Nem um segundo
dentro daquela caverna e já era possível tirar uma conclusão um tanto quanto
óbvia: Gabriella não deu apenas dez ou vinte passos e parou. Do jeito que ela
corria, somado ao quão chapada ela estava, não acredito que ela tenha diminuído
a passada.
Eu, no entanto,
não correria. Sinceramente, não valia a pena. Eventualmente, a Senhorita Marijuana
bateria de frente com uma parede ou tropeçaria em algo e acabaria caindo sobre
o próprio rosto para amortecer a queda... Igual ao seu amigo. Assim, este que
vos fala teria apenas que achar um corpo de uma adolescente estirado no chão e,
com um pouco de delicadeza, arrastá-lo para fora da mina. Simples.
À minha frente,
as trevas não eram absolutas. No teto de pedra, algumas irregularidades
permitiam que a luz na lua entrasse na caverna, criando mais seções de penumbra
do que escuridão. Eu, entretanto, achei melhor pegar o celular de meu bolso. A
lanterna dele não era das melhores, mas me ajudaria durante o caminho. Preferia
saber exatamente onde eu estava pisando, bem como ter noção do que estava à
minha volta o tempo inteiro. Fantasmas podiam não ser reais, mas morcegos,
ratos e insetos eram, e eu preferia não ser surpreendido por eles.
Passo a passo,
este que vos fala seguia pela caverna, jogando flashes de luz de um canto para
o outro, fazendo alguns besouros, taturanas e aranhas buscaram abrigo entre
pedras ou debaixo de um cogumelo. Eu podia ouvir os sons das pequenas patas
desses bichos correndo, bem como os suspiros dos ventos úmidos ao meu redor e o
barulho de água corrente sob meus pés. Aquilo começou a me fazer questionar o
tamanho daquele lugar.
Depois do que me
pareceu serem cinco minutos de busca, achei algo, no mínimo, peculiar. Em uma
parede comum, praticamente idêntica a todas as outras daquela caverna, uma
máscara estava pendurada. Quando minha lanterna a revelou das sombras, tive que
me aproximar.
Era...
Interessante. Fora esculpida a partir de um pedaço maciço de madeira, pelo o
que eu podia dizer. Havia um sorriso apresentando caninos longos como presas,
como se risse, mas, ao mesmo tempo, fosse ameaçador. Nos olhos, dois buracos
existiam, o que indicava que não se tratava de um simples ornamento. De
resto... Haviam algumas imperfeições, é claro, já que se tratava de uma
trabalho artesanal. Porém, era o tipo de item que eu gostaria de pendurar na
parede do meu quarto.
Agora... Por que
ela estava ali? Pendurada ali, daquele jeito, a máscara parecia ser uma espécie
de amuleto, algo para trazer proteção contra um tipo de infortúnio. Talvez
fosse algo que um dos antigos mineradores aprendeu com um dos nativos da
região. Ou, ainda, algum indígena entrou naquela caverna e, com a máscara,
esperava espantar os maus espíritos.
Eu respeito a
cultura dos outros. Em alguns casos, até as admiro. Mas eu sabia separar o real
do fictício. Aquela máscara não me faria acreditar que havia almas penadas ao
meu redor.
A apreciação da
peça artesanal me tomou alguns instantes não calculados. Apenas voltei ao mundo
real quanto ouvi uma agitação atrás de mim.
Meu coração
acelerou. Rapidamente, me voltei para trás, apontando meu celular na direção do
som como se eu estivesse armado. Entretanto, nada vi a não ser uns morcegos de
relance, voando rente ao teto da caverna por entre as pontiagudas estalactites.
— Morcegos... — Murmurei um pouco decepcionado. — Só... Morcegos...
Respirei fundo,
acalmando-me. Passados alguns segundos, percebi o quão tolo eu parecia com meu
celular, mirando a luz na lanterna como se fosse um revólver.
— Droga de morcegos... — Resmunguei.
Agora eu tinha
certeza que aqueles bichos voadores habitavam a caverna.
Após aquele
momento, as criaturas foram se tornando cada vez menos surpreendentes. Fui me
acostumando com eles, com o coro de seus farfalhares e com o caos de
incontáveis asas batendo. Os morcegos foram se tornando tão comuns quanto às
aranhas que teciam suas teias sem se importar com minha presença.
Porém, outra
coisa se tornou uma visão corriqueira: as máscaras. Cada uma era única, com
seus detalhes bem esculpidos e expressões vívidas. Porém, eu cada vez menos prestava
atenção nelas, cada vez depreendia uma parcela menor de meu tempo para
contemplá-las. Elas, é claro, já não eram mais novidade após umas duas dezenas,
tornando-se apenas parte da paisagem. Entretanto, minha inquietação tinha um
outro motivo.
Eu estava sempre
registrando a passagem de tempo com o meu fiel celular. De acordo com ele,
vinte minutos já haviam se passado desde a minha chegada à caverna. E nenhum
sinal de Gabriella.
Eu pensei em
voltar, em abandonar a busca e voltar para casa. Eu nunca me importei muito com
aquela maconheira ordinária. Porém... Isso me fez pensar no motivo de eu ter me
candidatado tão rapidamente para essa missão.
A conclusão não
era nenhuma loucura: eu simplesmente estava me divertindo.
Eu estava
sozinho, longe do tédio das minhas atividades de final de semana. Eu não estava
aguentando um monte de adolescentes sem conteúdo falarem sobre o supérfluo, pelo
menos, não nos últimos vinte minutos. Eu estava andando eu direção ao
desconhecido, tendo apenas a mim mesmo para confiar e aquilo era ótimo. Eu me
sentia vivo como não me sentia há meses.
Aquela busca
poderia não acabar. Aquele sentimento poderia não chegar a um fim. Foi o que
desejei.
Porém, toda
fantasia acaba. Eu tinha que voltar pro mundo real, ver que essa minha aventura
não era tão bela. E isso não tardou a acontecer.
Eu estava
andando num corredor um tanto quanto claustrofóbico. As paredes eram muito
juntas, seria impossível para duas pessoas andarem por ali lado a lado. Aquilo
me incomodava um pouco, porém, não tinha como me atrapalhar.
Sob a luz fraca da
lua que passava por entre as frestas do teto, eu segui, sempre com meus passos
cautelosos, ligeiro com minha lanterna... Até chegar a uma ramificação do
caminho.
É claro que isso
já havia acontecido outras vezes durante a minha pequena aventura. Porém... O
caminho me atraiu. Senti um sopro de vento fresco vindo dele. A mistura de aromas
de flores preencheu meus pulmões. Deveria haver uma saída da caverna ali.
Poderia ser interessante dar uma olhada.
Mirei a lanterna
de meu celular em direção ao trecho escuro da mina. Foi aí que vi algo brilhar.
Era algo de
metal... Ou um espelho, talvez, o que era menos provável. Tudo o que eu sabia
naquele momento era que alguma coisa brilhou sob a luz da minha lanterna... E
eu estava um tanto quanto curioso para ver o que era.
Não devo ter
dado mais de vinte passos até sentir mais uma brisa de ar fresco refrescar meu
corpo. Dessa vez, porém, ela vinha logo acima de mim.
Olhei para o
alto e bufei. Lá estava mais uma saída da caverna... Isso é, para quem soubesse
escalar. O túnel vertical de mais de cinco metros só serviria para soprar sobre
mim. Eu dei de ombros e voltei à minha nova busca.
Com mais alguns
passos, eu já podia ver do que se tratava o objeto.
Balancei minha
cabeça, incrédulo. Então, acelerei minha passada até pegar, no topo do que
parecia ser um pedestal natural feito de pedra, uma câmera de vídeo.
Aquilo era da
Gabriella. Tenho certeza. De quem mais seria? De algum minerador morto há
décadas? E por que ela estava ali, naquela posição, daquele jeito? Algum poltergeist
resolveu que me filmaria vindo?
Eu fiquei
irritado quando percebi que tudo aquilo poderia ser uma pegadinha de uma
maconheira... E que eu, de todas as pessoas, havia caído nela. Cheguei até a
pensar que mais algum do grupo havia participado. Diego? Julie? Gustavo...?
Não, não do jeito que ele havia caído de cara no chão... A não ser que aquilo
fosse planejado. Nesse caso...
Eu parei de
pensar. Trinquei meus dentes e grunhi de raiva. Peguei a câmera com um
movimento brusco. Olhei para ela e percebi que ainda estava gravando.
— Merda... —
Rosnei, esperando que os risos surgissem, caçoando de mim.
Eu parei o
vídeo. Então, voltei para o começo da gravação...
Algo que eu não
devia ter feito.
Lá estava ela. A
máscara. Ou melhor, uma máscara. Eu não tinha visto aquela em específico... Mas
não tinha como confundir com outro tipo. O rosto de madeira olhava para mim,
rindo... Através da câmera, é claro.
Eu podia ver
claramente dois olhos verdes pelos buracos da máscara. Olhos muito bem humanos.
Olhos que caçoavam de mim. Olhos que... Não pertenciam à Gabriella.
A garota tinha
olhos castanhos, não verdes... Eu tinha certeza...
Então, a pessoa
no vídeo riu. Era um homem, pela risada. Lentamente, ele foi se afastando da
câmera... Passo a passo... Ficando menor e menor na tela que eu segurava em
minhas mãos... Revelando, aos poucos, seu tronco, seus braços, suas pernas...
Até o momento do salto.
Aquilo quase não
era humano. Aquele homem havia acabado de saltar contra a parede direita
daquele túnel e... Começou a escalar...
Em seguida, veio
um flash de luz... E, então... Eu apareci na imagem do vídeo...
Ouvi os passos
logo atrás de mim... Nem tive tempo de me virar...
Ele me
segurou... Senti algo suave contra minha boca... Assim como um aroma agradável
entrando em minhas narinas...
Minha visão foi
se tornando turva... Meu corpo foi ficando mole, fraco, frágil...
Então, com
minhas trêmulas... Eu caí... E a risada soou mais uma vez... Dessa vez, logo
acima de meu corpo débil enquanto meus olhos se cerravam...
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