domingo, 5 de junho de 2016

Teaser 2A

Teaser 2A


Era mais uma vez que Lucy se arrependia de ter saído de casa.
Ela devia estar relaxando, não pensando nas aulas e nas provas. Deveria estar se divertindo com seus amigos e amigas, como qualquer jovem de dezessete anos, deixando as preocupações para depois, sendo estúpida voluntariamente se isso significasse rir um pouco.
Porém, não conseguia. E não era por falta de tentar.
Tudo parecia tão chato. Todos pareciam tão patéticos. Ela só queria se esquecer daquela noite, voltar para casa o mais rápido possível e se jogar na sua cama, de volta ao seu refúgio daquele mundo.
A jovem, entretanto, sabia que aquilo não aconteceria tão cedo.
Parada sozinha na rodoviária, apoiando seus braços sobre uma mureta de concreto, Lucy esperava pelo próximo ônibus até a sua casa. Demoraria pelo menos mais uma hora até o próximo chegar devido ao horário.
Três e meia da manhã. O sol demoraria pelo menos mais três horas para nascer. E lá estava Lucy, num dos piores bairros de sua cidade, bebendo goles incessantes de uma lata de refrigerante de limão, refletindo sobre praticamente todas as decisões erradas de sua vida, desejando ter dinheiro o suficiente para um táxi ou, então, disposição para uma caminhada de mais de uma hora no meio da madrugada.
O barulho a fazia perder a linha de raciocínio. Música alta de baixa qualidade, pessoas gritando sem saber o que saiam de suas bocas, gritarias incessantes. Tudo acontecia a alguns metros dali, numa praça pública, lugar que recebia um festival popular. Ou assim chamavam aquilo.
Lá era onde Lucy estava.
A intenção era reunir jovens que se importassem com o que estava acontecendo com o país, estudantes que pretendiam entrar em grandes faculdades, cidadãos engajados com política e que queriam fazer a diferença.
Essa era a propaganda. A realidade era assustadoramente diferente.
Não que Lucy acreditasse que tudo fosse ser perfeito, mas aquilo que foi lhe foi apresentado era revoltante. Se as pessoas quisessem se reunir em algum canto da cidade para beberem, se drogarem e agirem como trogloditas, ela não era contra. Porém, chamar aquilo de um evento em prol do futuro da nação ou um encontro pela democracia era uma péssima piada. Piada da qual a garota não faria parte.
O festival não consegue agradar a todos. Uma voz grave disse, imponente.
Lucy voltou seu olhar para a sua esquerda. Lá, um homem de vinte e poucos anos sorria discretamente para ela.
O sujeito quase parecia um viking perdido nos dias de hoje. Era alto, com braços fortes, costas e ombros largos. O rosto tinha traços fortes. A barba rala e o cabelo desgrenhado eram loiros. Os olhos eram de um azul celeste penetrante. Ele estava arrumado e perfumado com uma colônia que demonstrava bom gosto. Trajava uma camisa social azul quase impecável e calças cor de grafite. Os sapatos pretos lustrosos brilhavam com certo charme.
 Lucy pensou bem antes de dizer algo para o sujeito. Afinal, ele mal parecia real. Não só pelo fato de ele ser inacreditavelmente belo, mas também porque não fazia sentido aquele homem estar ali.
Então, a curiosidade a venceu.
É... Ela olhou o sujeito no fundo dos olhos. Mas você não parece do tipo que vai num festival desses...
Deuses, não! Ele riu.
Então... Ela se afastou da mureta, deixando seu refrigerante de um lado por um instante, e cruzou os braços, ficando frente a frente com seu interlocutor. O que você faz aqui?
Eu estava no casamento de um amigo meu... O homem olhou rapidamente para o próprio corpo. O que deve explicar o que eu estou vestindo... Aliás, eu fui o padrinho dele. Grande festa. Muita comida. Todos felizes e um tanto quanto bêbados... Seu olhar foi em direção à praça e, rapidamente, voltou para o rosto de Lucy. O que me parece um pouco melhor do que aquilo ali...
Parece que sim... A garota concordou, ainda um pouco séria. E por que veio para cá?
Emprestei um pouco de dinheiro para um amigo meu pegar um táxi. Ele explicou calmo. O sujeito saiu da festa uma hora antes de mim. Acabou que eu não prestei atenção em quanto dinheiro eu tinha... Nem quanto eu emprestei exatamente... O que me deixou com... O homem levou uma mão a um bolso na calça. De lá, tirou algumas moedas e uma nota amassada. Um pouco mais que o suficiente para um ônibus. Guardou o dinheiro preguiçosamente de volta. Então caminhei por uns dez minutos até aqui.
Entendo... Lucy disse não muito animada. E por que resolveu vir conversar comigo?
Cheia de perguntas, não, senhorita? Ele sorriu.
Sou curiosa... Ela afirmou. E gosto de saber com quem eu estou conversando, saber suas intenções... Afinal, você poderia ter ido conversar com qualquer outra pessoa daqui da rodoviária...
É... O sujeito olhou ao seu redor. Haviam algumas pessoas esperando por seus ônibus também. Homens, mulheres, idosos. Pouco mais de dez delas. Uma mais estranha que a outra. Umas um tanto quanto suspeitas. Nenhuma parecia aberta a uma conversa para matar tempo. Mas você parecia ser a mais interessante... E a mais bonita também...
Eu tenho dezessete anos... Lucy retrucou, antecipando qualquer gracinha que o sujeito tentasse. Além disso, ela nunca achava sincero um elogio à beleza dela. Com uma camiseta preta de banda, calças jeans surradas, tênis velhos e o mínimo de maquiagem possível, a jovem não tentava ser bela. Claro que seus olhos verdes, lábios rosados e cabelo castanho-avermelhado tinham certo charme, mas queria que não tivessem. Acho que você devia parar...
Foi apenas um elogio. O homem disse rapidamente. Você pode aceitá-lo e dizer um simples obrigada. Além disso, beleza é subjetiva. Eu posso achar belo algo que você não ache. E vice-versa.
Hm... Lucy esboçou um sorriso. É... Obrigada... A garota disse um pouco mais confortável.
Um sorriso. Mais um vindo daquele homem que Lucy desconhecia. Porém, desta vez, ela sorriu de volta como se fosse algo natural, o que era estranho para a garota. Um pressentimento estranho a acertou. Era como se algo a dissesse que aquele sujeito viria a ser alguém importante para ela, alguém próximo. Esse tipo de pressentimento já parecia algo desconhecido da jovem.
Então... O homem voltou a falar, mantendo um tom calmo. Se você já está satisfeita com as respostas que dei... Acho que é a minha vez de te fazer algumas perguntas...
Hm... Lucy suspirou. Certo. Ela fez uma breve pausa, pensativa. Pode perguntar.
Como você veio parar aqui? Ele perguntou rapidamente.
Ah... A jovem coçou a nuca. Eu estava me perguntando isso mais cedo... Ai foi lembrando, passo a passo... Ela estendeu uma mão até a mureta, pegou o refrigerante, tomou um gole e colocou a lata de volta no lugar. Vim com alguns amigos que... Bem... Nem sei direito porque ainda sou amiga deles. Eles... Me acolheram numa época difícil pra mim, sabe...? Já saímos várias vezes, fui me enturmando com o pessoal deles... Mas...
Você nunca se sentiu como um deles... O homem arriscou um palpite.
É... Lucy respondeu sem hesitar. Eu não queria dizer que eu sou boa demais pra eles ou algo do tipo, mas fica difícil de achar outras palavras pra descrever isso. É divertido sair, quebrar a rotina, beber de vez em quando... Fazer as coisas sem planejar... É uma aventura, sabe? Uma parte minha adora eles... Todos os rapazes e as garotas da turma... Mas eles não têm foco na vida. Eles não querem saber de nada, não levam nada a sério... Mesmo quando eles falam que levam alguma coisa a sério, eles parecem não pensar direito. Ela bufou. Então, seu olhar foi na direção da praça. É que nem a droga desse evento... Todos os que estão lá... Parece uma competição pra ver quem desperdiça mais a vida... Pra ver quem vai ter o futuro mais medíocre. A garota riu com escárnio. E ainda dizem que querem um futuro melhor, que querem mudança... É estranho pensar que as pessoas que mais querem mudança são as que menos querem mudar. Elas só querem que o mundo se conforme com o jeito delas de viver, que suas visões de certo e errado sejam o padrão. É tão... Egoísta... Então, deu de ombros. Mas, no final, quem não é egoísta? Quem faz algo que não vai te beneficiar, algo que pode até te prejudicar, por vontade própria? Só sendo louco...
Lucy, então, parou de falar. Ela sentiu sede. Pensou em tomar mais um gole de seu refrigerante, porém, percebeu que seu companheiro a encarava. Não era de uma maneira assustadora, que a deixasse particularmente desconfortável. O sujeito parecia sério, perdido em seus pensamentos enquanto olhava para o rosto da jovem.
O silêncio, porém, começou a se tornar desconfortável. Lucy estava prestes a dizer alguma coisa, qualquer coisa. Entretanto, não foi necessário.
Você realmente é única. O homem disse com um sorriso estampado no rosto. Ainda melhor do que eu esperava.
Oi? Lucy indagou confusa.
Você é do tipo que tem algo a mais... Ele continuou o que mais pareciam ser uma série de elogios. Alguém que está destinado a coisas grandes... Algum com um potencial imensurável... Posso sentir nesse seu jeito... Nessa sua fala...
A jovem pensou em dizer para que o homem se calasse, para parar com aquilo. Porém, não conseguia. As palavras do sujeito eram sinceras e, principalmente, pareciam ter um propósito maior.
Você aceitaria um desafio? Ele perguntou simplesmente.
Desafio...? Ela repetiu a palavra como se não a tivesse entendido no primeiro momento. Do que você está falando...? Que tipo de desafio...?
Uma aventura. O homem respondeu. Algo digno de alguém como você...
Claro... Ela sorriu e cruzou os braços. Pode mandar.
É bem simples... Ele fez uma breve pausa. Ande.
Ande...?
É... O sujeito sorriu. Ande. Por esse bairro. Até sua casa, se preferir. Você verá que esse lugar tem coisas que passam despercebidas aos olhos de muitos... E a calma das ruas vazias a essa hora a ajudará nesse desafio. Tente e verá que é verdade.
Lucy não disse nada. Ela estava intrigada. O homem parecia sensato. Tampouco parecia um piadista. Aquilo parecia sério.
Além disso, a garota tinha um bom pressentimento sobre aquilo. Ela sentia uma energia que há tempos não sentia. Algo a dizia que aquilo seria a coisa certa a ser feita.
Um pouco arriscado... A garota comentou, disfarçando o que sentia. A esse horário, nesse bairro... Não acha?
Um desafio tem que ter uma parte desafiadora, não é? O sujeito indagou. Caso contrário, não seria um desafio...
Não tenho como argumentar contra a sua lógica... A jovem murmurou.
Então... Ele olhou a garota no fundo dos olhos. Isso é um sim para o desafio?
Hm... Lucy deu de ombros. Por que não? Acho que realmente não tenha mais nada a perder... Já devo ter cumprido a meta de tragédias dessa noite.
Gostei do entusiasmo...
Eu tento o meu melhor... A jovem pegou sua lata, porém, não bebeu nada, apenas a segurou junto de si. E você, vai esperar seu ônibus? Não vai partir numa aventura?
Eu estou bem aqui... Ele bocejou. E estou cansado... Devo estar ficando velho...
Você que sabe... Ela acenou para o homem, despedindo-se. Até mais!
Até! Ele acenou de volta. Vá com minha bênção, Lucy!
Confiante, a jovem seguiu para fora da rodoviária. Ela passou por perto da praça. Pensou em se despedir dos amigos, mas resolveu que não perderia tempo com aquilo.
Graças àquele homem, Lucy recebeu um incentivo, por mais ilógico que fosse, de seguir em uma aventura, algo que faria a noite valer a pena.
Caso se encontrasse com aquele sujeito algum outro dia, o agradeceria pela ajuda.
Lucy, então, percebeu que não havia perguntado o nome do companheiro.
Ele não havia contado.
Do mesmo jeito que ela não havia contado o dela.
De repente, o ar noturno pareceu se tornar mais gélido. Numa rua completamente deserta, Lucy podia apenas ouvir sons vindos de longe. O que eram gritos de desespero eram apenas sussurros para ela. Passos pareciam ecoar pela cidade. Vozes pareciam se aproximar enquanto ela andava cautelosamente, medindo cada passada.
O coração de Lucy batia forte em seu peito.
Porém, algo parecia guiar a jovem.

Ela ainda tinha um bom pressentimento sobre aquilo.

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