domingo, 30 de agosto de 2015

Conto 11 - Parte 2 (Final)

Um nome e uma imagem me vieram à cabeça.
Lembrou-se, hein? Ele falou aquilo como se pudesse ler meus pensamentos.
Sim... Lembrei-me. Levei um mão até minha cabeça que, agora, latejava de dor.
E então?
Eu deveria sentir alguma coisa? Perguntei o mais friamente que consegui.
Claro que sim! Você nunca se sentiu assim por ninguém...
Mas ela me abandonou no final! Eu disse rispidamente.
E você resolveu esquecer todos os bons momentos que você passou com ela? É isso?
Você nunca entenderia...
E como você pode saber disso?
Porque você não viveu a minha vida!
Claro, claro... Ele suspirou. E por que sua vida foi tão trágica assim?
Por que ninguém nunca me entenderia... Eu respirei fundo. Não é o tipo de vida sofrida que as pessoas imaginem...
Então, por favor, conte-me como foi a sua vida.
Bem... Desde que eu me lembro, eu estava cercado de pessoas com altas expectativas sobre mim. Minha família me criou para eu ser inteligente, educado, bem em forma... Qualquer coisa que me ajudasse a subir na sociedade, tornar-me rico e, consequentemente, levar o resto deles junto comigo... Percebi que, rapidamente, as minhas memórias iam voltando e, sem pensar, eu já as dizia. Ah... Resumindo, eles nunca me importaram com a minha felicidade. Nem minha família, nem meus amigos...
ela que sim, não é?
Assim eu achava...
Ele te fez te sentir bem, não é? O sujeito me perguntou calmamente. Feliz, como quando você era uma simples e ingênua criança.
Eu assenti.
Foi o sorriso dela, não?
Eu arregalei os olhos.
Você se sentiu apaixonado pela primeira e única vez naquele dia, não é?
É... Admiti. Pela primeira vez em anos, eu não estava cercado de sorrisos sem rostos... Ou olhos que não olhavam diretamente para mim.
Você ainda se lembra daquele primeiro encontro, não é?
Claro que sim. As memórias apareciam vívidas em minha mente. Fazia anos que eu não ficava nervoso, abobado. Eu não consegui conter um sorriso. Ela era linda. Cada vez que ela sorria, ela parecia ainda mais linda.
E o beijo?
Olha... Pensei. Depois de tanto tempo, ainda não tenho palavras para descrevê-lo. Mas tenho certeza que aquele foi o momento em que eu fiquei mais...
Abobado? Ele disse animado.
É. Concordei sorrindo.
E quando você chegou em casa...?
Eu não conseguia parar de pensar nela.
Deixe-me arriscar um palpite: Você foi dormir pensando nela, sonhou com ela e, então, acordou pensando nela?
Não consegui responder com palavras. Então, sorri e assenti.
Você não é a primeira pessoa no mundo a ficar apaixonada. Ele disse em tom surpreendentemente alegre. Tenha certeza disso.
Suponho que sim. Sorri alegremente e, em questão de segundos, eu já estava perdido em meus pensamentos sobre ela, claro. Infelizmente, coisas que eu não queria pensar vieram até mim. Mas...
Mas o quê?
Ela me deixou...
E qual foi o motivo disso?
A carreira dela. Respondi secamente. Ela me disse que não conseguiria conciliar as duas coisas. E, sem pensar muito no assunto, ela me deixou de lado.
E você não acha que ela tinha motivos para isso?
Bem, talvez... Mas...
Você não acha que aquela era a escolha mais segura, mais de acordo com a realidade dela?
Ah... Parei um pouco para pensar a respeito daquilo. Bem, talvez, mas...
E, principalmente, você não acha que ela pode ter se arrependido da escolha dela?
Agora eu teria que parar para pensar bem naquilo.
Eu não sabia quanto tempo havia se passado. Aliás, eu não sabia se aquilo realmente importava. Afinal, até onde eu sabia, eu estava no inferno.
Talvez ela tenha se arrependido da escolha dela... Disse enfim.
Porém...? Ele indagou como se já soubesse que eu tinha mais algo a dizer.
Porém... Foi como eu disse antes. Minhas palavras soaram mais frias naquele momento. Ela praticamente não hesitou com aquela decisão. Foi como se eu não significasse nada para ela...
Pare de ser tão dramático.
Aquelas palavras me irritaram mais do que eu imaginava.
Trinquei os dentes e cerrei meus os punhos. Eu tinha certeza que eu partiria para cima do sujeito a minha frente.
Entretanto, ele tinha mais o que dizer:
Nada o que realmente vale a pena na vida é tão fácil, sabia?
Eu me acalmei ao ouvir aquilo. Afinal, eu realmente acreditava naquilo. Porém, era difícil de seguir aquela ideia na maior parte das vezes.
Aquele pensamento foi o que me fez viver até o dia em que eu conheci a mulher por quem eu me apaixonei.
Mesmo assim... Suspirei. Agora, sem ela, não vejo mais motivo para viver. E foi assim que eu resolvi me matar.
Então você viveu, pelo menos, boa parte de sua vida de maneira errada. Disse ele. Não que existia uma maneira realmente certa de se viver. Entretanto, você poderia ter evitado muitas infelicidades.
Como...?
Importando-se mais com você mesmo. Afinal, apenas você sabe como se sente e, no fim, só você mesmo sabe como ser realmente feliz.
E você acha que eu me importo tanto assim com a opinião dos outros?
Sim. Estou certo disso.
E como você pode ter tanta certeza disso?
Ora... É bem óbvio. Tenho certeza que ele estava sorrindo por baixo da máscara naquele momento. Você sempre se sentiu infeliz por causa do que os outros pensavam de você. Ninguém se importava com o que você realmente pensava ou sentia. Por isso, você se juntou aos outros. Você começou a não se importar com você mesmo. O sujeito fez uma breve pausa. Mas tudo mudou quando você a conheceu, não? Afinal, alguém se importava com você agora...
Uma tempestade de pensamentos me atingiu. Eu respirei fundo. Exalei rapidamente em seguida, exasperado.
Se tinha alguém que estava me irritando, era eu mesmo.
Como eu podia ter sido tão burro e inconsequente? Depois que eu havia, enfim, me apaixonado por alguém e, finalmente, voltado a ser feliz...resolvi desistir de viver por causa de uma breve fase infortuna. As coisas não iam conforme o imaginado. Mas não era sempre assim? Mesmo quando o inesperado acontecia, eu conseguia sorrir quando o meu amor estava comigo. Talvez tudo o que ela havia feito fora me mostrar que eu poderia superar obstáculos por conta própria. Talvez eu devesse ter sido grato pelo tempo que passamos juntos e seguir em frente.
De repente, ouvi uma comoção não muito longe.
As vozes, que não passavam de murmúrios ininteligíveis, vinham da costa.
As pessoas sem rosto se agitavam enquanto o barqueiro vinha de dentro do mar de lava.
Eu olhei impressionado enquanto a gigantesca embarcação de madeira, completamente intacta,  chegava mais e mais perto de mim.
Junto ao timão, estava uma figura como o sujeito com quem eu conversava, com uma diferença: eu não sentia pavor ao olhar para o homem a minha frente.
Não está tão certo quanto à morte agora, não é? O homem mascarado indagou praticamente rindo.
Eu quis gritar com ele, mas uma dor aguda me atingiu. Pateticamente, eu caí de joelhos. Tudo o que eu pude fazer foi emitir um grunhido.
Ora... Parece que você vai perder o seu rosto... O sujeito disse calmamente. Bem como sua própria força de vontade...
Eu queria gritar mais alto do que nunca. Porém, novamente, só soltei um grunhido.
Bem, antes que você não possa mais entender as minhas palavras... Ele continuou falando no mesmo tom. Tenho que te contar sobre os nossos amigos sem expressão. Minha visão estava ficando turva, porém, pude vê-lo apontando na direção de onde eles estavam. Eles realmente não tinham mais razão para viver. Por isso que chegaram aqui sem rosto. Entretanto...você é um caso a parte. E você sabe o porquê.
Claro que eu sabia.
Era tão óbvio.
Afinal, aquilo não tinha que acabar.
Eu não preciso desistir dela. Eu consegui dizer enquanto de levantava lentamente. Afinal, eu não preciso dela. Mas eu quero que ela esteja ao meu lado.
Rapidamente, senti a dor em meu corpo se dissipar.
Ora... O sujeito riu. Imagino que você não vai ir a bordo daquele navio, não é?
Olhei para a costa novamente. Vi dezenas de escadas de corda na lateral do navio. Os sem rosto subiam por elas lentamente, porém, sem hesitar.
Se depender de mim... Sorri. Eu prefiro voltar para ela.
Isso é ótimo! O homem parecia realmente aminado.
Mas... Só um problema...
Diga.
Como eu faço para voltar?
Você tem que esperar...
Esperar pelo quê?
O sujeito não respondeu. Eu senti meu corpo tremer como se eu levasse um choque. Não consegui gritar. Ele riu baixo e disse:
Bem... Estão te chamando de volta. Foi ótimo conhecê-lo, amigo. Aproveite a sua segunda chance.
Sem aviso, uma forte luz branca brilhou forte contra os meus olhos.
Quando percebi, já não estava mais naquele inferno.
Eu estava agora deitado em uma cama gelada numa sala branca. Uma máscara me ajudava a respirar. Uma máquina verificava minha freqüência cardíaca. Soro era injetado em minhas veias.
Ao meu lado, estava a médica responsável por mim. Ela segurava a minha mão com ternura.
Eu conhecia aqueles belos cabelos. Conhecia aqueles olhos brilhantes que agora choravam. Conhecia aquele sorriso inesquecível mesmo por de baixo daquela máscara.

Afinal, era ela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário