Aquela foi a
primeira vez que tive contato com clorofórmio... Espero nunca mais ter que
chegar perto daquilo.
Saindo de meu
estado de inconsciência, fui logo alarmado pelas minhas mais recentes memórias.
Eu tive que voltar a mim o mais rápido possível.
Abri meus olhos
com dificuldade. Lentamente, minha visão se reacostumaria com o ambiente
recheado pela penumbra. Eu mexi os dedos de minhas mãos, roçando o chão de
pedra frio com movimentos letárgicos. Em seguida, movi meus pés, estralando
meus tornozelos.
Até onde eu
sabia, não havia nada errado comigo a não ser a lentidão que logo passaria.
Este que vos fala apenas tinha que se levantar e, cautelosamente, checar onde
eu estava.
Entretanto, temo
que minha missão tenha mudado.
Havia um maníaco
naquela caverna. Alguém que havia me derrubado e, por algum motivo, me
poupado... Mas aquilo não duraria.
Eu tinha que
sair de lá o mais rápido possível. Gabriella poderia ser deixada para trás.
Entrar na mina mal assombrada foi
ideia e culpa dela. Eu não sofreria o mesmo fim que ela teria.
Minha tola
aventura havia acabado e eu tinha noção disso.
— Ora, ora... — Disse uma voz masculina seguida por uma risada grave.
Eu estava me
levantando lentamente até ouvir o que ouvi. Então, meu corpo congelou.
Voltei meu olhar
na direção de onde a voz veio, logo à minha esquerda, a uns poucos metros de
distância. Bem ali, debaixo de uma falha no teto da caverna, banhado parcialmente
pela luz pálida da lua, com o rosto escondido sob uma máscara de madeira,
estava ele.
— Despertou de seu sono de beleza? — O mascarado caçoou. — Espero que as instalações de minha
humilde residência tenham lhe proporcionado umas boas horas de sono...
Eu não consegui
responder nada. Apenas permaneci naquela posição, parado, respirando
pesadamente.
— Vou presumir que você não houveram
insatisfações... — Ele continuou. — O que é bom, sabe? Eu estava um tanto quanto inseguro...
Sou péssimo recebendo críticas. Normalmente fico bem triste... Ou bem
irritado... — O sujeito soltou um riso baixo. — Mas já que nem você e nem sua amiga reclamaram... Eu fico
feliz. Talvez eu comece a trazer mais gente para cá...
Continuei ali,
imóvel na mesma posição de antes, apenas ouvindo, sem esboçar reação, o que
aquele homem dizia.
— Não é muito falante, hein? — Ele pareceu um pouco irritado. — Tudo bem... Vou trazer alguém pra conversar com você...
O mascarado deu
um passo para trás, sumindo nas sombras por um breve instante. Então, ele
voltou, arremessando Gabriella, amordaçada e com os pulsos amarrados atrás das
costas, na minha direção.
Eu apenas
observei enquanto a garota vinha, cambaleando com passos fracos, até tropeçar e
cair a poucos centímetros de mim.
— Eu só tenho que tirar esse negócio da
boca dela... — O mascarado soltou uma risada breve. — Aí vocês podem conversar sobre o que aconteceu com vocês,
ok?
Então,
lentamente, o maníaco avançou, parecendo saborear cada passo que dava,
fantasiando com o que faria conosco a seguir, enumerando as possibilidades numa
lista mental.
À medida que ele
se aproximava, pude observar melhor meu carcereiro e, principalmente, sua vestimenta.
Feita de couro da cor da terra, adornada com ossos amarelados e penas escuras,
a roupa fazia o homem parecer um membro de alguma tribo perdida, ainda mais com
a máscara de madeira ainda escondendo sua face. Entretanto, a pele dele era
doentiamente branca, muito diferente dos nativos da região, o que me fez chegar
a conclusão que o sujeito apenas achava divertido se vestir daquele jeito ou,
então, era completamente insano, o que era deveras mais preocupante.
— Gostou das minhas roupas? — O mascarado perguntou, vendo claramente que eu o fitava
surpreso. — Eu mesmo as fiz... — Ele parou de andar, próximo a mim, e começou a fazer
diferentes poses, exibindo seu figurino de maneira um tanto quanto provocativa.
Não preciso dizer que aquela não foi uma das cenas mais agradáveis que já
presenciei, certo? — Foi um tanto quanto complicado
fazê-las... Surgiram da mistura de várias tribos que estudei nos últimos
anos... Tribos extintas, infelizmente, cujas culturas não foram completamente
perdidas. Eu poderia contar várias coisas sobre elas, dos costumes, dos
rituais, dos...
A fala dele foi
interrompida por gritos abafados. Eles eram de Gabriella, cuja situação era
pior do que eu imaginava. Além de amordaçada e parcialmente imobilizada, a
garota tinha um aspecto doentio agora. O rosto estava pálido e, apesar dos
protestos, parecia desprovida de energia. Apesar dos pés não estarem presos, a
jovem não parecia capaz de correr, se não já teria o feito.
— Você nem consegue mais ficar em pé... — O maníaco parecia entretido com a própria observação. Em
seguida, agachou-se do lado de Gabriella e aproximou seus lábios do ouvido da
jovem. — Não é mesmo, querida?
As últimas
palavras dele foram sussurros que fizeram o corpo da garota estremecer. Seus
olhos se fecharam e sua cabeça balançava da esquerda para a direita, tentando
negar as imagens que surgiram em sua mente. Eu não pude evitar sentir uma
pitada de enjoo.
— O que você fez...? — Perguntei, apesar de não querer saber a resposta.
— Eu não ia fazer nada... — O sujeito começou a se explicar. — Essa daqui nem faz muito meu tipo... Mas aí... — Ele esticou sua mão esquerda. Nela, estava a câmera de
vídeo que pertencia à Gabriella. — Eu vi isso... Ou melhor dizendo... Eu vi
os vídeos que foram gravados com isso... Vídeos dela... — Seus dedos deslizaram sobre o ombro da jovem. Ela, mais uma
vez, estremeceu. — E quando eu vi o que ela podia fazer,
meu amigo... Eu sabia que tinha que experimentar um pouco...
Com mais uma
risada grave, o homem fez a garota se encolher. Quando percebi, lágrimas
começavam a verter dos olhos de Gabriella, escorrendo pelas suas bochechas até
seu queixo.
Eu podia não
gostar dela, mas isso não significava que eu queria que aquilo acontecesse.
—Monstro... —Murmurei.
— Como você pôde fazer isso...?
— Não foi difícil. — Ele soou entediado. — Já fiz coisas bem piores. Acredite em
mim.
Aquelas palavras
foram mais que o suficiente para me irritarem e me levantarem do chão. Meu
estado de letargia havia acabado, bem como minha paciência para ficar ouvindo
aquelas falas asquerosas.
— Olha só... — Ele riu. — Criou coragem, é?
Eu não respondi.
Apenas avancei contra o desgraçado, pronto para socá-lo até quebrar aquela
máscara junto com o rosto dele.
Mas, é claro,
fui precipitado.
Eu consegui
desferir meu soco sem problemas. Entretanto, não contava que o sujeito fosse
segurar meu punho com tanta facilidade.
— Você vai ter que fazer melhor que isso,
bonitão... — Ele caçoou e, em seguida, acertou uma
joelhada em meu abdômen — Entendeu?
Meu corpo se
curvou após o golpe. Senti o ar saindo de meus pulmões enquanto eu olhava,
tonto, para o chão da caverna. Eu não pude fazer nada quando o maníaco avançou
e atacou, passando uma rasteira em mim, derrubando-me com as costas no chão.
Sem conseguir
respirar direito, eu me vi inerte, mais uma vez, observando o teto da caverna.
— Eu normalmente aconselho as pessoas a
não tentarem serem heróis, mas... — Eu levantei minha cabeça para olhar para
meu interlocutor. Impotente, vi o desgraçado puxando Gabriella pelos pulsos
amarrados, forçando-a a ficar de pé. — O seu caso é diferente, não é...?
— O quê...? — Foi
tudo o que saiu de meus lábios. Eu não sabia o que ele queria dizer com aquela
frase vaga.
— Você gosta dessa vadia, não é, Romeu? — O maníaco sacou uma faca de trás da cintura. Lentamente,
ele aproximou a lâmina prateada do rosto de Gabriella que, desesperada, fechou
os olhos enquanto soltava mais gritos abafados. —
Você quer salvá-la! Você veio até aqui por ela! Ouso dizer que seus sentimentos
por ela são... Intensos... — O desgraçado gargalhou. — Não é mesmo...?
A resposta era
não, obviamente, mas preferi não responder. Aquele psicopata estava se
divertindo como nunca e eu não participaria da brincadeira.
Eu, então,
apenas me levantei e observei a cena, pensando calmamente qual seria o meu
próximo passo.
— Não vai vir...? — Ele soou confuso. — Não vai vir salvar sua donzela em
apuros!? Não vai vir enfrentar o seu adversário!? Não vai vir matar esse
monstro!? — O maníaco gargalhou. — Grite minha querida! — Com um golpe rápido de sua faca, o
mascarado cortou a mordaça ao meio, fazendo-a cair. — Grite por seu amor! Grite para mim!
Por alguns
breves segundos, ninguém proferiu uma só palavra. Entretanto, eu não podia
descrever aquilo como um momento de
silêncio. A tensão no ar era palpável. Meu coração batia tão forte que
fazia meu peito doer. Minha mente gritava desesperada, tentando achar uma
solução para tudo aquilo.
Obviamente, seria
um equívoco considerar a falta de falas como um sinônimo de paz.
— Victor... —
Ela murmurou, o que, admito, acabou me acalmando, abrandando o caos. Lágrimas impossíveis
de se ignorar ainda escorriam pelo rosto da garota. — Por favor... Me ajuda... Vic... Eu...
Após aquelas
poucas palavras, sua voz parecia ter morrido. A jovem apenas ficou lá, na mesma
posição, chorando. E eu permaneci no mesmo lugar, imóvel, sem saber o que fazer.
Eu nunca me
importei com a Gabriella. Eu sequer a respeitava. Mas algo dentro de mim queria
ajudá-la, algo dentro de mim sabia que eu precisava fazer alguma coisa. Mas o
quê? Como eu poderia salvá-la? O desgraçado que a segurava conseguia me
derrotar sem dificuldade, mesmo desarmado. Foi por isso que ele me deixou
solto, sem nem sequer me algemar ou algo do gênero... Para aquele filho da
puta, eu era completamente inofensivo.
— Espere um pouco... — O maníaco disse com um tom pensativo. — Chegue mais perto...
Era óbvio que
ele estava falando comigo, mas eu temia seguir a ordem.
— Você mesmo... — O mascarado apontou com a faca na minha direção. — Venha... Sem timidez...
Eu hesitei por
mais um momento, ouvindo nada a não ser o choro de Gabriella. No final, porém,
respirei fundo e obedeci.
Com uns poucos
passos curtos, segui até estar ao alcance de uma facada.
— Ótimo. —
O sujeito soou satisfeito. — Agora... Fique parado...
Ele manteve a
faca próxima do pescoço da refém. Para mim, apenas lançou um olhar fixo na
direção dos meus olhos.
Se aquilo fosse
uma disputa para ver quem piscava primeiro, eu teria sido humilhado. Não devia
ter passado nem dez segundos e, após piscar, desviei meu olhar dos olhos frios
do maníaco.
— Você está com medo... — Ele afirmou. — Algo completamente natural. Porém... — O sujeito olhou para a fragilizada Gabriella. — Você não se importa com essa daqui, não é mesmo?
Eu olhei para o
mascarado, querendo perguntar como ele sabia daquilo, mas não precisei.
— Seus olhos não mentem, querido. — O desgraçado gargalhou. —
Você não sente nada por esse traste aqui... Mas sente algo por outra pessoa...
Não falei nada.
Apenas fiquei ali, parado, ouvindo, querendo saber até onde ele chegaria.
— Só me resta saber quem... — Seu olhar passeou pelo rosto de Gabriella que não mais
chorava. A garota parecia completamente paralisada de medo. Talvez ela
pressentisse o pior. — Hm... Você é hétero, não é? Não precisa
responder. Meu gaydar não falha... — Inquieto, o maníaco começou a rodar o cabo da faca por
entre os dedos. — É... Tenho quase certeza que você é hétero...
Então, basta sabermos quem é a sua garota especial... — Ele soltou uma risada grave. —
Ah... Talvez devêssemos perguntar àquela garota que tava lá fora, sabe? A
bonitinha que tava junta de um magricela...
Julie...
Meu coração
disparou. Se aquele demônio colocasse as mãos nela, eu não o perdoaria... E
também não me perdoaria por permitir que aquilo acontecesse.
Por um instante,
temi profundamente a mera ideia de deixar Julie sofrer. Senti mais medo pela
vida dela do que pela minha própria. E meus olhos delataram isso.
— Hm... —
O maníaco gargalhou. — Isso era tudo que eu precisava saber... — Seu olhar foi, em seguida, para Gabriella. — Não preciso mais de você, amor. Mas não se preocupe... — A lâmina de sua faca se aproximou do pescoço da jovem. — A nossa diversão continua mais tarde...
Foi tudo tão
rápido. Com um movimento de seu braço, o maníaco fez um único e preciso corte
na garganta de Gabriella, fazendo o sangue jorrar em minha direção.
Ainda mais
impotente, eu observei a garota cair débil de joelhos no chão. Com as mãos
presas atrás das costas, ela nem pôde tentar conter inutilmente o sangramento.
Gabriella apenas olhou para mim, movendo os lábios sem dizer nada, assistindo
seu sangue tingir minhas roupas de vermelho em seus últimos instante de vida.
Quando suas
costas finalmente acertaram o chão, eu era quem estava de joelhos, sem
conseguir fazer nada
— Eu já volto... — Disse o mascarado. — Vou trazer mais alguém pra festa... Comporte-se,
ok?
Naquele
instante, demorei para entender as palavras. Minha atenção estava voltada para
Gabriella e, principalmente, para a poça de sangue que se formava ao seu redor.
Quando eu entendi o que eu maníaco pretendia, saí de meu transe, voltando meus
olhos para o punho que vinha contra a minha face.
Então, mais uma
vez, tudo escureceu.
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