terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Conto de Terror 11

Câmera 4


Era pra ser só um trabalho fácil.
Era uma segunda feira, fim de tarde. O céu cinzento ameaçava chover. O tempo estava quente, típico do verão.  
Fui até o meu local de trabalho. Dirigi-me até o prédio, mais especificamente, até a guarita. Eu seria o mais novo porteiro do edifício, pegando o turno da noite. Não era um trabalho que pagava bem, mas eu não estava em condições de escolher. Eu só precisava de um dinheiro rápido pro fim de ano.
Aquilo tinha tudo pra ser tranquilo. O prédio cinzento era tão velho quanto seus moradores. O movimento de noite era praticamente inexistente. Aqueles que entravam e saiam do prédio eram, presumi, seus filhos e, até mesmo, netos.
Dentro de minha guarita, eu tinha espaço mais do que o suficiente. Na verdade, era até um pouco inquietante. Não havia praticamente nada dentro dela. A cadeira em que eu estava sentado. Uma mesa com gavetas cheias de ferramentas e copias de chaves. Um canto onde as encomendas ficavam amontoadas. Um monitor com as imagens das câmeras de segurança, vinte no total, estava em cima da mesa.
Entretanto, uma das câmeras estava defeituosa: a de número quatro. No monitor, ela era apenas um quadrado preto metade do tempo. Na outra metade, a imagem que aparecia era distorcida, chuviscada. Não era fácil, mas as garagens do fundo do prédio podiam ser vistas.
A falta de movimento no prédio fez com que o trabalho passasse rapidamente de tranquilo para tedioso. O tempo que esfriava rapidamente e a chuva que começava a cair fizeram o cenário se tornar ainda mais incômodo. Com o meu velho celular em mãos, eu tive até certo entretenimento. Eu tinha um jogo ou outro instalado nele. Além disso, eu podia usar a internet, apesar de lenta. É claro que aquilo, porém, não durou muito.
Eu enjoei rapidamente daquilo. Tanto dos jogos tanto dos vídeos. Eu teria que aprender a me acostumar com o tédio. Teria que sobreviver àquilo todos os dias das seis da tarde até a meia noite. É claro que a chuva, cada vez mais estrondosa, e o ar, cada vez mais gélido, estavam deixando a situação ainda mais desconfortável, mas eu sabia que tinha que parar de reclamar.
Olhar para o monitor das câmeras de segurança fazia o tempo passar mais devagar. Isso é, para mim, era o que parecia. A monotonia de todas as imagens, que pareciam congeladas no tempo, estava cansando meus olhos. Minhas pálpebras pesavam. Eu bocejei. Trinquei os dentes quando me lembrei que o café havia acabado.
Pelo menos, já eram onze da noite. Em uma hora eu iria embora. Mesmo que debaixo da chuva e no frio, poder sair daquela guarita, voltar pra casa e dormir era uma recompensa boa o suficiente.
De repente, ouvi um som distante. Parecia algo colidindo pesado contra o chão molhado. Por um momento, pensei que algum dos moradores havia escorregado e caído, mas não aparentava ser. Não vi nenhum movimento na última hora na área do prédio.
Resolvi checar as câmeras. Talvez eu pudesse ver o que havia acontecido por elas.
Chequei cada um dos quadrados que apareciam no monitor. Em vão. Não havia nada de anormal. Isso é, não nas câmeras que funcionavam.
A câmera de número quatro não estava funcionando. Em breve ela deveria estar normal.
Entretanto, o problema era que o som parecia ter vindo da área daquela câmera. Fiquei um pouco apreensivo. Eu poderia andar até o local, é claro, mas, para isso, teria que sair da guarita e caminhar debaixo da chuva. Como podia não ser nada, resolvi não sair.
Alguns segundos se passaram, não mais de trinta. A câmera quatro voltou a funcionar. Porém, dessa vez, sem nenhum problema. Sua imagem era nítida como nunca.
Estranhei. Porém, talvez aquilo fosse durar apenas alguns instantes. Em um minuto ou dois a imagem estaria tão ruim quanto antes. Foi o que eu pensei.
A chuva se tornou ainda mais forte. O vento veloz assoviava. O som de trovões podia ser ouvido. Relâmpagos iluminavam fracamente o céu escuro.
Passaram-se alguns segundos e, então, a câmera quatro parou de funcionar. Sem nada melhor para fazer, esperei em frente ao monitor, bocejando, o retorno da imagem.
A chuva se tornou ainda mais ruidosa, bem como os ventos e os trovões. Uma verdadeira tempestade estava se formando acima de mim.
Um minuto se passou. Não mais que isso. Nítida como antes estava a imagem da câmera de número quatro. Porém, havia uma diferença: a imagem não era a mesma de antes.
Eu esfreguei os olhos. Por um momento, achei que eu não estava enxergando direito. A câmera parecia ter sido puxada um pouco para a direita. O foco dela não era mais a garagem de número nove e, sim, a de número dez.
Talvez o vento tivesse feito aquilo, certo? Resolvi aceitar aquilo como explicação. Andar debaixo daquela tempestade não me parecia um passeio agradável.
Mais uma vez a imagem se tornou um quadrado negro. Porém, isso durou apenas cinco segundos.
Mais uma vez a câmera voltou a funcionar. Mais uma vez a imagem era diferente. Dessa vez, porém, era mais curioso.
A imagem da câmera quatro que aparecia no monitor era do fim daquele corredor, apontando não em direção das garagens, mas sim de um outro corredor. Essa era praticamente a mesma imagem da câmera cinco que, claramente, estava ao lado dela no monitor.
Cocei o queixo, intrigado. Não fazia ideia de como aquilo estava acontecendo. Parecia que o monitor estava me mostrando a imagem de uma outra câmera. Porém, não fazia sentido ela estar praticamente colada com a câmera de número cinco.
Um raio caiu próximo ao prédio. O trovão veio logo em seguida. Aquilo não chegou a me assustar, porém, foi o suficiente para me distrair por alguns instantes.
Quando percebi, a imagem da câmera quatro já havia mudado. O quadrado correspondente no monitor mostrava, agora, um dos corredores do prédio. Era próximo da câmera de número dois.
Eu engoli em seco. Mais uma imagem nova. E, até onde eu sabia, não deveria haver uma câmera lá.
A imagem escureceu. A câmera quatro parou de funcionar mais uma vez.
Comecei a ficar apreensivo. Quando vi um vulto passando rapidamente pela imagem da câmera um, meu coração acelerou. Eu não sabia o que era aquilo. E era exatamente isso que me preocupava: não saber.
Um raio caiu novamente. Dessa vez, o som veio junto com ele. O gerador havia explodido com o raio. Todo o prédio ficou sem luz instantaneamente. Isso incluía a guarita e o meu monitor.
Levantei da cadeira com um salto. Meu coração parecia bater através de minha camisa. Respirei fundo tentando manter a calma. Então, eu o ouvi.
Era o som de passos. Pesados o suficiente para serem ouvidos em meio àquela tempestade. Eles vinham do corredor que eu observava pelo monitor. Naquele ritmo, seja lá o que fosse aquilo chegaria até a guarita.
Eu estava atento a cada som. Passo a passo aquilo avançou. As batidas pesadas faziam a água debaixo de seus pés fossem praticamente lançadas para longe. Sua respiração começou a se tornar nítida, tão ruidosa quanto os trovões daquele dia.
Minhas pernas começaram a tremer. Minhas mãos começaram a suar. Meus dentes começaram a tilintar, chocando minha mandíbula contra meu maxilar repetidamente. O frio não ajudava naquela situação.
A criatura se aproximava sem hesitar. Eu não sabia se ficar dentro da guarita me protegeria ou, então, acabaria por me engaiolar.
Eu tentei não pensar. Apenas respirei o mais fundo que pude.
Quase como um impulso, eu corri para fora da guarita. A chuva me acertou de imediato. Parado, eu fui alvejado por ela enquanto olhava para o corredor em minha frente. Apenas a luz da lua iluminava o meu campo de visão.
Aos poucos, a tempestade foi parando. A vista a minha frente ficou gradativamente mais nítida. Em questão de segundos, a chuva torrencial se reduziu a uma garoa. A minha frente nada havia, nem mesmo um vulto.
Respirei aliviado. Eu estava ensopado, mas consegui sorrir. Afinal, eu ainda estava vivo.
Será que antes eu estava delirando? Seria apenas um defeito das câmeras ou do próprio monitor? Sinceramente, eu não queria pensar naquilo no momento.
Eu entrei de volta na guarita e me joguei na cadeira. Meu corpo relaxou no mesmo instante.
Então, eu olhei para frente.
O monitor mostrava todas as câmeras inativas. Com exceção da câmera de número quatro. Ela mostrava, nitidamente, uma sala pequena, com uma pessoa sentada em uma cadeira me frente a uma mesa.
Eu engoli em seco e voltei lentamente para trás.
No teto da sala, a criatura olhava para mim. Seu corpo parecia um esqueleto humano, do tamanho do de uma criança, feito de metal escuro e esverdeado. Seus braços e pernas, porém, eram longos demais para seu tamanho, longos até mesmo para muitos adultos. Seu rosto era sem expressão, como o de um manequim, com exceção do topo esquerdo de sua cabeça. Nele, um pedaço irregular de aço parecia pulsar. No centro dele, a lente da câmera quatro olhava diretamente para mim.
O mais rápido que pude, corri de volta para fora da guarita. Eu ouvi o grunhido agudo da criatura, como metal se chocando contra metal misturado a um microfone com interferência, atrás de mim enquanto eu fugia do prédio.
No dia seguinte, acredite ou não, eu fui preso. Aparentemente, a criatura havia se infiltrado em vários apartamentos antes de vir atrás de mim. O monstro assassinou suas vítimas sanguinariamente, desmembrando-os com força bruta e retalhando suas carcaças. Ninguém, fora eu, havia sobrevivido. E já como eu havia abandonado às pressas o local sem, como os oficiais disseram, uma explicação plausível, foram atrás de mim.
Se eu tivesse dinheiro, talvez eu conseguisse um advogado bom. Um que, mesmo não acreditando em mim, conseguisse me livrar da cadeia alegando que eu fosse louco. Os oficiais poderiam acreditar até.

Mas não. Creio que o meu destino será diferente. Agora deitado no chão gelado de minha cela, eu ouço o grunhido metálico que faz os pelos de minha nuca arrepiarem. Porém, nada posso fazer e, assim, nada faço. Eu fecho meus olhos calmamente e espero que, após a minha morte, percebam que sou inocente.

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