Capítulo 7
Estrada ao norte da Capital, Arc Lazarus, continente de
Windland, Septima de Arium de 1058.
O sol brilhava forte. Não havia uma nuvem no céu. As sombras
das grandiosas árvores protegiam os viajantes do calor. Uma brisa fresca trazia
consigo aromas de frutas silvestres e diversas flores. Pássaros cantavam de
diversos cantos, permanecendo a uma distância segura dos humanos que ali
rondavam. O mesmo podia ser ditos das lebres e raposas que por ali cruzavam.
Elise, Viktor e Dreadraven caminhavam com calma agora. A
chuva havia sido deixada para trás, junto o céu cinzento e um mau
pressentimento que parecia os assolar desde a partida de Damian. Claro que,
pelas vilas que eles passaram, houveram pessoas sofrendo com a praga. A estrada
também contava com bandidos em vários cantos, o que não era necessariamente
ruim, já que o trio havia conseguido comida e dinheiro de seus oponentes
derrotados.
Entretanto, com a silhueta dos grandes prédios de Arc
Lazarus desaparecendo no horizonte, o grupo parecia bem e mais disposto.
Naquele ritmo, não demorariam muito para chegar até o antigo templo Arcano que
Elise fazia parte.
— Pouco
mais de uma hora, não? —
Perguntou Dreadraven, enquanto caminhava, para confirmar a distância.
—
Sim. — Elise
respondeu. — Só temos
que manter esse ritmo. —
Ela olhou para o doutor com um ar melancólico. —
Você sabe que não precisa ajudar, não é?
—
Eu sei. — Ele respondeu.
—
E, mesmo assim, você insiste em ajudar... Por quê?
—
Você não podia ajudar contra a praga... —
Dreadraven disse num tom calmo. —
Estava além de qualquer coisa que você pudesse fazer. Não era a sua obrigação.
Porém... Lá estava você em Silverhill. E em Honeyfield. E em Alespring. Você
estava se arriscando... Você estava pedindo para as pessoas que confiassem em
mim. Você realmente achou que eu não retribuiria o favor?
—
Obrigada. — A
sacerdotisa sorriu, sem jeito. Elise, então, levou uma mão em direção ao
coração e olhou para baixo. Seu sorriso parecia ter se apagado de repente. — Espero que Lily esteja
bem...
—
Eu também... — Disse
Viktor com uma voz arrastada.
Então, houve silêncio por um instante. Fora os passos sobre
as folhas caídas na estrada e o canto de alguns pássaros, o lugar parecia de
repente congelado.
Era nítido que o Sandrealmer não estava como o de costume.
Nos últimos dias, ele estava quieto, lacônico, irritando-se facilmente por
pouco. Elise podia ver isso claramente, afinal, sabia o motivo do comportamento
do companheiro.
Viktor simplesmente não queria criar expectativas sobre sua
irmã. Lily podia não estar nada bem, poderia não estar viva. Os três, unidos,
poderiam chegar lá e ser mortos. O Sandrealmer sabia que não poderia esperar
que tudo fosse dar certo só por que essa era a sua vontade.
Porém, Viktor sabia que, se não resgatasse Lily, ele não
seria mais bem vindo em casa.
—
Viktor... — Elise o
chamou docemente. —
Você...?
—
Eu estou bem. — Ele
disse rispidamente.
Elise parou de andar. O Sandrealmer, então, olhou na direção
dela. A sacerdotisa olhava para o chão, triste, à beira das lágrimas.
—
Desculpa... — Viktor
suspirou. — Não foi a
minha intenção... Mas, sério... Eu estou bem... —
Mentiu. — Vamos achar
logo minha irmã, ok...? Vamos continuar andando e...
—
Ladrão! — Alguém
gritou por entre as árvores. —
Isso é o que você é, maldito!
—
Desgraçado! — Disse
outro. — Pare com
essas desculpinhas e devolva o que roubou!
O trio olhava por entre as árvores. Eles conseguiam ouvir
mais gritos e murmúrios, porém, não conseguiam ver nenhum dos envolvidos na
discussão.
—
Devemos olhar...? —
Elise perguntou hesitante.
—
Por que não? — Viktor
não soava alegre. —
Vamos bater em um ladrão e ver se conseguimos algo bom pra comer. Ele deve ter
algo melhor do que aqueles pães com geleia que nos serviram no último
vilarejo... Sem contar que estou ficando com fome...
Elise levou uma mão à barriga. A última refeição do trio
havia sido horas atrás e, como o Sandrealmer havia dito, não havia sido um
banquete. Conseguir algo para comer agora, no meio da estrada, não seria algo
para se deixar passar. Enfrentar alguns bandidos valeria a pena.
Com passos rápidos, Viktor, Dreadraven e Elise saíram da
estrada de terra e foram em direção ao centro da floresta, caminhando por entre
as árvores, ouvindo as vozes cada vez com mais clareza.
—
Onde você escondeu tudo aquilo!? —
Uma das vozes perguntou. —
Não tem como você estar carregando todas aquelas coisas!
—
E eu teria tempo de esconder tudo aquilo? —
Uma nova voz apareceu, defendendo-se embora num tom amigável. Era o provável
ladrão. — Se não está
comigo, então eu não roubei nada.
—
Mentira! — Esbravejou
uma outra voz. — Foi
algum tipo de truque!
—
É! — Outro concordou.
— Você deve ser um
tipo de bruxo, seu miserável!
—
Absurdo... — O
possível ladrão parecia ultrajado. —
É assim que funciona com vocês? Vocês inventam que uma pessoa usa magia pra
poder botar a culpa nela? Um pouco infantil, não acham?
—
Desgraçado! — Um dos
homens grunhiu. — Age
como se você fosse melhor do que nós!? Pois bem...!
Então, o grupo parou de falar. Eles, bem como o homem que
estava sendo acusado, voltaram-se para onde os passos vinham.
—
Podem continuar... —
Insistiu Viktor. Ele andava calmamente com Elise e Dreadraven ao seu lado. — A conversa parecia
interessante.
—
Puderam ouvir de longe, presumo. —
Disse o acusado.
—
Quem são vocês? — Um
dos homens perguntou. —
Amigos desse rato ladrão?
—
Você tem certeza de que ele é o ladrão? —
O Sandrealmer retrucou.
O acusado esboçou um sorriso. Seu visual era um pouco desleixado.
Ele usava roupas simples, feitas de lã tingidas de verde, com poucos adornos.
As peças mais caras pareciam ser as luvas e botas de couro marrom. Com uma mala
velha e surrada nas costas, era quase certo que o sujeito não passasse de um
comerciante. Sob os cabelos castanhos claros desgrenhados, seus olhos azuis brilhavam
com certa jovialidade. Coçando a barba por fazer, o homem parecia despreocupado
com as ameaças.
Por outro lado, o grupo à frente do comerciante, composto
por seis homens e duas mulheres, não parecia muito amistoso. Com armaduras
simples feitas de couro e ferro, cicatrizes e tatuagens pelo corpo e dentes à
mostra nos rostos pintados, eles pareciam bárbaros, possíveis mercenários ou
assaltantes que atacavam por estradas pouco movimentadas
—
Algum problema com a gente, Sandrealmer? —
Um deles, muito provavelmente o líder do bando, perguntou.
—
Não vamos tirar conclusões precipitadas. —
Disse Elise rapidamente. — Conte-nos o que
aconteceu.
—
Esse ladrãozinho aí... —
Ele apontou para o comerciante. —
Esse desgraçado apareceu na casa do chefe, falando que tinha mercadorias para
serem vendidas. Aquisições dignas de um
rei, disse ele.
—
E então...? — Viktor
parecia impaciente.
—
Nós fomos perguntar pro chefe se era pro rato entrar ou não em casa. — Continuou. — Quando percebemos, o
verme havia sumido e, junto com ele, várias coisas do chefe. Foram jóias,
quadros, espadas, livros...
—
E ninguém viu ele pegar nada? —
Indagou o Sandrealmer.
—
Não, mas...
—
E como ele poderia estar carregando tudo aquilo?
—
Foi o que eu disse... —
Murmurou o comerciante.
—
É por isso que a gente falou que ele é um bruxo! —
Uma das mulheres disse. —
Só assim pra ele entrar na casa do chefe sem a gente ver, pegar um monte de
coisas e sumir com elas!
—
Uma dúvida... — Disse
Elise delicadamente. —
Quem é esse chefe?
—
Um nobre da região. —
Um dos mercenários respondeu. —
Estamos protegendo ele.
—
Não seria o Barão de Jager, seria?
—
É ele mesmo. Por quê?
—
Ele é uma víbora! É bem provável que tudo o que ele tenha seja roubado dos
outros, ou que ele tenha conseguido com alguma chantagem...
—
Não importa. — O
líder deles falou rispidamente. —
Ele é um gordo nojento, mas paga bem... E sem atrasos. — Ele voltou o olhar para o comerciante. — E é por isso que vamos
pegar o que esse ladrãozinho roubou... E depois matar ele!
O bando começou a urrar, animados com as palavras do chefe,
prontos para partir para a luta. Entretanto, um deles não se manifestava.
Um homem, o mais alto e mais musculoso de todos, começou a
andar na direção do trio. O bando fez silêncio, apenas observando o gigante
andar na direção dos recém chegados. Com um machado em cada mão e um rosto
praticamente quadrado, ele exibiu os dentes como se fossem presas para
Dreadraven.
—
Por que se esconde com essa máscara? —
Ele perguntou.
—
Longa história. — O
doutor respondeu ríspido. —
Muitos detalhes que não podem ser pulados.
—
Tira a máscara!
—
Não posso. E também não quero. Talvez se você pedisse com um pouco mais de
jeito...
— Você
esconde muita coisa... —
Ele cuspiu no chão. —
Ou é um covarde. Ou os dois... De qualquer jeito... Não gosto de você...
—
E o que você pretende fazer sobre isso?
O gigante grunhiu. Então, flexionou o peitoral descoberto e
levantou os dois machados para o alto.
— Ei!
— Viktor exclamou
para o líder do bando. —
Você não vai mandar o seu bichinho parar?
— Não...
— Ele respondeu,
dando de ombros. — Quando
o Jack não gosta de alguém, não dá pra parar ele. O mascarado ali já era. Que
sirva como lição por vocês terem aparecido por aqui...
Então, os machados desceram em direção à cabeça de Dreadraven.
O som do metal rasgando pele e osso pareceu ecoar naquela clareira. O sangue
respingando veio em seguida, manchando a grama de vermelho. O som de algo
pesado se chocando contra o solo veio por fim.
Todos pareciam olhar a cena impressionados. O gigante,
então, caiu de joelhos, com ambas as mãos decepadas, olhando para o sangue
escorrendo em seus braços e para os machados caídos na grama.
Dreadraven estava com seu sabre negro em mãos, agora,
desembainhado e manchado de sangue.
—
Prefiro não recorrer à violência contra pessoas... — Ele começou. —
Afinal, humanos são racionais, não...? Mas, para gente como você, não há outro
jeito. Infelizmente, não posso resolver tudo com palavras.
Jack olhava boquiaberto para Dreadraven. Seus olhos estavam
tomados pelo medo.
—
Ele é um bruxo... —
Algum dos mercenários murmurou.
—
Deve ser amigo do ladrão... —
Uma mulher acrescentou.
—
Será que foi ele quem realmente roubou o chefe...? — Alguém indagou.
—
E lá se foi o mais forte de vocês... —
O comerciante bocejou.
—
O quê? — O líder do
bando, enraivecido, virou-se na direção do homem. — O que você disse?
—
Disse que deveriam desistir agora. —
Sorriu brincalhão.
—
Eu sou o líder desse bando! —
Ele sacou sua espada e apontou para o alto. —
Enquanto eu estiver aqui, todos irão lutar!
Com essas palavras, os demais mercenários sacaram suas
armas, balançando arcos, espadas e facas para o alto.
—
Só tenho que me livrar de você então...? —
Disse o Sandrealmer.
O líder dos mercenários se virou na direção de Viktor.
Ele não teve tempo de reagir enquanto a bala do Sandrealmer atravessava
sua cabeça.
Vendo o corpo de seu líder cair sem vida no chão, os
mercenários voltaram a baixar as armas.
—
Vocês podem fugir agora... —
Aconselhou Viktor enquanto recarregava sua arma. —
Pra bem longe daqui, de preferência.
—
Ou então...? —
Desafiou um dos mercenários.
Após essas palavras, uma parede de chamas brancas surgiu,
separando os mercenários do trio e do comerciante. Elise evitaria atacar a todo
custo, principalmente em uma luta já ganha.
Entre grunhidos e xingamentos, os mercenários guardaram as
suas armas e, então, fugiram por entre as árvores, deixando o comerciante
intacto e Jack para trás.
—
Ora, ora... — O
Sandrealmer inclinou a cabeça para a esquerda. Jack retribuiu o gesto com a
mesma expressão assustada de antes. —
Você ainda não morreu... Mas vai. —
Ele apontou a arma para a cabeça do gigante que tremeu instantaneamente. — O sangramento vai acabar
com você. Não pretendo acelerar mais a sua morte.
Então, com uma coronhada, Viktor nocauteou Jack, deixando-o
caído para a sua morte.
Em seguida, o Sandrealmer olhou para Elise.
—
Você vai parar com o sangramento dele, não é? —
Ele perguntou desanimado, já sabendo a resposta.
—
Ele não é mais uma ameaça. —
Respondeu a sacerdotisa. —
Principalmente sem as mãos.
Elise se agachou ao lado do gigante caído. Uma luz verde
clara, quase branca, saiu de suas mãos, parando o sangramento em poucos
instantes.
—
Deixá-lo viver assim... —
Viktor murmurou. — Sem
as mãos... Talvez fosse melhor deixá-lo morrer de uma vez, não acha? Ainda mais
sendo quem ele é...
—
Ainda há chance para uma redenção. —
A sacerdotisa afirmou. —
Sempre há.
O Sandrealmer deu de ombros, não se interessando mais pelo
assunto
O comerciante, então, bateu palmas, animado.
— Bravo!
— Ele disse. — Bravo! Bravíssimo!
—
Você não precisava de nossa ajuda. —
Afirmou Elise. — Não
é, mago?
—
Não mesmo. — Ele respondeu. — Mas queria ver do que vocês eram capazes.
—
Algum interesse em nós? —
Indagou Dreadraven.
—
Talvez... — O mago
coçou o queixo. — Bem...
Veremos... — Ele
olhou para o céu, ainda claro, e sorriu. —
Vocês estão indo em direção ao norte também?
—
Sim. — Respondeu
Viktor. — O que
pretende fazer?
—
Hm... Bem... Vamos conversando sobre isso no caminho, ok?
O comerciante sorriu para o trio. O caminho que seguiriam
era o mesmo. Então, enquanto não houvessem problemas, os quatro seguiriam
juntos.
—
Certo... — Concordou
o Sandrealmer após trocar olhares com seus companheiros. — Vamos em frente.
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