meio da pista, longe de suas
preocupações e daquele canto frio, curtindo a vida. Mas não conseguia.
Havia um conflito dentro da jovem.
Uma parte dela se achava ruim demais para estar ali. Ficaria
nervosa com toda a agitação, não conseguiria dançar, provavelmente cairia de
cara na frente de todo mundo e seria a piada da festa. Também não saberia como
se comportar na frente de gente nova, principalmente se fosse um rapaz. Era provável
que diria algo estúpido ou suas pernas tremesse. Afastaria qualquer um que
parecesse estar interessado nela. No final, voltaria derrotada para casa.
A outra parte, porém, era bem diferente: ela se achava boa
demais para estar ali. Ninguém ali parecia estar ao nível dela. Poderiam haver
algumas jovens mais atraentes que ela naquele lugar? Sim, porém, eram poucas. E
essas poucas certamente eram tão rasas quanto poças de água, oferecendo um papo
tão superficial e genérico que fariam os olhos de Lucy se revirarem inúmeras
vezes. Aliás, esse parecia ser o grande problema daquela festa. E de outras
festas. E de praticamente qualquer lugar onde a jovem botava os pés: ninguém
parecia realmente a interessar. Todos pareciam tão insignificantes quando
abriam a boca. Aquilo a deixava irritada. No final, voltaria insatisfeita para
casa.
—
Alguém parece entediada... —
Disse alguém.
A voz não era de alguém conhecido de Lucy, porém, serviu
para tirá-la de seus pensamentos por um instante.
A jovem olhou para seu interlocutor. Um rapaz que devia ter
a mesma idade que ela. Era magro, um pouco musculoso, de altura acima da média.
Seus cabelos eram negros e lisos, penteados para trás. Seus olhos eram verdes
escuros. Sua pele era pálida, como se nunca tivesse tomado sol na vida. Seu
sorriso, porém, era ainda mais branco. Sua camisa preta era regata, deixando os
braços tatuados à mostra. Quanto ao resto do vestuário, vestia jeans que
pareciam novos e tênis esportivos da mesma cor de sua camisa.
—
Ou talvez você esteja apenas esperando por alguém...? — O sujeito arriscou um palpite. Sua voz profunda era aveludada, agradável ao
ouvido,. — Ou algo...?
—
Tipo um milagre? —
Lucy virou o copo e terminou de beber seu drinque colorido. — Porque isso seria bom...
— Milagre? —
O jovem coçou o queixo, pensativo. —
As coisas estão tão ruins assim?
—
Não... Ou sim... Ou...
— Ela bufou. — Nem sei mais. Só sei que eu me coloquei
nessa situação. E eu vou me tirar dessa.
— Algo me diz
que você não está falando somente dessa festa...
— Pois é... — Sua atenção se focou, por alguns instantes,
em algumas pessoas aleatórias gritando e dançando na pista. — É a vida...
— Se importa de
me dizer algo menos vago? — Ele pediu com
certa cortesia.
— Não quero
perder tempo... Nem o meu, nem o seu, amigo.
— Sinceramente,
não vejo como você poderia desperdiçar meu tempo. — O rapaz suspirou. — Vim aqui só por causa de dois amigos meus...
Meu plano era unir os dois, sabe? Ser o cupido e ficar me gabando depois...
— Porém...? — Lucy parecia curiosa.
— Porém... Deu
certo demais... E agora está um tanto quanto chato ficar perto deles... — Ele bufou. — Deus, eles não conseguem terminar uma frase sem que um enfie a
língua na garganta do outro...
O
rapaz soltou uma risada breve. Lucy apenas esboçou um breve sorriso. Pensativa,
ela tentava analisar o rapaz.
— E agora você
está procurando alguém para que você possa fazer o mesmo? — Ela ergueu uma sobrancelha. — É isso?
— Não
necessariamente... — Ele respondeu
calmo. — Eu só estava entediado. Eu... — Os olhos dele foram rapidamente dos pés à cabeça de Lucy, parando
fixamente nos olhos azuis celestes da garota. — Esses olhos...
— O que tem...? — Ela cruzou os braços e, atenta para o
garoto, começou a ponderar. — Vai elogiá-los?
Dizer como são belos e fazer uma cantada barata?
O
sujeito esboçou um sorriso. Mais uma vez, seus olhos foram dos pés a cabeça da
garota. Dessa vez, mais lentamente. Dos sapatos pretos com salto alto à calça
jeans justa. Da camiseta cinza coberta por uma jaqueta negra até o belo rosto
alvo. Dos lábios rosados até os longos cabelos ruivos. Ele parecia estar
gostando do que via. Porém, seu olhar parecia se perder nos olhos azuis da
garota.
— Faz tempo... — O sujeito sorriu. — Faz tempo desde a última vez que eu vi um
olhar assim... Determinado, sonhador, ambicioso... Qualidades raras hoje em
dia, ainda mais em conjunto...
Lucy
não soube como responder. Quase se sentiu mal por ter achado que o sujeito
diria algo estúpido e previsível.
— Hm... — Ela limpou a garganta. — Obrigada...
— Apenas disse o
que eu senti que deveria dizer... — Explicou. — Nem precisava ter agradecido... — Então, sua atenção se dirigiu para seu
bolso. — Droga... — Ele pegou o celular e, após um instante,
bufou... — Bem, parece
que meus dois amigos conseguiram se desgrudar... Mesmo que por pouco tempo... E
agora querem ir para outra festa que começou agora pouco...
— Outra? — Lucy pegou seu celular. — Já passou de
duas da manhã... E ela só está começando?
— A noite é uma
criança. — O rapaz
suspirou. — E meus amigos
são minha carona pra fora daqui... Então eu meio que tenho que ir com eles...
— E você tem que
ir agora mesmo? — A garota
perguntou mantendo a calma, sem parecer desesperada. — Se a festa lá só está começando...
— Infelizmente,
tenho alguns assuntos pendentes pra resolver lá. — Ele disse desanimado. — Não vai ser
divertido no começo, mas vai melhorar... Ou assim espero...
— Sei...
Lucy
abaixou a cabeça, desviando o olhar do rapaz. Desanimada, tentava aceitar que
talvez a única coisa boa daquele dia mal chegara e já partia. Já considerava
voltar para casa. Talvez fosse a melhor opção.
— Ei... — O sujeito limpou a garganta. — Você poderia vir nessa outra festa. — Ele soou um pouco animado. — Não é nada muito reservado, sabe? Deve ter
quase tanta gente lá quanto aqui... A gente poderia continuar o papo lá...
— É... — Lucy bufou, apesar de querer sorrir. — Mas, sei lá... Acho melhor não... Já está
meio tarde... E lá não vou ter ninguém que eu realmente conheça... Se você
estiver ocupado, e você vai estar pelo que eu entendi, provavelmente vou ficar
parada num canto, que nem aqui...
Ela
desviou o olhar do rapaz e coçou a nuca. Uma parte dela queria ir com o
sujeito, era verdade. Faria algo diferente, algo espontâneo, sem ter que
pensar. Porém, outra parte dela sabia dos riscos. Ela não conhecia aquele cara,
nem seu nome ela sabia ainda. Tudo podia acabar horrivelmente errado. Voltar
para casa poderia significar evitar um desastre.
— Entendo... — O rapaz tentou não soar desanimado. — Bem... Não vou te forçar a nada, Lucy.
Porém... — Ele sorriu. — Algo me diz que nos veremos de novo... Aí
nos conheceremos devidamente, certo?
Lucy
abriu a boca, mas não respondeu. Ela concordaria felizmente com a proposta do
rapaz, porém, algo a incomodou.
— Eu te contei
meu nome...? — Ela indagou.
— Ah... — O sujeito ergueu uma sobrancelha. — Não contou...? Não...?
— Eu não me
lembro de ter contado... — Ela contou um
pouco desconfiada.
— Hm... Talvez
não tenha mesmo... Mas eu achei que você tinha cara de Lucy, então... — Ele olhou para a garota que, claramente,
estava incomodada. — Enfim... Meu
nome é Alex... Se é que eu não falei. Eu falei?
— Acho que
não...
— Hm... Minha
memória não anda boa ultimamente, pelo visto... — Ele esboçou um sorriso. — Enfim... Até
mais!
Com
um aceno de mão, o garoto se despediu. Com passos rápidos, ele desapareceu no
mar de pessoas. Lucy, apesar de desconfiada, não tentou acompanhá-lo.
Havia
algo inquietante sobre Alex. Desde a primeira troca de olhares ela sentiu isso.
Porém, ainda não sabia dizer se aquilo seria algo bom ou ruim.
E
mais uma vez, ela estava no canto de uma festa que, se ela fosse embora, não
faria diferença. Porém, dessa vez, não hesitou em partir.
Lucy
estava cansada. Saiu do lugar sem se despedir dos amigos. Aliás, ainda estava
na dúvida se queria continuar saindo com eles. No momento, parecia uma perda de
tempo, entretanto, não queria tomar nenhuma decisão precipitada. Seria uma
decisão para depois.
Fora
do prédio, a garota olhou para os arredores. As ruas da cidade eram frias.
Àquela hora, pareciam quase mortas. A fraca luz amarelada dos postes não servia
de nada contra as sombras da noite. Uma massa de nuvens negras no céu cobriam o
brilho da lua e das estrelas sem dificuldade. Uma simples caminhada de duas
quadras até um ponto de ônibus parecia uma tarefa arriscada demais. Se ela
tivesse dinheiro para um táxi, gastaria sem remorso. Porém, a situação não era
essa.
Não vai demorar
nem cinco minutos. Esse era o pensamento que Lucy usava para se manter calma. Foi
algo que funcionou bem por cerca de trinta segundos. Em seguida, Alex surgiu em
seus pensamentos.
O
sorriso enigmático do rapaz parecia perturbar seus pensamentos. Algo nele era
anormal, desumano. No bom sentido, é claro. A fala dele prendeu a atenção de
Lucy, algo que alguém não conseguia fazer há tempos. Era como se a voz do
sujeito a prendesse, a deixasse curiosa para saber quando ele falaria
novamente.
Era
algo quase enlouquecedor. E igualmente sedutor.
Então,
algo fez com que Lucy voltasse a realidade: o som de um trovão.
Com
uma expressão irritada, ela olhou para o alto. Em questão de instantes, finas
gotas de água gélida começaram a verter do céu.
— Droga... — A jovem resmungou.
Ela
tentaria se manter positiva. Ela deveria estar a passos do ponto de ônibus.
Mesmo que fosse encharcada pela chuva, não teria que correr para lugar nenhum.
Talvez até chegasse seca em casa.
Porém,
não foi o que aconteceu.
Lucy
percebeu que não sabia onde estava.
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