1.
Uriel Corvi Allard
Saint Paul, ano de 2015. Atualmente, uma das maiores e
mais ricas cidades do mundo.
Lar da glamorosa sociedade alienada aos problemas do
resto do planeta, paraíso para a elite que sentia repulsa dos super humanos,
santuário da ignorância. Esses são alguns dos títulos que poderiam ser dados ao
lugar.
As guerras intermináveis que ocorriam no mundo eram
vistos pelos cidadãos apenas por meio das notícias. Todos comentavam sobre o
que viam em jornais, televisões e sites como se falassem de um mundo fictício e
distante.
A caça às bruxas realizada contra super humanos na cidade
era implacável. Super heróis ou super vilões, não importava, todas as chamadas “aberrações”
seriam mortas. E a população apoiava tais decisões.
Era fácil discorrer sobre a riqueza da cidade. Cada
família tinha um grande empreendimento que praticamente os poupava de
trabalhar. Isso sem contar aqueles que não eram renomados médicos, engenheiros
ou professores.
Entretanto, os arredores da metrópole eram caóticos.
Cidades pobres, única opção para algumas pessoas humildes
e covis de muitos criminosos, eram exploradas pela chamada utopia.
As grandes empresas dos cidadãos ricos de Saint Paul se
localizavam, em sua grande maioria, nos arredores da metrópole. Os cidadãos humildes
dessas cidades carentes tinham empregos praticamente garantidos nesses lugares.
Entretanto, sobreviver era uma tarefa árdua.
Saint Paul controlava exatamente quanto os cidadãos
pobres receberiam de salário e, também, quanto eles gastariam para viver cada
mês.
Mas é claro que haviam fatores que não eram considerados,
como o número de filhos por família e a criminalidade da região, afinal, muitos
decidiram que era mais fácil atacar pessoas mais fracas para sobreviverem do
que trabalharem honestamente. Não era a primeira e não seria a última vez que
tal pensamento se popularizaria dentro da raça humana.
Porém, esses lugares não eram completamente sem lei. A
força policial local era fraca e despreparada, além de receber um salário
patético, o que não os fazia querer se arriscar muito, na maioria dos casos,
contra os bandidos locais. Entretanto, Saint Paul sabia que os criminosos
dessas cidades poderiam lhe causar mal. Era aí que apareciam suas Forças
Especiais.
Soldados treinados e fortemente armados rondavam, de
tempos em tempos, as cidades pobres. Lutar contra o crime, porém, não era sua
prioridade. Cobrar impostos e caçar super humanos era algo muito mais
importante para a “utopia”.
Sim, super humanos se escondiam nesses buracos como
bandidos. Era a única alternativa deles.
Aliás, um caso interessante que eu deveria contar é sobre
a cidade que se localiza abaixo de Saint Paul.
O local ficou conhecido apenas como o Subsolo.
Antigamente, fazia parte da metrópole. Porém, com o surgimento dos super
humanos visto como uma praga, essa região da cidade foi isolada do resto.
Mas é claro que aquele não era o único motivo.
Afinal, aquela era uma oportunidade de ouro para Saint
Paul se livrar de sua população pobre.
Agora, o Subsolo não era diferente do resto das cidades
ao redor da metrópole.
E é assim que eu começo a contar sobre Amber Cox e Dante Geier.
O casal de jovens, que moraram a vida inteira no Subsolo,
não estava nem um pouco satisfeito com a situação que eles, seus amigos e
familiares enfrentavam todos os dias.
“Se ao menos tivéssemos dinheiro, tudo isso poderia
mudar. Pra melhor...”.
Era assim que eles, e praticamente todos os outros do
Subsolo, pensavam.
Porém, nem todos tinham os dons daquele casal.
Amber tinha um metro e sessenta e cinco de altura. Seus
cabelos castanhos claros haviam sido tingidos de vermelho escuro, claramente
não ruivo, e estavam presos em um rabo de cavalo. Sua pele era clara. A garota
tinha algumas sardas nas bochechas. Seus olhos cor de mel pareciam dourados sob
a luz do sol forte. Ela usava uma jaqueta preta de couro, uma camisa rosa por
baixo, calças jeans azuis escuras rasgadas nos joelhos e botas pretas. Um
piercing prateado era bem visível atravessando o septo de seu nariz. Seu rosto
era bonito, mas, de acordo com o que o namorado via, passava despercebido ao
ser comparado com suas curvas.
Essa era Amber Cox, especialista em controlar chamas.
Quanto a Dante, ele era bem mais alto, cerca de vinte
centímetros a mais em relação à namorada. Seus cabelos desgrenhados, outrora
quase negros, eram amarelos agora e, além disso, eram cobertos por uma toca
vermelho escuro. Os olhos eram de um azul escuro estonteante. A pele dele era
um pouco mais escura do que a de Amber. Uma pequena cicatriz podia ser vista
entre o lábio e o queixo. Sob o casaco cinza, ele vestia uma camisa preta com a
estampa de uma banda de Death Metal. Os jeans escuros estavam desbotados,
porém, não estavam rasgados. Seus coturnos pretos estavam sujos de terra. Seu corpo
era magro, porém, seus músculos eram bem definidos, do jeito que Amber gostava.
Esse era Dante Geier, auto intitulado mestre da
eletricidade.
No geral, eles eram apenas mais um casal de dezoito anos.
Rebeldes, querendo reclamar sobre tudo e todos, despreocupados com o futuro,
querendo aproveitar o agora junto de alguém que agisse mais do que pensasse.
Mas a vida sofrida no Subsolo, somada aos poderes que
eles desenvolveram com o tempo, faziam com que eles fossem ainda mais inconsequentes
do que os outros jovens.
Assim, com a chegada da noite, os dois entraram
sorrateiramente em Saint Paul e, após alguns minutos, roubaram uma joalheria.
Aquele era o tipo
de dinheiro que o sustentaria por muito tempo após venderem as jóias. Ajudar
suas famílias e amigos também seria possível. Por isso, eles acreditaram que
valia a pena se arriscar.
Após atacaram o
estabelecimento e encherem os bolsos e duas malas pretas com o máximo de jóias
que eles puderam, eles correram para fora da cidade. Eles sabiam que não seria
uma tarefa fácil. E também não sabiam que estavam sendo observados.
Lançar raios e bolas de fogo
contra policiais parecia covardia. E era por isso mesmo que eles tentavam não
pensar muito naquilo.
As Forças Especiais se
mostravam como um desafio. Assim, eles evitavam o confronto quando possível.
Transformar-se em chamas e
eletricidade para atravessar o ar rapidamente era apenas mais uma vantagem do
casal. Além disso, desviar de tiros era muito mais fácil nessa forma.
A adrenalina tomava conta do
corpo dos dois. Várias vezes eles foram quase mortos. E a cada vez que isso
acontecia, eles corriam mais rapidamente.
O casal já tinha planejado algumas rotas de
fuga para de volta o Subsolo. Não era nada muito difícil. Afinal, tudo o que
eles tinham que fazer era descer.
Pelo menos, foi assim que eles
pensaram.
A cada instante que se
passava, sua fuga se tornava mais improvável.
Vários policiais e unidades
das Forças Especiais já haviam se mobilizado. E mais vinham a cada segundo em
seus carros e veículos blindados. Já haviam até dois helicópteros no ar.
Pessoas gritavam nas ruas com
medo dos super humanos. Vários cidadãos corriam para lojas, prédios e para
dentro de automóveis. Era um filme de terror se tornando realidade para aqueles
pobres milionários.
Algumas jóias haviam caído dos
bolsos de Dante e Amber. Mas eles não podiam parar para pensarem naquilo.
Afinal, não valia a pena voltar para pegar uma corrente de ouro ou um anel de
prata. Pelo menos, não na situação que o casal estava.
Quando era possível, o casal
trocava algumas palavras de incentivo um para o outro.
“Estamos quase lá” ou “só mais
um pouco” e até “em breve estaremos ricos” eram comuns entre os dois.
Felizmente para eles, aquilo parecia estar funcionando.
Correr pelo topo dos prédios estava
fora de cogitação para Amber e Dante. Um helicóptero já os havia avistado. E
eles demoraram tempo demais o despistando.
Por falar nisso, aí está algo
que os dois não tinham mais noção: tempo.
Já quanto tempo eles já
estavam fugindo? Dez minutos? Quinze? Uma hora? Eles não tinham como saber. Mas
seus corpos não aguentariam para sempre
Usar super poderes gastava
muita energia, muito mais do que se perderia em uma corrida, luta ou esporte
convencional.
Com o suor escorrendo pelo rosto, os dois
sabiam que não conseguiriam correr por muito mais tempo.
Mais alguns minutos intensos,
sem descanso, se passaram.
Dante e Amber sabiam que não
podiam mais gastar tempo. Eles tinham que fugir na próxima oportunidade sem
serem pegos. Seria melhor se eles morrerem ali do que atraírem ainda mais
suspeitas para o Subsolo. A caça às bruxas seria ainda mais impiedosa.
Eles correram ainda mais
rapidamente. Chamas alaranjadas e raios azuis cruzaram o céu noturno. O casal
nunca conseguia manter aquelas formas por muito tempo, mas os dois deram o
melhor de si.
O tumulto na cidade parecia
não ter fim. Os sons de carros correndo, sirenes de policia soando,
helicópteros atravessando os céus e civis gritando se misturavam em um caos agonizante.
As cabeças de Amber e Dante
pareciam girar enquanto tentavam se guiar pelo ar.
Porém, não demorou muito para
que eles voltassem ao normal.
Caindo no asfalto, batendo as
costas no chão e soltando gritos abafados, o casal aterrissou próximo de uma
saída.
Era uma entrada pro esgoto.
Não muito agradável, porém, aquela passagem os levaria para perto do seu amado
lar, além de fornecer uma maneira de despistar seus perseguidores com mais
facilidade, afinal, nenhum veículo entraria por lá.
Nem Dante nem Amber tinham
mais forças para usarem qualquer poder. Aliás, eles mal tinham forças para
andarem. Assim, com pés e mãos, os dois se arrastaram para a passagem.
Cada um exibia um sorriso em
seu rosto cansado. Todo o esforço seria recompensado. Eles nem se importavam se
algumas jóias haviam sido deixadas para trás. Tudo o que eles queriam agora era
se encostarem-se em um lugar calmo e dormirem. Até o esgoto parecia
convidativo.
Mas Saint Paul não deixaria
que pragas fugissem impunes depois de tudo que eles haviam causado.
Uma forte luz branca iluminou
o casal. Eles nem haviam ouvido o helicóptero se aproximando.
O som de mais veículos se
aproximando vieram por terra. Dante e Amber tentaram correr para a passagem.
Eles apenas precisavam levantar a tampa de metal e descer a velha escada de
ferro para chegarem ao esgoto.
Tiros soaram. Foram seis
deles.
Os projéteis vieram do
helicóptero. O casal tentou desviar. Mesmo assim, as balas do rifle acertaram a
coxa esquerda de Amber, apenas de raspão, o cotovelo direito de Dante, também
de raspão, e, infelizmente, o dedo mínimo esquerdo do jovem, que acabou sendo
dilacerado.
Eles aguentaram a dor.
Conseguiram não gritar. Continuaram indo em direção à passagem.
Mais tiros foram disparados.
Os dois seguraram a mão um do outro. Já esperando a dor, eles fecharam os olhos
e trincaram os dentes.
Porém, nenhum tiro os atingiu.
Aliás, apenas dois tiros foram disparados.
Estranhamente, o ar estava
mais frio ao redor do casal.
Lentamente, os dois abriram os
olhos.
Dante e Amber ficaram
boquiabertos.
Uma grande estufa, que parecia
ser feita de cristal, havia se formado no entorno deles, com mais de cinco
metros de diâmetro.
As imagens dos veículos, prédios
e ruas estavam distorcidas. Ao menos, era assim que os dois viam de dentro da
esfera de gelo.
Os tiros dos policiais e das
Forças Especiais mal rachavam o globo que os envolvia. Uma sensação de
segurança acertou os dois.
Amber andou calmamente até a
parede gélida a sua frente. Uma leve fumaça branca saia de sua boca cada vez
que a jovem expirava.
—
Isso é...lindo. — A
jovem murmurou.
—É
mesmo... — Concordou,
estupefato, Dante.
—
Que bom que vocês gostaram. —
Disse uma terceira pessoa.
O casal se virou para trás, já
sabendo quem estava lá.
O jovem tinha quase um metro e
oitenta de altura. Sem corpo era magro, ainda mais do que o de Dante. Isso,
somado à pele extremamente clara e ao cabelo liso e curto, naturalmente branco
devido a uma anomalia genética, davam um ar fantasmagórico a ele. Seus olhos
castanhos pareciam sonolentos. Ele vestia uma camiseta branca, amassada, com longas
mangas pretas. Seus jeans azuis pareciam em estado pior do que o dos jovens a
sua frente. Seus tênis pretos tinham detalhes em vermelho e a sola branca.
Esse era o super humano mais
poderoso do Subsolo, Uriel Corvi Allard, também conhecido como Corvo, o
manipulador de gelo.
—
Temos que conversar sobre essa aventura de vocês. — Disse Corvi. —
Porém... — Ele deu um
passo para o lado, revelando a tampa de metal aberta no chão, revelando a
passagem para o esgoto. —
Temos que sair daqui antes. —
Seu olhar
tornou-se determinado. — Vamos.
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