domingo, 2 de agosto de 2015

Intervenção, Capítulo 1

1.


Uriel Corvi Allard


Saint Paul, ano de 2015. Atualmente, uma das maiores e mais ricas cidades do mundo.
Lar da glamorosa sociedade alienada aos problemas do resto do planeta, paraíso para a elite que sentia repulsa dos super humanos, santuário da ignorância. Esses são alguns dos títulos que poderiam ser dados ao lugar.
As guerras intermináveis que ocorriam no mundo eram vistos pelos cidadãos apenas por meio das notícias. Todos comentavam sobre o que viam em jornais, televisões e sites como se falassem de um mundo fictício e distante.
A caça às bruxas realizada contra super humanos na cidade era implacável. Super heróis ou super vilões, não importava, todas as chamadas “aberrações” seriam mortas. E a população apoiava tais decisões.
Era fácil discorrer sobre a riqueza da cidade. Cada família tinha um grande empreendimento que praticamente os poupava de trabalhar. Isso sem contar aqueles que não eram renomados médicos, engenheiros ou professores.
Entretanto, os arredores da metrópole eram caóticos.
Cidades pobres, única opção para algumas pessoas humildes e covis de muitos criminosos, eram exploradas pela chamada utopia.
As grandes empresas dos cidadãos ricos de Saint Paul se localizavam, em sua grande maioria, nos arredores da metrópole. Os cidadãos humildes dessas cidades carentes tinham empregos praticamente garantidos nesses lugares. Entretanto, sobreviver era uma tarefa árdua.
Saint Paul controlava exatamente quanto os cidadãos pobres receberiam de salário e, também, quanto eles gastariam para viver cada mês.
Mas é claro que haviam fatores que não eram considerados, como o número de filhos por família e a criminalidade da região, afinal, muitos decidiram que era mais fácil atacar pessoas mais fracas para sobreviverem do que trabalharem honestamente. Não era a primeira e não seria a última vez que tal pensamento se popularizaria dentro da raça humana.
Porém, esses lugares não eram completamente sem lei. A força policial local era fraca e despreparada, além de receber um salário patético, o que não os fazia querer se arriscar muito, na maioria dos casos, contra os bandidos locais. Entretanto, Saint Paul sabia que os criminosos dessas cidades poderiam lhe causar mal. Era aí que apareciam suas Forças Especiais.
Soldados treinados e fortemente armados rondavam, de tempos em tempos, as cidades pobres. Lutar contra o crime, porém, não era sua prioridade. Cobrar impostos e caçar super humanos era algo muito mais importante para a “utopia”.
Sim, super humanos se escondiam nesses buracos como bandidos. Era a única alternativa deles.
Aliás, um caso interessante que eu deveria contar é sobre a cidade que se localiza abaixo de Saint Paul.
O local ficou conhecido apenas como o Subsolo. Antigamente, fazia parte da metrópole. Porém, com o surgimento dos super humanos visto como uma praga, essa região da cidade foi isolada do resto.
Mas é claro que aquele não era o único motivo.
Afinal, aquela era uma oportunidade de ouro para Saint Paul se livrar de sua população pobre.
Agora, o Subsolo não era diferente do resto das cidades ao redor da metrópole.
E é assim que eu começo a contar sobre Amber Cox e Dante Geier.
O casal de jovens, que moraram a vida inteira no Subsolo, não estava nem um pouco satisfeito com a situação que eles, seus amigos e familiares enfrentavam todos os dias.
“Se ao menos tivéssemos dinheiro, tudo isso poderia mudar. Pra melhor...”.
Era assim que eles, e praticamente todos os outros do Subsolo, pensavam.
Porém, nem todos tinham os dons daquele casal.
Amber tinha um metro e sessenta e cinco de altura. Seus cabelos castanhos claros haviam sido tingidos de vermelho escuro, claramente não ruivo, e estavam presos em um rabo de cavalo. Sua pele era clara. A garota tinha algumas sardas nas bochechas. Seus olhos cor de mel pareciam dourados sob a luz do sol forte. Ela usava uma jaqueta preta de couro, uma camisa rosa por baixo, calças jeans azuis escuras rasgadas nos joelhos e botas pretas. Um piercing prateado era bem visível atravessando o septo de seu nariz. Seu rosto era bonito, mas, de acordo com o que o namorado via, passava despercebido ao ser comparado com suas curvas.
Essa era Amber Cox, especialista em controlar chamas.
Quanto a Dante, ele era bem mais alto, cerca de vinte centímetros a mais em relação à namorada. Seus cabelos desgrenhados, outrora quase negros, eram amarelos agora e, além disso, eram cobertos por uma toca vermelho escuro. Os olhos eram de um azul escuro estonteante. A pele dele era um pouco mais escura do que a de Amber. Uma pequena cicatriz podia ser vista entre o lábio e o queixo. Sob o casaco cinza, ele vestia uma camisa preta com a estampa de uma banda de Death Metal. Os jeans escuros estavam desbotados, porém, não estavam rasgados. Seus coturnos pretos estavam sujos de terra. Seu corpo era magro, porém, seus músculos eram bem definidos, do jeito que Amber gostava.
Esse era Dante Geier, auto intitulado mestre da eletricidade.
No geral, eles eram apenas mais um casal de dezoito anos. Rebeldes, querendo reclamar sobre tudo e todos, despreocupados com o futuro, querendo aproveitar o agora junto de alguém que agisse mais do que pensasse.
Mas a vida sofrida no Subsolo, somada aos poderes que eles desenvolveram com o tempo, faziam com que eles fossem ainda mais inconsequentes do que os outros jovens.
Assim, com a chegada da noite, os dois entraram sorrateiramente em Saint Paul e, após alguns minutos, roubaram uma joalheria.
 Aquele era o tipo de dinheiro que o sustentaria por muito tempo após venderem as jóias. Ajudar suas famílias e amigos também seria possível. Por isso, eles acreditaram que valia a pena se arriscar.
Após atacaram o estabelecimento e encherem os bolsos e duas malas pretas com o máximo de jóias que eles puderam, eles correram para fora da cidade. Eles sabiam que não seria uma tarefa fácil. E também não sabiam que estavam sendo observados.
Lançar raios e bolas de fogo contra policiais parecia covardia. E era por isso mesmo que eles tentavam não pensar muito naquilo.
As Forças Especiais se mostravam como um desafio. Assim, eles evitavam o confronto quando possível.
Transformar-se em chamas e eletricidade para atravessar o ar rapidamente era apenas mais uma vantagem do casal. Além disso, desviar de tiros era muito mais fácil nessa forma.
A adrenalina tomava conta do corpo dos dois. Várias vezes eles foram quase mortos. E a cada vez que isso acontecia, eles corriam mais rapidamente.
 O casal já tinha planejado algumas rotas de fuga para de volta o Subsolo. Não era nada muito difícil. Afinal, tudo o que eles tinham que fazer era descer.
Pelo menos, foi assim que eles pensaram.
A cada instante que se passava, sua fuga se tornava mais improvável.
Vários policiais e unidades das Forças Especiais já haviam se mobilizado. E mais vinham a cada segundo em seus carros e veículos blindados. Já haviam até dois helicópteros no ar.
Pessoas gritavam nas ruas com medo dos super humanos. Vários cidadãos corriam para lojas, prédios e para dentro de automóveis. Era um filme de terror se tornando realidade para aqueles pobres milionários.
Algumas jóias haviam caído dos bolsos de Dante e Amber. Mas eles não podiam parar para pensarem naquilo. Afinal, não valia a pena voltar para pegar uma corrente de ouro ou um anel de prata. Pelo menos, não na situação que o casal estava.
Quando era possível, o casal trocava algumas palavras de incentivo um para o outro.
“Estamos quase lá” ou “só mais um pouco” e até “em breve estaremos ricos” eram comuns entre os dois. Felizmente para eles, aquilo parecia estar funcionando.
Correr pelo topo dos prédios estava fora de cogitação para Amber e Dante. Um helicóptero já os havia avistado. E eles demoraram tempo demais o despistando.
Por falar nisso, aí está algo que os dois não tinham mais noção: tempo.
Já quanto tempo eles já estavam fugindo? Dez minutos? Quinze? Uma hora? Eles não tinham como saber. Mas seus corpos não aguentariam para sempre
Usar super poderes gastava muita energia, muito mais do que se perderia em uma corrida, luta ou esporte convencional.
 Com o suor escorrendo pelo rosto, os dois sabiam que não conseguiriam correr por muito mais tempo.
Mais alguns minutos intensos, sem descanso, se passaram.
Dante e Amber sabiam que não podiam mais gastar tempo. Eles tinham que fugir na próxima oportunidade sem serem pegos. Seria melhor se eles morrerem ali do que atraírem ainda mais suspeitas para o Subsolo. A caça às bruxas seria ainda mais impiedosa.
Eles correram ainda mais rapidamente. Chamas alaranjadas e raios azuis cruzaram o céu noturno. O casal nunca conseguia manter aquelas formas por muito tempo, mas os dois deram o melhor de si.
O tumulto na cidade parecia não ter fim. Os sons de carros correndo, sirenes de policia soando, helicópteros atravessando os céus e civis gritando se misturavam em um caos agonizante.
As cabeças de Amber e Dante pareciam girar enquanto tentavam se guiar pelo ar.
Porém, não demorou muito para que eles voltassem ao normal.
Caindo no asfalto, batendo as costas no chão e soltando gritos abafados, o casal aterrissou próximo de uma saída.
Era uma entrada pro esgoto. Não muito agradável, porém, aquela passagem os levaria para perto do seu amado lar, além de fornecer uma maneira de despistar seus perseguidores com mais facilidade, afinal, nenhum veículo entraria por lá.
Nem Dante nem Amber tinham mais forças para usarem qualquer poder. Aliás, eles mal tinham forças para andarem. Assim, com pés e mãos, os dois se arrastaram para a passagem.
Cada um exibia um sorriso em seu rosto cansado. Todo o esforço seria recompensado. Eles nem se importavam se algumas jóias haviam sido deixadas para trás. Tudo o que eles queriam agora era se encostarem-se em um lugar calmo e dormirem. Até o esgoto parecia convidativo.
Mas Saint Paul não deixaria que pragas fugissem impunes depois de tudo que eles haviam causado.
Uma forte luz branca iluminou o casal. Eles nem haviam ouvido o helicóptero se aproximando.
O som de mais veículos se aproximando vieram por terra. Dante e Amber tentaram correr para a passagem. Eles apenas precisavam levantar a tampa de metal e descer a velha escada de ferro para chegarem ao esgoto.
Tiros soaram. Foram seis deles.
Os projéteis vieram do helicóptero. O casal tentou desviar. Mesmo assim, as balas do rifle acertaram a coxa esquerda de Amber, apenas de raspão, o cotovelo direito de Dante, também de raspão, e, infelizmente, o dedo mínimo esquerdo do jovem, que acabou sendo dilacerado.
Eles aguentaram a dor. Conseguiram não gritar. Continuaram indo em direção à passagem.
Mais tiros foram disparados. Os dois seguraram a mão um do outro. Já esperando a dor, eles fecharam os olhos e trincaram os dentes.
Porém, nenhum tiro os atingiu. Aliás, apenas dois tiros foram disparados.
Estranhamente, o ar estava mais frio ao redor do casal.
Lentamente, os dois abriram os olhos.
Dante e Amber ficaram boquiabertos.
Uma grande estufa, que parecia ser feita de cristal, havia se formado no entorno deles, com mais de cinco metros de diâmetro.
As imagens dos veículos, prédios e ruas estavam distorcidas. Ao menos, era assim que os dois viam de dentro da esfera de gelo.
Os tiros dos policiais e das Forças Especiais mal rachavam o globo que os envolvia. Uma sensação de segurança acertou os dois.
Amber andou calmamente até a parede gélida a sua frente. Uma leve fumaça branca saia de sua boca cada vez que a jovem expirava.
Isso é...lindo. A jovem murmurou.
É mesmo... Concordou, estupefato, Dante.
Que bom que vocês gostaram. Disse uma terceira pessoa.
O casal se virou para trás, já sabendo quem estava lá.
O jovem tinha quase um metro e oitenta de altura. Sem corpo era magro, ainda mais do que o de Dante. Isso, somado à pele extremamente clara e ao cabelo liso e curto, naturalmente branco devido a uma anomalia genética, davam um ar fantasmagórico a ele. Seus olhos castanhos pareciam sonolentos. Ele vestia uma camiseta branca, amassada, com longas mangas pretas. Seus jeans azuis pareciam em estado pior do que o dos jovens a sua frente. Seus tênis pretos tinham detalhes em vermelho e a sola branca.
Esse era o super humano mais poderoso do Subsolo, Uriel Corvi Allard, também conhecido como Corvo, o manipulador de gelo.

Temos que conversar sobre essa aventura de vocês. Disse Corvi. Porém... Ele deu um passo para o lado, revelando a tampa de metal aberta no chão, revelando a passagem para o esgoto. Temos que sair daqui antes. Seu olhar tornou-se determinado. Vamos.

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