quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

The Godsbane, Parte 2 (Capítulos 4, 5 e 6)

Capítulo 4


Montanha de Gellafen, sudoeste de Snowrealm, continente de Windland, Tertia de Librum de 1042.
Para muitos, era um dia feliz. A neve parecia ter sido deixada para trás no último dia do mês passado. O sol vinha finalmente, apesar de tímido, para as terras gélidas. As águas de rios e lagoas estavam agradáveis. As estradas, bem como várias cidades comerciais, percebiam nitidamente o aumento da circulação de pessoas de todos os cantos do país.
Entretanto, num canto remoto do país, a movimentação tinha outro motivo.
Na base de uma montanha, uma tropa de não mais do que vinte soldados aguardava suas ordens. Todos usavam o mesmo tipo de armadura de couro bege, resistentes ao frio, reforçada com placas de aço como brasão dos Icebrands: uma espada azul como o céu, normalmente marcada no ombro direito.
À frente de todos estava Sebastian, seu capitão. Sua armadura de couro era completamente reforçada por uma obra prima de aço, uma defesa praticamente perfeita contra qualquer arma que os Drakes pudessem manejar. Na peitoral de metal polido, o brasão dos Icebrands era ainda mais intimidador.
Com o capacete em mãos e a grande espada nas costas, Sebastian olhava para a escuridão da caverna a sua frente. Seus olhos azuis brilhavam determinados. Seu sorriso branco era confiante. Com essa expressão inspiradora, ele olhou para os homens e mulheres sob seu comando.
Tudo pronto, capitão? Perguntou uma guerreira que segurava um machado com uma mão e, com a outra, um escudo. Algum pressentimento?
Sebastian era famoso por isso. Nada como premonições, mas o capitão sentia algo no ar, como se enxergasse algo que ninguém mais pudesse. De acordo com ele, a magia podia ser sentida ao seu redor e que ela poderia ser uma guia sem igual. Não era muito diferente de saber canalizar o poder para conjurar uma bola de fogo ou soltar raios das mãos. Entretanto, tais talentos eram incomuns dentre os Snowrealmers.
Hm... Sebastian respirou fundo. Não sei exatamente o que esperar dessa vez... Talvez não haja nada, afinal...
Mas se fosse algo realmente ruim... Um guerreiro armado com uma maça e um escudo começou a dizer. Você poderia dizer, certo? Nenhum tipo de fantasma nos espera lá em baixo, não é?
Se algo do tipo fosse aparecer, eu saberia. O Capitão disse com firmeza. Talvez algumas armadilhas nos esperem, como é de se imaginar, mas duvido que qualquer coisa volte do Mundo dos Mortos para nos atacar... Ele sorriu. E se vieram... Nos atacamos antes, como Snowrealmers, não é mesmo!?
Os soldados urraram num coro, brandindo suas armas e as agitando no ar no mesmo ritmo.
É isso que eu gosto de ouvir! Sebastian bradou. Em seguida, ele sacou sua espada e a apontou para uma das guerreiras no meio da tropa. Senhorita Silverblade! Gostaria de ter honra de nos liderar nessa expedição?
Sim, senhor! Ela respondeu firmemente.
Ótimo... Ele sorriu. Silverblade era, sem dúvidas a mais experiente dentre aqueles soldados. Sebastian sabia que poderia contar com ela. Então, senhorita... Lidere-nos!
A guerreira caminhou até a entrada da caverna, alguns passos além de seu capitão. Então, ela ergueu sua mão direita, erguendo sua espada e exibindo o brasão dos Icebrands para todos verem.
Em frente! Silverblade bradou. A Demonsbane será dos Icebrands!
Com urros, os soldados correram até ela, adentrando na caverna com passos pesados e uma determinação quase inabalável.
Sebastian sorriu ao ver seus soldados marcharem em direção ao desconhecido. A coragem daqueles homens e mulheres bem treinados era digna de verdadeiros guerreiros. Um capitão não poderia pedir por subordinados melhores.
Entretanto, eles tinham que agir rápido. A tropa deveria conseguir a espada lendária, se ela realmente estava lá, símbolo de poder nas mãos do maior rei da última era em Windlands.
A Demonsbane seria não só um instrumento de destruição nas mãos de Alexander, The Icebrand, seria também uma vantagem moral sobre os Drakes. Se eles temessem o poder da lenda da arma, a guerra estaria mais próxima do seu fim.
Se não fosse pelos seus discursos motivadores, tenho certeza que eles não precisariam de você. Disse uma voz tão familiar para Sebastian.
O capitão se voltou para trás, na direção do único soldado que não correu para dentro da caverna. Nas costas do jovem estava uma espada idêntica a dele. Feita de aço brilhante como prata, com tiras de couro no cabo e uma lâmina quase tão afiada quanto a de uma navalha, a arma era uma obra de arte, principalmente em contraste com sua armadura cheia de arranhões a amassados.
Não duvido disso. Sebastian respondeu com um sorriso amigável no rosto e, então, cravou sua espada no chão e apoiou suas mãos sobre o cabo. Assim como eu também não duvido que essa velharia que você usa não serve nem pra te proteger de uma flecha.
A Claudia disse que a armadura parecia boa.
Ela te mima demais.
Ela só tenta compensar o marido militar estressado. Ou talvez ela só esteja compensando pela filha que só arruma confusão...
Sério? Ele ergueu uma sobrancelha. A Ivy anda se metendo em mais confusão do que antes?
É... O jovem riu baixo. Uns beberrões começaram a dar em cima dela lá no bar do Redale.
Ah é? Sebastian suspirou. Eram quantos ao todo?
Cinco. Três no começo, dois no final, sendo que os primeiros ela derrotou só usando as mãos... E um dos banquinhos de madeira.
E o problema foi ela ter causado um tumulto no bar? Só isso?
Bem... Todos os cinco eram Icebrands...
Impressionante...
Só que nem todos eram soldados, sabe?
Houve um momento de silêncio. Sebastian respirou fundo e exalou com calma.
Não me diga que ela bateu num nobre... Ele murmurou.
Timothy Icebrand, sobrinho do grande Alexander, The Icebrand... O jovem riu.
Pelo amor de Ghikast...
O que ela devia fazer, hein? O tal nobre apareceu no bar enquanto ela quebrava o banquinho na cabeça do último bêbado que deu em cima dela. Ai ele chamou a Ivy de selvagem e mandou o guarda costas dele, um grandão com um martelo de guerra, tirar dali. Ai ela sacou o machado e derrotou o cara em não muito tempo. Mas é claro que eles destruíram um pouco do bar no meio da confusão.
Só isso? O capitão perguntou após um momento de hesitação.
Bem... Aí ela resolveu dar um tabefe na cara no nobre e o chamou de frangote. Mas ela não matou ninguém, o que é bom, não é?
É... Sebastian bufou. Mas ela não foi parar na cadeia?
Sim, mas ela saiu rápido.
Como?
Pagaram a fiança dela.
E quem tinha dinheiro pra isso...?
Veronica Icebrand, irmã do nobre magricela, que também estava na cidade. Aparentemente, ela realmente gostou de alguém dar uma lição no irmão mimado dela e, também, de alguém bater em três soldados sem noção ao mesmo tempo.
Inacreditável...
E ela ainda pagou pelo prejuízo no bar. Só que não acho que a Ivy seja mais bem vinda no lugar... E o mesmo vale pro resto da família dela, sabe?
Sei... O Capitão respirou ainda mais fundo e, após expirar, sorriu. Você é realmente o menor dos meus problemas, não é, Damian?
O rapaz, então, levantou a viseira de seu elmo e sorriu. Sua face tinha uma expressão alegre, praticamente pueril quando comparada com a de alguns anos mais tarde. Seus olhos dourados pareciam brilhar para aquele que o considerava como um filho.
Eu já tinha te dito isso umas cem vezes... Damian deu um tapinha no ombro de Sebastian. Agora vamos... O resto da tropa está nos esperando.
***
Damian havia perdido tudo quando pequeno.
A cidade de Brassgrounds havia sido devastada em Quinta de Geminium do ano de 1001. O pai de Damian morreu defendendo sua terra natal do ataque dos Drakes e, sua mãe, morreu, assassinada brutalmente, após esconder o filho no porão da casa.
O reforço dos Icebrands veio tarde demais. Muralhas já haviam vindo abaixo. Casas já haviam sido saqueadas e queimadas. Guerreiros haviam caído em batalha. Camponeses foram mortos sem piedade. Das mulheres, haviam as que foram capturadas como animais selvagens e as que foram mortas friamente. Apenas alguns poucos moradores de Brassgrounds haviam sobrevivido.
Damian havia saído de seu esconderijo, assustado e com fome após horas protegido, longe do massacre que ocorria poucos metros acima de sua cabeça.
No meio das ruínas queimadas de sua casa, o garoto caiu de joelhos, confuso, sem entender o que havia acontecido, olhando para o céu coberto de fumaça negra, respirando o ar preenchido pelo aroma fétido das vítimas da invasão.
Porém, uma mão veio para ajudar Damian a se levantar.
Desde aquele dia, anos atrás, Sebastian estava ao lado do rapaz. Ele o criou como um filho e como um guerreiro. Para vingar seus pais e sua terra natal, Damian atingiria as expectativas de seu capitão e daria seu sangue para levar os Drakes ao seu fim.
***
O caminho era praticamente uma reta. A caverna de paredes avermelhadas não se parecia com um labirinto e, muito menos, pareciam ter armadilhas preparadas pelos cantos. O lugar, com exceção das pegadas dos soldados que haviam passado há pouco, parecia completamente intocado seres humanos desde a último era. O ar úmido cheirava a mofo. Os únicos seres vivos do lugar pareciam ser alguns musgos, cogumelos e pequenos insetos. Os únicos sons pareciam ser os de algumas goteiras vindas de pontos aleatórios pelo teto.
Você está sentindo alguma coisa? Indagou Damian, ainda avançando pela caverna.
Sim... Sebastian respondeu, andando no mesmo ritmo do jovem. Mas não sei dizer exatamente o que é... Porém...
Porém o quê?
Porém... Eu não consigo sentir a presença dos outros.
Como assim? Eles não estão mais aqui?
É como se fosse isso...
Então tem alguma coisa aqui, não é? Alguma coisa te confundindo...?
Talvez...
Continue em frente. Uma voz sussurrou. Eles estão aqui... Ache-os...
Damian parou. Sebastian também. Um olhou pro outro, inquietos.
Ouviu isso também, garoto? O capitão perguntou.
O rapaz assentiu.
Ótimo. Sebastian esboçou um sorriso. Não estou ficando louco... Ou, pelo menos, não estou ficando louco sozinho.
É. Damian riu contidamente, ficando sério rapidamente. Mas, então... O que exatamente foi isso? Essa voz...
Não pare. Outra voz sussurrou. Siga o seu destino.
Não fuja. Disse outra, no mesmo tom. Não tema.
Não há o que temer. Não há o que temer se você for forte.
Siga. Lute. Viva. Conquiste.
Todas as vozes começaram a falar, sobrepondo-se no lugar das outras. A cada segundo, uma nova parecia surgir. O caos apenas piorava.
Damian levou as mãos à cabeça que parecia que estava prestes a explodir. Sua respiração estava acelerada, pesada. Seu corpo tremia, fraco, suando frio, parecendo capaz de ceder a qualquer momento.
O rapaz trombou para o lado, apoiando-se contra uma parede enquanto usava toda a sua disposição para recuperar o ar e o equilíbrio.
Droga... Damian murmurou irritado, ainda respirando pesadamente. Sebastian que droga...
O rapaz olhou para frente. Seu capitão não estava mais lá.
Olhando a sua volta, Damian percebeu algo além da ausência de Sebastian: ele não estava mais no mesmo lugar.
As paredes de rocha vermelha foram substituídas por tijolos cinzentos. A atmosfera úmida se transformou em uma névoa dourada que brilhava com luzes vermelhas, verdes e azuis como pó de pedras preciosas.
As vozes, ao menos, haviam cessado. Por alguns instantes, o silêncio foi absoluto.
Então, do corredor a frente de Damian, vieram passos e, então, um grunhido agudo.
O rapaz sacou a espada quase instintivamente. O tempo pareceu desacelerar enquanto os passos soavam cada vez mais próximos. Com a espada apontada para frente, suas mãos tremiam um pouco. Porém, ele não ia correr o risco de ser uma presa naquele lugar bizarro.
Então, a criatura apareceu.
Seu corpo era humanóide, um pouco mais baixo que Damian. Seu corpo era coberto por chamas vermelhas. Seus chifres pontudos eram tão ameaçadores quanto suas presas afiadas. Em sua mão direita, havia uma espada, e na esquerda, um escudo. Ambos os equipamentos ardiam com as mesmas chamas demoníacas.
Com um grunhido, o monstro apontou sua espada.
Não se esqueça... Uma voz disse para Damian, clara como se ela viesse de dentro de sua própria cabeça. Não há nada a temer. A voz parecia mais alta e grave a cada palavra proferida pausadamente. Lute para viver, guerreiro. Lute e conquiste a Demonsbane.


Capítulo 5


A criatura avançou, desferindo um ataque rápido.
Com um passo largo para trás, Damian conseguiu se esquivar do primeiro golpe. Porém, mais vieram em seguida.
Na esquerda para direita, de cima para baixo, traçando diagonais. A espada do monstro parecia dançar pelo ar através da névoa dourada.
Com medo estampado no rosto suado, Damian não conseguia fazer nada a não ser desviar dos golpes. Não demorou muito para que suas costas atingissem a parede atrás dele.
O caminho havia mudado. Agora, não havia mais saída. Era como uma armadilha. Sua única alternativa era lutar, coisa que ele, em pânico, parecia incapaz de fazer.
Não consegue mais se lembrar do que eu disse? A voz perguntou calmamente dentro da mente do rapaz.
O tempo parecia correr vagarosamente. O monstro em sua frente mal parecia uma estátua perfeita, tendo até mesmo as suas chamas paralisadas.
Ou você estava simplesmente não prestando atenção? A voz continuou.
Damian não conseguia responder. Seus lábios não se mexiam. Nada nele se mexia. Nem respirando ele estava.
Não tema, eu disse... A voz parecia irritada agora. Não tema absolutamente nada. Se você teme que alguma coisa possa te ferir, fira-a antes que ela tenha a chance de te fazer mal... As palavras se tornaram mais altas e graves, cravando-se na mente do rapaz. Mate-a antes que ela te mate. Mate não apenas para sobreviver... Mate para viver. Seja o mais forte. Faça esse mundo se curvar perante a você. Mostre que é capaz disso... Mostre para mim que você é capaz disso.
Então, o tempo voltou a correr normalmente.
O monstro, que avançava para atacar, foi obrigado a levantar o escudo.
Damian atacou rapidamente. A força de seu golpe desequilibrou o monstro, derrubando-o sobre os próprios joelhos.
A criatura rugiu. O guerreiro trincou os dentes. O medo que havia em sua face havia sumido. No seu lugar veio uma determinação descomunal, uma vontade quase selvagem de matar seu inimigo.
Mais três golpes de Damian. Seu oponente nada pôde fazer a não ser defender os ataques rápidos como raios.
Para a próxima espada, o guerreiro usou mais força. Com as mãos apertando o cabo da arma o mais forte que podia, Damian atacou soltava um urro.
A força do golpe arremessou a criatura para trás. Com as costas no chão, o ser vil gritou de dor enquanto o guerreiro cravava a espada de aço em seu peito.
Impotente, a criatura soltou sua espada e tentou levar suas garras até a arma de Damian. Em vão.
Antes que o monstro pudesse agarrar a espada, o guerreiro a arrancou de seu peito. Com um último grito, a criatura morreu.
Sangue não verteu do corpo recém morto. Suas chamas, porém, soltaram-se da carcaça, flutuando lentamente para o alto, dispersando-se névoa dourada que parecia, agora, um pouco mais escura.
Muito bom. A voz disse. Mas não pense em parar agora. Afinal, existem mais desses por aí...
Damian sorriu, não exatamente como se estivesse feliz, apenas contente com o desafio. Seus olhos, antes repletos por medo, agora pareciam brilhar com sua vontade de lutar. Suas mãos, antes trêmulas, agora seguravam sua espada com uma determinação inabalável.
Correndo pelos corredores cinzentos, Damian não mais pensava. Ele ia à procura dos monstros. Pouco após o primeiro confronto, o rapaz já havia decidido que ele não seria a presa naquele labirinto. Nos que viriam, ele faria qualquer um ter certeza de quem era o predador naquele inferno.
Um. Dois. Até três de uma vez. Não importava quantos eram. Como lobos famintos, as criaturas iam até o rapaz. Brandindo sua espada, ele os saudava.
Machados, espadas, martelos de guerra. Não importava as armas que manejassem. Não importava se fosse maiores que o guerreiro. Não importava nem mesmo que conseguissem o surpreender. Damian não soltava sua espada mesmo as garras de um dos monstros envolta de seu pescoço. O jovem reagia sem sentir medo, derrotando força com velocidade e velocidade com força.
Imbatível, o guerreiro andava triunfante pelo labirinto cinzento, brandindo inquietamente sua espada, esperando um novo adversário. Após algum tempo, os monstros não mais vinham. Damian não sabia dizer se haviam fugido ou se, talvez, estavam todos mortos.
Entretanto, o rapaz não questionava isso. Nem mesmo questionava a voz que não falava com ele há algum tempo. Ele apenas vagava pelos corredores preenchidos pela névoa escarlate à espera de uma nova presa.
De repente, então, veio um novo som. Era o de algo, como um baú, sendo destrancado.
Damian se voltou para trás, na direção do ruído, deparando-se com uma nova parede. Nessa, entretanto, havia um portão. Seus ornamentos, bem como as inscrições nela, eram feitas de ouro.
Mas nada daquilo importava para o rapaz. Ele havia ouvido o som de antes. Se o portão estivesse destrancado, Damian apenas precisava abri-lo.
O guerreiro colocou a espada nas costas e, então, empurrou as duas pesadas portas.
Enquanto elas se abriam lentamente, causando estrondos enquanto se movia, a névoa se infiltrava na sala escura, iluminando o ambiente com sua luz vermelha.
Damian adentrou, então, em um salão tão vasto quanto uma sala do trono. Cada superfície do lugar era constituída pelos tijolos e ladrilhos cinzentos de antes. O teto era pelo menos duas vezes mais alto do que no resto do labirinto. Haviam tochas nas paredes, porém, estavam apagadas.
O lugar estaria vazio. Isso é, se não fosse uma presença no centro da sala.
Por entre a névoa, uma estátua parecia se mover. Ilusória, ela ia de um canto ao outro da sala, desaparecendo quando encoberta pela névoa densa, surgindo em um ponto mais visível da sala.
Ali está o último. A voz disse, quebrando o silêncio.
Damian sacou sua espada, segurando seu cabo com firmeza.
Não era difícil de se acreditar que o objeto fosse algum tipo de disfarce da criatura. Porém, enfrentar algo que se movia daquele jeito poderia ser um problema. O monstro poderia atacar vindo de qualquer lado.
Não tema... Damian murmurou. Não tema absolutamente nada...
O guerreiro repetiu as palavras que a voz havia proferido. Como um mantra, ele repetiu a frase em sua cabeça, andando alerta na direção da estátua, pronto para atacar a qualquer instante.
A cada passo dado, Damian podia perceber que a estátua se movia cada vez menos, limitando a distância para onde se movia a cada instante.
Não demorou muito para que o rapaz percebesse o truque e, rapidamente, andar calmamente até a estátua.
A névoa parecia refletir a imagem no centro da sala. Ora maior, ora menor, ora mais perto, ora mais longe. A ilusão se movia incessantemente enquanto o objeto permanecia no lugar.
Era só isso? Damian conteve o riso.
A estátua, que trajava uma armadura negra que a fazia parecer um Demônio feito de metal, continuava imóvel. A aparência intimidadora com garras, presas e espinhos espalhados pela carapaça de aço não surtia efeito sobre Damian. Se aquilo era um teste de coragem, o rapaz o venceria sem problemas.
Acabe com ele! A voz ordenou.
Se assim deseja... O jovem murmurou.
Com a espada em mãos, Damian atacou. O som de metal se chocando contra metal ecoou pelo salão.
O golpe desferido pelo guerreiro deveria ter quebrado a estátua, fazendo com que seus pedaços desmoronassem juntos com as peças da armadura. Porém, não foi isso o que ocorreu.
Damian foi surpreendido. A estátua havia bloqueado o seu ataque. Em suas mãos revestidas de aço negro, uma espada brutal havia surgido, defendendo-o do golpe do guerreiro.
Uma rajada de vento gélido varreu a sala. As tochas se acenderam em seguida, dissipando a névoa escarlate e iluminando o lugar com chamas verdes. O ar, entretanto, continuou tão pesado quanto estava, denso como uma neblina.
O monstro grunhiu. De dentro de seu elmo, chamas cor esmeralda brilhavam pela sua boca e olhos antes vazios.
Cada um deu um passo para trás, ambos brandindo suas espadas. A criatura rosnou, o que fez com que o fogo verde saísse de sua boca como se fosse sua saliva. Damian, diante do desafio, sorriu. Seus olhos brilhavam com o desejo de lutar.
Palavras não eram trocadas naquela luta. Fora alguns urros e gritos antes de atacar, os dois nem abriam a boca.
O som de metal contra metal ecoava a cada instante no salão. Para cada ataque desferido por Damian, o monstro sabia o movimento certo para se esquivar ou se defender. Entretanto, o inverso também ocorria. Nenhum dos dois deixava a guarda aberta por tempo o suficiente para um finalizar o outro.
Algo foi se mostrando muito claro durante a luta que parecia se estender por minutos: eles eram equivalentes. Damian era tão forte quanto o monstro. O mesmo podia ser dito sobre sua agilidade e raciocínio durante o combate. Até mesmo suas técnicas eram as mesmas.
O duelo seria vencido pela resistência, pela força de vontade do vencedor. E assim foi.
Golpe após golpe, esquiva após esquiva, bloqueio após bloqueio. Damian estava claramente cansado. Sua respiração estava ofegante. Seu rosto, suado. Seu corpo se movimentava cada vez mais devagar sob o peso da armadura. Seus braços doíam. Carregar a espada já estava se mostrando ser um grande esforço. Atacar, então, fazia com que seus músculos ardessem.
O monstro, porém, entretanto, não estava diferente.
Damian não conseguia dizer se oponente estava cansado por expressões faciais, é claro. Porém, seus movimentos também estavam mais lentos, fracos e desleixados. Até mesmo suas chamas verdes pareciam menos intensas do que antes.
O combate não tinha mais a mesma intensidade para quem assistia. Porém, para quem estava se desgastando com a luta, o sentimento era outro: o tempo investido naquele duelo era algo que faria a vitória ter um gosto ainda melhor.
Então, finalmente, o inevitável aconteceu: com um golpe mais forte do que o monstro poderia prever, Damian atacou. Uma espada foi contra a outra. A da criatura foi lançada para longe de suas garras.
Um surto de energia atingiu o guerreiro. Com um sorriso e um brilho nos olhos, Damian desferiu seu último ataque.
A espada atravessou a carapaça do monstro, transpassando o centro de seu torso, como se não fosse nada. Com seu último suspiro, a criatura tentou dizer alguma coisa que acabou não saindo de sua garganta.
Então, o cenário mudou.
As chamas das tochas se tornaram vermelhas, comuns. O ar parecia mais leve, de volta ao normal. E o monstro em frente a Damian também havia mudado, de volta a sua forma original.
Não... Murmurou o guerreiro, incrédulo.
Ele soltou a espada. O corpo caiu imóvel no chão.
O elmo estava sobre sua cabeça e o visor estava abaixado, porém, Damian reconheceria aquela armadura e espada bem polidas, brilhantes como prata, em qualquer lugar.
Sebastian... Ele mal conseguia dizer seu nome. Como...?
Muito bem... Disse uma voz grave que Damian já estava tão bem acostumado. Dessa vez, porém, ela não vinha de dentro de sua cabeça.
O guerreiro se voltou para a direita, na direção da voz. Lá, uma nova criatura havia surgido.
O monstro tinha, pelo menos, o dobro da altura de Damian. Seu corpo era um esqueleto humanoide monocolor, negro como carvão. Entretanto, haviam várias diferenças em relação  ao de um humano. Chifres como o de um bode saiam do topo de seu crânio espesso. Placas, que mais pareciam ser de aço, cobriam o peitoral, braços e pernas como uma armadura. Asas gigantescas, constituídas apenas de ossos pretos, cobriam as costas da criatura como uma capa.
Envolto por chamas verdes, o Demônio sorriu.
Eu sabia que você conseguiria... Ele gargalhou.


Capítulo 6


O quê...? Damian estava completamente confuso. O guerreiro nem sabia para onde voltar o seu olhar: para o corpo sem vida de Sebastian ou para o Demônio que sorria para ele.
Era um teste. A criatura vil começou a explicar. E você passou.
Damian não disse mais nada. Ele retirou o próprio elmo e, então, olhou para o homem que ele considerava um pai, não podendo acreditar que sua espada estava cravada no peito de Sebastian.
Eu fiz isso...? O jovem indagou. Lágrimas começavam a brotar dos cantos dos olhos. Foi minha culpa...?
Bem, é a sua espada no peito dele, não é...? O Demônio se aproximava com passos lentos do rapaz. Interessante... Eu não tinha previsto isso...
Damian dirigiu o olhar para seu interlocutor. Com lágrimas escorrendo por sua face, ele não disse nada.
A morte dele te deixou mais abalado que a minha presença... O Demônio continuou. Mais abalado do que qualquer outra coisa que você já presenciou... Mesmo os horrores que você enfrentou sob meu feitiço não puderam quebrar o seu espírito... Mas isso...
Espere... Damian o interrompeu. Feitiço? Você quer dizer que tudo o que aconteceu aqui... Foi culpa sua?
Achei que era óbvio... Ele sorriu.
Você me fez matar Sebastian!?
E o resto dos seus amigos também.
Ah... Como assim...!?
Os monstros que você matou antes... Eram só ilusões sobre os outros guerreiros. A mesma coisa aconteceu com Sebastian. O Demônio riu. Mas não se sinta mal. Na visão deles, você era o monstro que eles tinham que matar. Mas... Depois de ver como você lutou... Até eu mesmo diria que você é um monstro...
Desgraçado! O rapaz esbravejou.
Damian olhou para Sebastian. Ele não arrancaria a espada de seu peito, simplesmente não parecia certo. Porém, a espada de seu mestre não estava muito longe dali. Bastava correr um pouco. E assim foi feito.
O jovem deu as costas para o Demônio. Com um sorriso no rosto, a vil criatura olhou Damian correndo para a espada de Sebastian.
Tolo... O Demônio murmurou.
Damian saltou, aterrissando com uma cambalhota ao lado da espada, pegando-a e levantando rapidamente, apontando a arma na direção de seu inimigo.
Porém, como a expressão de surpresa no rosto do guerreiro dizia, o Demônio não estava mais lá.
Você gostou de matar eles, não é? A voz maligna soou na cabeça do jovem.
Apareça! Damian bradou. Suas mãos estavam firmas no cabo da arma. Inquieto, ele se voltava a cada segundo para uma direção diferente, brandindo sua espada, esperando seu oponente ressurgir. Lute!
Não adianta negar... Ele riu. Sei que você gostou. E não venha me dizer que você só fez aquilo porque estava matando monstros... Eu senti sua intenção assassina, humano... Chegou até a me surpreender, admito...
Pare de falar... Pare de fugir... Venha! Venha me enfrentar!
Com um brilho nos olhos... Com um sorriso no rosto... Você matou cada um deles... Imagina o que passou pela cabeça deles? Sendo mortos brutalmente por um monstro...
Cale a boca...
No último instante de vida, eles viram a ilusão se desfazer, sabia? Todos eles viram o seu rosto, sorrindo enquanto eles morriam... E Sebastian não foi uma exceção...
As últimas palavras não vieram da mente de Damian, mas sim de trás dele.
O rapaz trincou os dentes e, rapidamente, voltou-se para trás. Com um golpe horizontal, Damian deferiria um golpe que deveria abrir uma fenda no abdômen da gigantesca criatura.
Porém, não foi o que ocorreu.
Sem dificuldade, o Demônio antecipou o ataque e segurou a espada pela lâmina.
Essa sua raiva é linda, você sabia? Ele sorriu para Damian.
Com um movimento brusco de suas garras, o Demônio apertou a lâmina da espada, quebrando-a sem dificuldade e a reduzindo em centenas de cacos de aço.
Damian nada pôde fazer. Ele apenas observava boquiaberto os resquícios da espada caindo lentamente no chão. O som de cada fragmento se chocando contra o solo parecia ecoar dentro de sua cabeça. Por fim, o cabo da arma caiu de suas mãos, emitindo um baque surdo que ecoou pelo local.
Ela mostra o seu lado verdadeiro... O Demônio continuou. Ela mostra a sua verdadeira força... Ela te permitiu sobreviver... E ela só surgiu graças a sua vontade de viver... De repente, sua garra foi de encontro ao pescoço de Damian. No instante seguinte, o guerreiro sendo erguido no ar, sendo estrangulado, debatendo-se inutilmente. Vontade de viver... Ou medo de morrer? Eis a pergunta...
Arfando, Damian tentava inutilmente se soltar das garras do Demônio com suas mãos. Ele esperneava enquanto sua visão se tornava mais e mais embaçada. Após alguns instantes, o guerreiro parecia nem mais haver forças para tentar respirar. Era como ver um peixe se debater em terra, tentando voltar para a água, sem saber por qual caminho seguir.
Então, o sofrimento de Damian chegou ao fim. Pelo menos, era o que ele achava.
O Demônio arremessou o guerreiro para trás. A armadura pareceu inútil naquele instante, pois o rosto de Damian se contorceu de dor antes de voltar a arfar, tentando recuperar o ar perdido.
Trate de ficar mais forte. O Demônio advertiu. Tenho planos para você. Você vai fazer parte de algo grande, humano... Se não morrer no caminho, é claro...
Miserável... O rapaz disse com esforço tremendo. Eu vou... Vou te matar...
Talvez. Você irá me encontrar novamente, tenho certeza disso.
Você vai... Fugir...?
Não é o momento da nossa luta, humano. Além disso, é como eu já falei... Você tem que ficar mais forte. Ele disse as últimas palavras pausadamente, fazendo com que cada uma ecoasse pelo salão.  Entendeu?
O Demônio, então, voltou-se na direção de Sebastian.
Deixe-me ajudá-lo... Murmurou a criatura vil.
Com um movimento de sua garra, o Demônio escreveu no ar um símbolo que Damian nunca havia visto. Então, o corpo de Sebastian brilhou com uma cor vermelha escarlate.
O que você...? O guerreiro grunhiu de dor enquanto se levantava. O que você está fazendo...?
No instante seguinte, Sebastian queimou, transformando-se em chamas.
Não! Damian gritou com todas as forças. Não!
Rapidamente, o jovem correu até o corpo de seu mestre. Impotente, nada pôde ele fazer além de cair de joelhos e observar as chamas.
Sebastian... Damian murmurou, quase sem voz.
O rapaz demorou a perceber o vulto entre as chamas.
Sua própria espada flutuava envolta por um círculo de chamas intensas. A cada instante que se passava, a arma era erguida, afastando-se mais e mais do chão, alongando-se, alargando-se e mudando lentamente de cor, tornando-se negra como o céu da noite.
O que é isso...? Foi tudo o que Damian conseguiu dizer, com um misto de pavor e curiosidade em sua voz.
Isso é o que vocês vieram buscar... Respondeu o Demônio.
As chamas, então, foram em direção à espada, moldando a forma final da arma e se fundindo com ela.
Com um brilho escarlate, ela surgiu.
A espada era negra como ébano. Suas marcas escarlates pulsavam como as batidas de um coração. Sua lâmina afiada brilhava como diamantes. 
Essa é a Demonsbane. Anunciou a criatura vil.
Lentamente, Damian se levantou, observando a lendária espada flutuando, etérea, bem em frente aos seus olhos.
Ela precisava de um sacrifício digno para vir à vida... O Demônio explicou. Ela sempre precisou...
O que você quer dizer? Indagou Damian.
Todos os que já usaram essa espada passaram por uma situação semelhante à sua nesse momento. Afinal, tal poder tem que ter um preço.
Poder... O guerreiro murmurou.
Lentamente, Damian levou sua mão até a Demonsbane. Nervoso, ele viu o cabo da espada se curvar até o alcance de seus dedos trêmulos. De repente, uma onda de coragem atingiu o rapaz que, então, agarrou a arma.
Com uma mão, Damian brandiu a Demonsbane, surpreso pela leveza da espada.
Poder... Ele repetiu. Poder o suficiente para te matar?
Talvez. O Demônio respondeu, andando entorno do rapaz. Porém, para isso, você deve alimentá-la bem.
Alimentá-la?
Sim. Caso contrário, ela morrerá, tornando-se um pedaço inútil e pesado de metal. Então... A criatura sorriu, centímetros atrás de Damian. Alimente-a bem. Banhe-a em sangue, não importa de quem, não importa do que... Apenas a alimente. Fortaleça-a. Torne-a sua. Transforme-a no instrumento de destruição perfeito... Honre a memória de seu sacrifício... E venha me enfrentar quando estiver pronto, humano...
As últimas palavras do Demônio soaram distantes, como se sumissem com o vento.
Quando Damian se voltou para trás, a criatura havia sumido. Uma porta estava aberta. A saída do guerreiro estava o esperando.
Com a Demonsbane em mãos, Damian lamentou em silêncio a morte de Sebastian mais uma vez. Com as lágrimas secas, ele deixou o templo, jurando vingança contra o Demônio.
***
Damian abandonou o lugar, deixando o corpo de seus companheiros caídos para trás. Ele, juntamente como Sebastian Eisenfaust, foram considerados desertores, uma vez que o corpo de nenhum dos dois foi encontrado no local e seus superiores de nada foram informados. Assim, a culpa das mortes dos guerreiros das tropas recaiu sobre a dupla.
Damian foi encontrado e confrontado várias vezes, porém, nunca puderam o capturar. Uma recompensa foi prometida pela sua cabeça, fazendo com que o jovem guerreiro se tornasse um dos criminosos mais procurados de Snowrealm em pouco tempo.
Sebastian, pelo desaparecimento de anos, foi considerado morto por muitos, pelas mãos do próprio aliado, muitos palpitavam.
Damian nunca mais viu o Demônio desde aquele dia. Sua caçada continua enquanto ele mesmo é caçado.


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