3.
Samuel Ambrose
Eles não tiveram chance. Era apenas um bando de dez
brutamontes armados com pistolas. Não foram nem um desafio para cinco soldados
das Forças Especiais.
As roupas usadas pelos membros do quinteto mais pareciam
armaduras. Muito mais resistentes que os coletes a prova de balas encontrados
por aí, embora fossem mais pesados. Mas valia a pena. Aqueles uniformes escuros
ofereciam proteção para o corpo inteiro, contando com os capacetes que
protegiam as cabeças dos soldados.
Ofensivamente, os soldados ainda eram mais
impressionantes. Fuzis e escopetas eram bem comuns. Alguns preferiam usar
rifles de precisão. Outros, mais fortes, confiavam suas vidas a suas
metralhadoras. Isso sem contar os facões e as granadas (que podiam ser de
fragmentação, de concussão, incendiárias
ou até que espalhassem fumaça ou flashes de luz) que eles carregavam em suas
cinturas.
Um morador da região, ao ver aquela tropa das Forças
Especiais em um casarão decrépito do Distrito Sul do Subsolo, logo presumiria
que eles estavam caçando super humanos e, por precaução, procuraria se afastar
do local.
Entretanto, o objetivo da tropa não era esse. Não hoje,
pelo menos.
O quinteto recebia ordens de um homem naquele dia
cinzento: Samuel Ambrose.
Com quase um metro e noventa de altura, ele era dono de
um corpo que mais parecia uma montanha de músculos bem definidos e de uma
fortuna invejável. Seu rosto, de traços fortes, trazia consigo uma expressão de
serenidade quase absoluta na maior parte do tempo. Mesmo assim, seu olhar era
determinado e intenso a todos os momentos.
Seus olhos, bem como sua pele, eram da cor do café. Com o cabelo e a
barba completamente raspados, Samuel certamente não parecia ter cinqüenta anos
de idade.
Durante sua vida, Ambrose conseguiu alguns bons aliados
e, como ele bem sabia, incontáveis inimigos, principalmente do tipo que fingia
ser seu aliado. E era exatamente por isso que ele estava no Subsolo.
Jack Germogen havia traído sua confiança. E Ambrose não
era do tipo que dava segundas chances para as pessoas.
Agora, lá estavam os dois, Jack e Samuel, ambos naquela
casa decrépita.
Germogen estava com as costas no chão. Sua roupa, um
terno preto com uma gravata azul, estava em um estado horrível. A terra na
barra da calça e na sola dos sapatos mostrava que ele estava no Subsolo há
algum tempo. Sua mão direita estava sobre seu ombro esquerdo. Ele tentava
evitar que o sangue da ferida de bala se espalhasse mais. Seu rosto estava mais
pálido do que o normal. Seus lábios finos tremiam. Suor escorria de seu cabelo
negro e curto por sua testa enrugada. Seus olhos azuis estavam arregalados,
preenchidos de medo. Inutilmente, Jack se arrastava para trás com o braço
esquerdo.
Calmamente, Samuel se aproximava de Germogen. Vestindo um
terno de linho preto e uma gravata púrpura, Ambrose dava um ar de elegância ao
lugar em ruínas.
—
Últimas palavras? —
Ele perguntou, com sua voz grave, para Jack enquanto apontava seu revólver
prateado para a cabeça do traidor.
—
Ah, Ambrose... — O
homem de um metro e setenta tossiu, estremecendo e parando de se arrastar. — Isso é tudo um grande
erro...
—
Sério? — Samuel
ergueu a sobrancelha esquerda. —
E por quê? Afinal, até onde eu saiba, e de acordo com os rastros imundos que
você deixou, foi você que desviou o dinheiro da minha conta. Dinheiro, que vale
a pena ressaltar, que era mais que o suficiente para pagar a sua maldita dívida
de jogo.
Jack se manteve calado. Ambrose bufou e continuou:
—
Sabe, se você tivesse me pedido o dinheiro no começo da sua dívida, eu a teria
pago. Eu nem mesmo pensaria em cobrar depois. Mas você preferiu ser estúpido.
Você preferiu ser fraco...
Germogen soltou uma risada nervosa e disse irritado:
—
É isso o que eu mais odeio em você, Ambrose! Essa sua mania de superioridade,
de se achar o dono da verdade! Pois saiba bem que você não é! Você...!
Samuel interrompeu Jack com um tiro. O homem gritou
enquanto o projétil penetrou em seu ombro direito.
—
Eu consegui sair do nosso querido fim de mundo. —
Disse Ambrose. — Eu
subi na vida sozinho. Eu consegui tudo o que eu sempre quis, além de coisas que
eu nem sabia que eu queria. Dinheiro. Status. Requinte. Uma família que eu amo
e me dá orgulho. Uma carreira invejável como esportista. Um físico de um homem
de trinta anos aos cinqüenta. —
Ele sorriu com clara superioridade. —
E você? Hein? Você nunca conseguiu nada. E mesmo assim eu lhe estendi a mão para
te ajudar. Uma ajuda que poucos ofereceriam. Mas por que eu fiz isso?
Germogen manteve-se calado.
—
Por que eu havia prometido. —
Samuel continuou. —
Eu te prometi que te ajudaria. Afinal, você havia me ajudado quando não havia
ninguém ao meu lado. E então, depois de mais de trinta anos, você volta para a
minha vida, depois que eu te procurei, apenas para se aproveitar de mim. Para
se aproveitar da minha bondade. Para se aproveitar do meu triunfo.
Jack riu e bradou:
—
Você não é a porra dum santo! Para de falar como se fosse um!
—
Sabe qual é a pior parte, Jack? —
Samuel continuou a falar, ignorando completamente Germogen. — Eu considerei a
possibilidade de você tentar me roubar. Mas acabei afastando esse pensamento.
Afinal, eu já havia estado onde você estava. Porém, eu não te conhecia tão bem.
Não sabia que você seria capaz de se rebaixar a esse ponto... — Ele suspirou. — O tempo pode realmente
mudar uma pessoa. Ou, então, forçá-la a mostra r sua verdadeira identidade.
—
Pare de bancar o filósofo, seu merda!
Calmamente, Ambrose andou até o lado esquerdo de
Germogen. O homem praticamente rosnava para Samuel.
—
Que lástima... —
Ambrose murmurou.
Em seguida, ele pisou contra o peito de Jack, fazendo
soltar um grito abafado e, lentamente, esmagando o peitoral do traidor.
Com praticamente um rugido, Germogen chamou um nome:
—
Brina!
Levemente alarmado, Samuel olhou para os lados. Nada
havia acontecido. E mesmo que alguém tentasse entrar lá para ajudar Jack,
essa pessoa teria que subir pela janela daquele andar (o terceiro) ou, menos
provável ainda, passar pelos cinco soldados das Forças Especiais que estavam
atrás da porta.
Ambrose relaxou por um instante. E foi aí que ela apareceu
tomando o seu revólver.
Agora, uma mulher, ou talvez apenas uma jovem, estava à
frente de Samuel. Ela vestia um manto bege, esfarrapado, com um capuz que
cobria seu rosto quase que por completo.
Samuel apenas sabia alguns detalhes da garota por seu
queixo e pernas. Elas eram magras, ossudas, com alguns arranhões e machucados
em sua superfície. Seus pés, descalços, tinham alguns calos bem visíveis. Sua
pele era cor de caramelo. Mas isso era tudo.
—
Tire seu pé de cima dele! —
Brina ordenou enquanto apontava o revólver para Ambrose.
Samuel, calmamente, obedeceu. Jack respirou aliviado.
—
Brina... — Germogen
balbuciou. — Obrigado...
A garota apenas assentiu. Agora, ela olhava diretamente
para Ambrose.
Samuel pôde ver alguns fios do cabelo negro da garota,
bem como seu olhos verdes que brilhavam.
—
Brina. — Ambrose
disse o nome, apreciando a sonoridade. —
Poder interessante esse o seu. Teleporte... Teria alguma restrição?
—
Poucas. — Ela
respondeu secamente.
—
Entendo... — Samuel
sorriu. — Gostaria de
trabalhar para mim?
Jack ficou sem reação. Após alguns instantes, Brina riu.
—
Você não pode estar falando sério.
—
Mas eu estou. —
Afirmou Ambrose. —
Alguém com seus poderes seria uma excelente aliada. Tenho que me livrar de
alguns vermes como o Jack de tempos em tempos. E, é claro, eu posso pagar bem.
—
Não dê ouvidos a ele! —
Germogen gritou com certo desespero. —
Você está do meu lado, não é? Afinal, eu já te ajudei tanto...
—
Não duvido dessa última parte, Jack. —
Disse Samuel. — É bem
a sua cara. Porém, Brina tem que decidir o melhor para si, não? — Ele olhou para a garota. — Quantos anos você tem?
—
Eu... — Brina hesitou
um pouco. — Eu tenho dezessete...
—
E eu tenho certeza que, como qualquer ser humano sensato, você quer uma vida
melhor, sair desse lugar horrível, conseguir ser feliz... — Samuel sorriu. — Não é mesmo?
Brina não tinha como negar. Quase como se ela tivesse
sido encantada, ela assentiu.
—
Ótimo. — Ambrose
continuou. — Então
não seria nada mal você sair ir para a cidade grande, não? Saint Paul ou
qualquer outra. Você que escolhe. Desde que esteja disposta a me ajudar de vez
em quando.
—
Brina... — Jack
murmurou. — Não se
deixe levar...
—
Liberdade de escolha. —
Samuel ignorou Germogen. Ele apenas elevou a voz e continuou a falar. — Você também pode ter
isso. Pela primeira vez na vida. Já parou para pensar nisso?
—Qual é a
pegadinha? — Brina o questionou.
Ambrose sorriu. Afinal, a garota parecia esperta. Então,
ele respondeu:
—
Eu não dou segundas chances, como Jack sabe muito bem... — Ele olhou diretamente
para os olhos de Brina. —
Então não ouse me decepcionar.
—
Porra! — Exclamou
Germogen. — Não caia
nessa, Brina! Ele vai se livrar de você do mesmo jeito que ele ta se livrando
de mim! Não acredite nas palavras dele.
—
É verdade. — Admitiu
Samuel, para a surpresa dos outros dois. —
É verdade que eu vou me livrar assim de você...caso você me decepcione. Siga as
minhas ordens e consiga a vida que você deseja.
Houve silêncio por alguns instantes. Trinta segundos, não
mais que isso. Então, Brina deu sua resposta.
—
Então... — Ela
entregou o revólver para Ambrose. —
Vou precisar de mais informações depois, certo?
—
Sem problemas. —
Samuel sorriu.
—
Não! — Germogen
gritou. Seus olhos se arregalaram ainda mais. —
Não, Brina... Não...
—
Jack, Jack, Jack... —
Ambrose apontou a arma para a cabeça do traidor. —
Fique quieto por um instante, ok? —
Ele olhou para a garota. —
Como bônus de contrato, vou te dar um conselho inestimável, certo?
—
Certo. — A garota
respondeu, parecendo ansiosa. —Pode
contar.
—
Existem, basicamente, dois tipos de pessoa nesse mundo. — Samuel começou a explicar. — Primeiramente, existem
aqueles como você e eu. Nós nos esforçamos todos os dias. Nós sofremos com um
sorriso no rosto. Nós corrermos atrás do que queremos, do que precisamos para
sermos felizes. E é exatamente por isso que temos um sorriso no rosto. — Ele fez uma breve pausa. — E, infelizmente, existem
os vermes, como o Jack. Seres fracos sem nenhuma ambição verdadeira. Pessoas
que estão apenas felizes quando os outros estão infelizes. Pragas que puxam
pessoas decentes como nós para o abismo junto com eles. Monstros que fazem
comentários maldosos e riem das fraquezas alheias para que eles não precisem
olhar para o desastre que eles mesmos são. Pessoas que fariam um favor a
sociedade se estivessem mortos. Afinal, não precisamos de mais nenhum obstáculo
em nossas vidas, não é?
Brina ficou em silêncio por alguns instantes.
Samuel ficou tranquilo. Ele havia dado muita coisa para a
garota pensar.
No final, a resposta da garota foi o que Ambrose
esperava:
—
Sim. Você ta certo. Isso faz sentido. Muito...muito sentido. — A garota abaixou o capuz,
revelando seu belo rosto e um largo sorriso. —
Parece que eu vou gostar de trabalhar para você, Samuel Ambrose.
—
Não... — Jack tentou
protestar.
—
Ótimo! — O homem
sorriu enquanto apertava o gatilho. —
Bem vinda ao time.
Samuel e Brina fecharam o acordo com um aperto de mão.
Calmamente, os dois foram em direção à porta atrás deles,
deixando o corpo de Jack Germogen para apodrecer com, agora, três buracos de
balas. Um no ombro esquerdo, outro no ombro direito e, finalmente, um na nuca.
Afinal, o último tiro atravessou a boca aberta do homem que protestava, criando
um buraco no chão de madeira na trajetória do projétil.
Samuel Ambrose se tornou um ótimo atirador com pistolas.
Afinal, quando se entrava secretamente no mundo do crime, aquele era um dos requisitos
mais importantes.
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