domingo, 4 de setembro de 2016

Conto de Terror 15, parte 2

Nem um segundo dentro daquela caverna e já era possível tirar uma conclusão um tanto quanto óbvia: Gabriella não deu apenas dez ou vinte passos e parou. Do jeito que ela corria, somado ao quão chapada ela estava, não acredito que ela tenha diminuído a passada.
Eu, no entanto, não correria. Sinceramente, não valia a pena. Eventualmente, a Senhorita Marijuana bateria de frente com uma parede ou tropeçaria em algo e acabaria caindo sobre o próprio rosto para amortecer a queda... Igual ao seu amigo. Assim, este que vos fala teria apenas que achar um corpo de uma adolescente estirado no chão e, com um pouco de delicadeza, arrastá-lo para fora da mina. Simples.
À minha frente, as trevas não eram absolutas. No teto de pedra, algumas irregularidades permitiam que a luz na lua entrasse na caverna, criando mais seções de penumbra do que escuridão. Eu, entretanto, achei melhor pegar o celular de meu bolso. A lanterna dele não era das melhores, mas me ajudaria durante o caminho. Preferia saber exatamente onde eu estava pisando, bem como ter noção do que estava à minha volta o tempo inteiro. Fantasmas podiam não ser reais, mas morcegos, ratos e insetos eram, e eu preferia não ser surpreendido por eles.
Passo a passo, este que vos fala seguia pela caverna, jogando flashes de luz de um canto para o outro, fazendo alguns besouros, taturanas e aranhas buscaram abrigo entre pedras ou debaixo de um cogumelo. Eu podia ouvir os sons das pequenas patas desses bichos correndo, bem como os suspiros dos ventos úmidos ao meu redor e o barulho de água corrente sob meus pés. Aquilo começou a me fazer questionar o tamanho daquele lugar.
Depois do que me pareceu serem cinco minutos de busca, achei algo, no mínimo, peculiar. Em uma parede comum, praticamente idêntica a todas as outras daquela caverna, uma máscara estava pendurada. Quando minha lanterna a revelou das sombras, tive que me aproximar.
Era... Interessante. Fora esculpida a partir de um pedaço maciço de madeira, pelo o que eu podia dizer. Havia um sorriso apresentando caninos longos como presas, como se risse, mas, ao mesmo tempo, fosse ameaçador. Nos olhos, dois buracos existiam, o que indicava que não se tratava de um simples ornamento. De resto... Haviam algumas imperfeições, é claro, já que se tratava de uma trabalho artesanal. Porém, era o tipo de item que eu gostaria de pendurar na parede do meu quarto.
Agora... Por que ela estava ali? Pendurada ali, daquele jeito, a máscara parecia ser uma espécie de amuleto, algo para trazer proteção contra um tipo de infortúnio. Talvez fosse algo que um dos antigos mineradores aprendeu com um dos nativos da região. Ou, ainda, algum indígena entrou naquela caverna e, com a máscara, esperava espantar os maus espíritos.
Eu respeito a cultura dos outros. Em alguns casos, até as admiro. Mas eu sabia separar o real do fictício. Aquela máscara não me faria acreditar que havia almas penadas ao meu redor.
A apreciação da peça artesanal me tomou alguns instantes não calculados. Apenas voltei ao mundo real quanto ouvi uma agitação atrás de mim.
Meu coração acelerou. Rapidamente, me voltei para trás, apontando meu celular na direção do som como se eu estivesse armado. Entretanto, nada vi a não ser uns morcegos de relance, voando rente ao teto da caverna por entre as pontiagudas estalactites.
Morcegos... Murmurei um pouco decepcionado.  Só... Morcegos...
Respirei fundo, acalmando-me. Passados alguns segundos, percebi o quão tolo eu parecia com meu celular, mirando a luz na lanterna como se fosse um revólver.
Droga de morcegos... Resmunguei.
Agora eu tinha certeza que aqueles bichos voadores habitavam a caverna.
Após aquele momento, as criaturas foram se tornando cada vez menos surpreendentes. Fui me acostumando com eles, com o coro de seus farfalhares e com o caos de incontáveis asas batendo. Os morcegos foram se tornando tão comuns quanto às aranhas que teciam suas teias sem se importar com minha presença.
Porém, outra coisa se tornou uma visão corriqueira: as máscaras. Cada uma era única, com seus detalhes bem esculpidos e expressões vívidas. Porém, eu cada vez menos prestava atenção nelas, cada vez depreendia uma parcela menor de meu tempo para contemplá-las. Elas, é claro, já não eram mais novidade após umas duas dezenas, tornando-se apenas parte da paisagem. Entretanto, minha inquietação tinha um outro motivo.
Eu estava sempre registrando a passagem de tempo com o meu fiel celular. De acordo com ele, vinte minutos já haviam se passado desde a minha chegada à caverna. E nenhum sinal de Gabriella.
Eu pensei em voltar, em abandonar a busca e voltar para casa. Eu nunca me importei muito com aquela maconheira ordinária. Porém... Isso me fez pensar no motivo de eu ter me candidatado tão rapidamente para essa missão.
A conclusão não era nenhuma loucura: eu simplesmente estava me divertindo.
Eu estava sozinho, longe do tédio das minhas atividades de final de semana. Eu não estava aguentando um monte de adolescentes sem conteúdo falarem sobre o supérfluo, pelo menos, não nos últimos vinte minutos. Eu estava andando eu direção ao desconhecido, tendo apenas a mim mesmo para confiar e aquilo era ótimo. Eu me sentia vivo como não me sentia há meses.
Aquela busca poderia não acabar. Aquele sentimento poderia não chegar a um fim. Foi o que desejei.
Porém, toda fantasia acaba. Eu tinha que voltar pro mundo real, ver que essa minha aventura não era tão bela. E isso não tardou a acontecer.
Eu estava andando num corredor um tanto quanto claustrofóbico. As paredes eram muito juntas, seria impossível para duas pessoas andarem por ali lado a lado. Aquilo me incomodava um pouco, porém, não tinha como me atrapalhar.
Sob a luz fraca da lua que passava por entre as frestas do teto, eu segui, sempre com meus passos cautelosos, ligeiro com minha lanterna... Até chegar a uma ramificação do caminho.
É claro que isso já havia acontecido outras vezes durante a minha pequena aventura. Porém... O caminho me atraiu. Senti um sopro de vento fresco vindo dele. A mistura de aromas de flores preencheu meus pulmões. Deveria haver uma saída da caverna ali. Poderia ser interessante dar uma olhada.
Mirei a lanterna de meu celular em direção ao trecho escuro da mina. Foi aí que vi algo brilhar.
Era algo de metal... Ou um espelho, talvez, o que era menos provável. Tudo o que eu sabia naquele momento era que alguma coisa brilhou sob a luz da minha lanterna... E eu estava um tanto quanto curioso para ver o que era.
Não devo ter dado mais de vinte passos até sentir mais uma brisa de ar fresco refrescar meu corpo. Dessa vez, porém, ela vinha logo acima de mim.
Olhei para o alto e bufei. Lá estava mais uma saída da caverna... Isso é, para quem soubesse escalar. O túnel vertical de mais de cinco metros só serviria para soprar sobre mim. Eu dei de ombros e voltei à minha nova busca.
Com mais alguns passos, eu já podia ver do que se tratava o objeto.
Balancei minha cabeça, incrédulo. Então, acelerei minha passada até pegar, no topo do que parecia ser um pedestal natural feito de pedra, uma câmera de vídeo.
Aquilo era da Gabriella. Tenho certeza. De quem mais seria? De algum minerador morto há décadas? E por que ela estava ali, naquela posição, daquele jeito? Algum poltergeist resolveu que me filmaria vindo?
Eu fiquei irritado quando percebi que tudo aquilo poderia ser uma pegadinha de uma maconheira... E que eu, de todas as pessoas, havia caído nela. Cheguei até a pensar que mais algum do grupo havia participado. Diego? Julie? Gustavo...? Não, não do jeito que ele havia caído de cara no chão... A não ser que aquilo fosse planejado. Nesse caso...
Eu parei de pensar. Trinquei meus dentes e grunhi de raiva. Peguei a câmera com um movimento brusco. Olhei para ela e percebi que ainda estava gravando.
Merda... Rosnei, esperando que os risos surgissem, caçoando de mim.
Eu parei o vídeo. Então, voltei para o começo da gravação...
Algo que eu não devia ter feito.
Lá estava ela. A máscara. Ou melhor, uma máscara. Eu não tinha visto aquela em específico... Mas não tinha como confundir com outro tipo. O rosto de madeira olhava para mim, rindo... Através da câmera, é claro.
Eu podia ver claramente dois olhos verdes pelos buracos da máscara. Olhos muito bem humanos. Olhos que caçoavam de mim. Olhos que... Não pertenciam à Gabriella.
A garota tinha olhos castanhos, não verdes... Eu tinha certeza...
Então, a pessoa no vídeo riu. Era um homem, pela risada. Lentamente, ele foi se afastando da câmera... Passo a passo... Ficando menor e menor na tela que eu segurava em minhas mãos... Revelando, aos poucos, seu tronco, seus braços, suas pernas... Até o momento do salto.
Aquilo quase não era humano. Aquele homem havia acabado de saltar contra a parede direita daquele túnel e... Começou a escalar...
Em seguida, veio um flash de luz... E, então... Eu apareci na imagem do vídeo...
Ouvi os passos logo atrás de mim... Nem tive tempo de me virar...
Ele me segurou... Senti algo suave contra minha boca... Assim como um aroma agradável entrando em minhas narinas...
Minha visão foi se tornando turva... Meu corpo foi ficando mole, fraco, frágil...

Então, com minhas trêmulas... Eu caí... E a risada soou mais uma vez... Dessa vez, logo acima de meu corpo débil enquanto meus olhos se cerravam...

Nenhum comentário:

Postar um comentário