Outrage
Ultraje
Três dias depois...
—
Tristan? — Nidhogg o
chamou.
O deus havia acabado de entrar no local de treinamento do
guerreiro das Trevas. O lugar era um grande salão circular. Tanto as paredes
quanto o teto e o piso eram compostos por tijolos cinzentos. Tochas acessas com
chamas púrpuras iluminavam o local. O único acesso ao salão era um portão feito
de ônix ornado com ônix. Centenas de armaduras negras estavam destruídas no
chão, derretidas ou, simplesmente, destroçadas ou retalhadas. Dezenas de marcas
negras de queimado estavam espalhadas por todas as superfícies do local. No
centro da sala, Tristan estava imóvel. O guerreiro estava envolvido por sua
aura escarlate. Em sua mão direita, estava sua espada. Na esquerda, o elmo
derretido de uma das armaduras. A expressão de Tristan era sombria.
—
Tristan... — Nidhogg
o chamou novamente. Dessa vez, entretanto, sua voz era mais tranquilizadora,
quase zelosa. — Creio
que você já treinou o suficiente.
—
Não. — O guerreiro
respondeu friamente. —
Eu não sei o quão poderoso Maximillian se tornou. Eu não vou enfrentá-lo
estando despreparado.
—
Bem...você acabou de dizer que você não sabe o quão grandioso o poder dele é.
Nesse caso, você já pode ser mais poderoso do que ele. Sendo assim, você já
pode parar de treinar.
—
Não. Caso eu realmente seja mais forte que ele, eu vencerei. Isso é óbvio.
Também é óbvio que, quanto mais poderoso eu seja em relação à Maximillian, mais
rapidamente a batalha terminará.
—
Certo... — Nidhogg
bufou. — E você quer
que eu acredite que todo esse treinamento é apenas para você se fortalecer?
—
Sim. Por quê? Você crê que existe outro motivo?
—
Eu tenho certeza que sim.
—
Que seria...?
—
Não finja ser idiota, Tristan. Essa é provavelmente a única coisa pior do que
ser verdadeiramente um idiota.
Apesar de ainda olhar para o chão, um leve sorriso era
visível no rosto de Tristan.
—
Você não vai dizer nada? —
Nidhogg ergueu uma sobrancelha. —
Vai agir como se o que tivesse acontecido não tivesse te afetado?
—
Não é tão simples assim... —
Tristan murmurou.
—
Por quê?
—
Por que eu...eu... —
Ele respirou fundo. —
Eu achei que eu havia me decidido... —
Tristan olhou diretamente nos olhos do Lorde das Trevas. O rosto de guerreiro
estava extremamente pálido. Seus olhos estavam sem brilho. Apenas as íris
estavam vermelhas. —
Mas recentemente...
Tristan parou de falar e voltar a o olhar para baixo. Os
punhos do guerreiro estavam cerrados. Nidhogg suspirou.
—
Isolde, não é? — O
Lorde das Trevas perguntou calmamente.
—
Sim... — Tristan
respondeu praticamente sussurrando.
—
Algo o lembrou dela. O carinho que ela sentia por você. O amor verdadeiro
compartilhado por vocês...
—
Sim...
—
Após isso acontecer...você voltou a ter dúvidas sobre você e a Lilith juntos.
Você começou a se sentir culpado por não retribuir o amor que ela sentia por
você. Você estava em conflito. Você não
precisava de mais nenhum problema para te atormentar. Quando a Lilith morreu
diante de seus olhos...você surtou. Principalmente por que você não havia se
decidido ainda...e, também, por que você não havia conseguido ser sincero com a
Lilith. Você não teve a oportunidade de conversar com ela sobre...bem, tudo o
que estava acontecendo.
Tristan riu.
—
Nossa...você é bom nisso. —
Ele admitiu. — Os
problemas dos outros...parecem tão triviais quando você os fala assim.
De repente, Tristan rugiu e socou o chão com a mão
direita, permanecendo agachado. Rapidamente, ele levou a mão esquerda ao rosto
e o cobriu.
—
Eu já tevi em momentos ruins, Tristan. — Nidhogg disse
zelosamente. — Eu
estava com você quando Isolde faleceu. Eu estava lá quando você mais precisava
de alguém. Eu te prometi que eu a traria de volta, caso você trabalhasse para
mim. Eu mantenho a minha promessa. Eu ainda a posso cumprir.
Lentamente, Tristan tirou a mão da frente do próprio
rosto.
—
É...verdade... — Ele
murmurou.
Calmamente, Tristan se levantou e olhou para frente.
Lágrimas escorriam de seu rosto. Ele respirou fundo.
—
Mas...eu ainda tenho que me decidir... —
Disse o guerreiro. —
Lilith e Isolde. Eu ainda tenho que escolher qual delas...
—
Não. — Nidhogg o
interrompeu. —
Infelizmente, ou, talvez, felizmente...você não pode escolher.
—
Eu...não posso... —
Tristan arqueou uma sobrancelha. —
Como assim?
—
Eu não posso trazer a Lilith de volta.
—
O...o quê?
—
Eu lamento.
—
Mas...por quê?
—
Eu preciso da alma dela para trazê-la de volta. —
Ele suspirou. — E,
infelizmente, eu não sinto a alma dela.
—
A...alma dela...
“Queime. Até a alma...”.
—
Foi...o que aquele cretino disse. —
Tristan suspirou. —
As chamas dele...realmente...
—
Queimaram a alma de Lilith. —
Nidhogg completou. —
Bem...eu suponho que é possível. Um seguidor do Deus do Fogo...poderoso o
suficiente...sim, sem dúvidas, ele poderia ter feito isso...
—
Pyromane... — O
guerreiro das Trevas cerrou os punhos.
—
Tristan... — O Lorde
pousou sua mão esquerda no ombro direito de seu Escolhido. — Não se preocupe com isso
agora. Você está se envenenando.
—
Envenenando?
—
Sim. Com seus próprios pensamentos. Você está matando a sua própria mente com
tudo isso. Tristeza. Raiva. Remorso. Ódio. Isso está fazendo mal a você, mesmo
que você não perceba. Caso continue assim, até o seu próprio corpo sentirá os
efeitos. — Ele
respirou fundo. —
Você está ainda pior do que antes de você de você conhecer a Lilith. Por mais
frio que você fosse, por mais que você negasse os seus sentimentos...você nunca
chegou a esse ponto.
—
Então...eu estou mais fraco agora?
—
Momentaneamente...sim. E é exatamente por isso que você deve parar de se
preocupar com tudo...pelo menos, por enquanto.
—
Como se fosse fácil...
—
Eu não disse que seria. Sozinho, então, será praticamente impossível. É por
isso que você tem que sair daqui. Aproveite a companhia de seus amigos de
verdade. Shadowing e Astaroth se importam muito com você. Sorrow ainda está se
recuperando, mas, quando ele estiver bem, tenho certeza que ele lhe agradecerá
por tudo e ficará do seu lado. Além deles, há milhares de seres das Trevas que
o admiram. Se você preferir, faça uma missão. De preferência, acompanhado com
alguém. Você pode se esquecer dos seus problemas se tiver outras coisas para
ocupar a sua mente...como não morrer no campo de batalha.
Tristan sorriu.
—
É...tenho certeza que sim. —
O guerreiro suspirou. A expressão no rosto dele se tornou serena e, em uma
fração de segundos, tornou-se confusa. —
Nossa...como eu cheguei a esse estado?
—
Várias coisas ruins acontecendo ao mesmo tempo. —
Nidhogg respondeu calmamente. —
Não se preocupe. Isso acontece com todos os mortais.
—
E não com os deuses?
—
Bem...de vez em quando. Mas é raro.
—
Certo... — Tristan
respirou fundo. —
Maximillian ainda não mandou o mensageiro dele, mas a nossa aliança com a Luz
acabou. Creio que nossas brigas intermináveis com Leviathan voltarão.
—
Espero que sim. — O
Lorde das Trevas sorriu. —
Sinto falta de vocês matando os seguidores deles.
Tristan riu.
—
Sim...saudades disso... —
Tristan coçou a nuca. —
Falando nisso...a investida deles contra a Chimaera...como foi?
—
Não tão bem, pelo o que eu soube. —
O Lorde das Trevas não conseguiu conter um sorriso. — Eles conseguiram invadir a base e matar
praticamente todos os que estavam lá, mas...os líderes da Chimaera eram bem
poderosos.
—
Bem...eu me lembro que a luta contra o Overtrederen não foi nem um pouco fácil.
Se não fosse pelo Leviathan...eu teria morrido.
—
É... — Nidhogg riu. — O Lorde da Luz salvando a
vida do Escolhido do Lorde das Trevas. Ainda é uma boa piada. —Ele suspirou. — Mas...enfim...o grande
problema foram os outros líderes. O chefe de todos nem estava lá, mas...talvez
tenha sido melhor assim para as forças da Luz.
—
Então...dois seguidores de deuses pagãos foram um problema tão grave assim?
—
Não eram meros seguidores. —
Nidhogg abriu um sorriso largo. —
Esse homem e essa mulher...eram Escolhidos.
A surpresa expressa no rosto de Tristan era nítida.
—
Escolhidos... — Ele
murmurou. — De quem?
—
O homem era Escolhido do Deus do Sangue. —
Nidhogg disse. — E, a
mulher, do Deus dos Animais. Eles conseguem manipular os respectivos atributos
com maestria. A mulher convocou um exército de animais para a batalha. O homem
usava o sangue daqueles que morriam como armas.
—
Impressionante.
—
Sim. E, no final de tudo, os dois conseguiram fugir.
—
Eu imagino a frustração estampada no rosto de Gabriel.
—
No meu caso, é com o Leviathan.
Os dois riram. O rosto de Tristan estava, agora, de volta
à cor normal.
—
Bem...eu vou ver agora se tem alguém disponível para uma parceria em uma
missão. — O guerreiro
disse. — Ou
simplesmente beber com o Shadowing e o Astaroth.
—
É...talvez seja uma boa alternativa para se esquecer dos problemas. — O deus sorriu.
—
Sim... — Tristan
estendeu a mão para Nidhogg. —
Obrigado. Por tudo.
O Lorde das Trevas sorriu. Com um aperto de mão, os dois
se despediram. Tristan se transformou em trevas e deixou a sala.
“Shadowing deve estar cuidando do Sorrow. Espero que ele
ainda esteja lá...”.
Rapidamente, o guerreiro das Trevas chegou ao quarto de
Sorrow. Ambos Shadowing e Astaroth estavam no local.
—
Ótimo. — Tristan
sorriu. — Achei
vocês.
—
Tristan... —
Shadowing murmurou.
—
Você...está bem? —
Astaroth perguntou com um tom de voz quase doce.
—
Sim. — O guerreiro
respondeu. — Não se
preocupem com isso. Nidhogg me ajudou mais do que eu esperava.
—
Bem...que bom. —
Astaroth disse em um tom de voz mais alegre.
—
Então...você só veio nos avisar que você está melhor? — Shadowing indagou.
—
Não. — Respondeu
Tristan. — Não é o
único motivo. — Ele
sorriu. — Eu estava
pensando de nós sairmos em uma missão. Lutar contra alguns seguidores da Luz.
Respirar um pouco de ar fresco. Esse tipo de coisa.
Shadowing e Astaroth sorriram.
—
Claro. — O Demônio
encapuzado afirmou. —
Mas...hoje não, você diz, certo?
—
Ele está cuidando do Sorrow. —
Astaroth disse. — Eu
só estou acompanhando, mas, depois, estávamos pensando em visitar um bar novo
que foi inaugurado ontem. Fica em uma vila há alguns poucos quilômetros daqui. — Ele sorriu. — Se quiser se juntar a
nós, sem problemas.
Tristan abriu um sorriso largo.
—
Eu não consigo pensar em nada melhor. —
Ele disse. Em seguida, ele olhou para Sorrow. —
Ele...está melhorando?
—
Sim. — Respondeu
Shadowing. — Aos
poucos. Pelo menos, eu não sou o único cuidando dele agora. Daqui a pouco,
outra pessoa aparece para cuidar dele. —
Ele suspirou. —
Bem...eu devo agradecer ao Nidhogg por isso. A decisão foi dele de me mandar
ajuda.
“Nidhogg...”
Tristan sorriu.
“Você realmente tem um coração mole, Lorde das
Trevas...”.
—
Bem... — O guerreiro
suspirou. — Então, eu
vou esperar com vocês agora.
—
Depois, vamos para o bar. —
Acrescentou Astaroth
—
E, amanhã, teremos uma missão para cumprir. —
Disse Shadowing.
Os três amigos sorriram. De repente, uma batida soou na
porta do quarto.
—
Presumo que já possamos sair. —
Disse Tristan.
—
Talvez. — Shadowing
andou até a porta e a abriu. —
Não...
—
Saia logo do caminho, moleque! —
A voz de uma senhora ordenou.
Tristan arregalou os olhos.
“Não!”
Shadowing saiu da frente da porta. Maeve entrou na sala.
—
Quem é que eu tenho que tratar!? —
A senhora resmungou.
Tristan olhou para o lado. Astaroth já havia
desaparecido. Sorrow estava deitado imóvel na cama.
“Pobre garoto...”.
Tristan se voltou para frente. Shadowing havia acabado de
sair da sala voando por cima de Maeve.
“Agüente firme, Sorrow...”.
Antes que Maeve pudesse abrir a boca de novo, Tristan se
transformou em trevas e deixou o quarto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário