—
Olha só... — Um deles
disse.
O homem que havia acabado de
falar era pálido, alto, magro e tinha o cabelo castanho desgrenhado.
—
Não nos ouviram chegando, é? —
Uma mulher atrás dele riu.
Ela era um pouco mais baixa que
ele, além de ser tão magra e pálida quanto. Seus cabelos negros ensebados
escorriam pela testa e cobriam seu olho esquerdo.
Atrás dos dois, haviam os
outros dois integrantes do quarteto.
Um homem gigantesco sorria. A
montanha de músculos e gordura devia ter mais de dois metros de altura. Sua
pele era escura e, sua cabeça, calva.
Nenhum dos três primeiros tinha
ferimentos sérios ou ataduras no corpo, apenas os rostos sujos e as roupas um
tanto quanto danificadas.
O quarto membro, entretanto,
era diferente. O homem de estatura média tinha o corpo enfaixado quase por
completo, assim, assemelhando-se ao próprio Edgar.
—
Ouvimos vocês chegando. —
Marie respondeu secamente. —
Teríamos que ser surdos pra não ouvir os passos desse daí...
O sorriso do gigante ficou mais
largo.
—
O grandão aqui pode não ser muito furtivo... —
Concordou a mulher de cabelos escuros. —
Mas vai matar e comer vocês se o deixarmos.
—
Se ele nos alcançar, você quis dizer. —
Ela retrucou.
—
Você fala demais. — O
homem esguio falou um pouco irritado. —
Ainda mais... — Ele
sacou uma faca do bolso da calça. —
Pra alguém que está desarmada...
—
Chefe... — O gigante
disse com sua voz grave e, então, apontou para Edgar. — Aquele ali ta armado...
O magricela, líder do bando,
olhou friamente para Edgar.
O jovem, apesar de manejar uma
faca, tremia. Suas mãos suavam. Suas pernas estavam bambas. A própria ideia de
ter que usar aquela arma parecia o fazer sentir medo.
—
Ora... — O magrelo
sorriu maliciosamente. —
O que adianta ele ter uma faca se nem vai conseguir usá-la? — Ele olhou diretamente nos
olhos do rapaz e riu. —
Hein? O que você vai fazer? Você parece que vai começar a chorar e chamar pela
sua mãe...
O gigante e a mulher começaram
a rir junto com o chefe. O homem enfaixado, porém, continuava indiferente a
tudo, mantendo-se de braços cruzados e com o corpo encostado numa parede.
—
Edgar... — Marie o
chamou o mais calmamente que pôde. —
Tente manter a calma, ok? Eles...
Antes que ela pudesse terminar
de falar, o líder do grupo avançou contra Edgar.
O homem tinha um sorriso sinistro
no rosto. Ele mataria sem hesitar como já tinha feito tantas vezes. A ponta de
sua faca encontraria a garganta de sua vítima.
Marie gritou por Edgar. Após
isso, parecia que todo o lugar havia se silenciado após o som de uma faca
cortando através de carne. Duas vezes seguidas.
Uma faca caiu no chão. Sangue
começou a pingar em seguida.
Espantados, Marie e o bando do
homem esguio ainda não acreditavam no que haviam visto.
O homem magrelo caiu no chão,
incapaz de proferir suas últimas palavras com sua garganta dilacerada. Sangue
não só por ela, mas também pelo seu pulso direito, aquele que manejava a faca.
Mesmo com a cena acontecendo
bem diante de seus olhos, ninguém parecia conseguir acreditar que o jovem que
tremia a pouco havia desarmado e, em seguida, matado alguém com tamanha
destreza.
—
Edgar? — Marie o
chamou.
Ele, entretanto, não respondeu.
O rapaz parecia ainda mais perplexo do que ela.
—
Chefe...? — O rosto
da mulher foi tomado pela tristeza. Lentamente, ela, a beira das lágrimas,
aproximou-se do corpo caído dele e, então, olhou para Edgar. Seu semblante
rapidamente se contorceu, formando um sorriso macabro. — Filho da puta... Você ta fudido...
A mulher trincou os dentes. Sua
mão esquerda deslizou até a faca no chão. Armada, ela se levantou como se fosse
dar um bote. Seu grito de dor veio logo em seguida.
Edgar atacou antes que a
mulher. Sua faca atravessou o antebraço esquerdo de sua adversária, fazendo-a
derrubar sua faca.
Parecendo horrorizado, Edgar
puxou sua faca. O sangue, então, verteu do braço da mulher. Seus gritos
angustiantes foram trazidos a um fim quando Marie acertou seu cotovelo em sua
face.
—
Ah... — Edgar olhou
para a aliada. —
Eu... Eu não sei...
—
Aparentemente... —
Começou Marie. — Você
sabe manejar uma faca, mesmo que não se lembre...
—
Mas... Eu não queria matar ninguém... Eu...
Um grito de raiva interrompeu a
fala e o pensamento de Edgar.
O gigante olhava irritado para
a dupla.
—
Vocês... — Ele
grunhiu. — Vocês vão
pagar...
Com seus passos pesados, o
colosso avançou contra Edgar e Marie.
—
Tente fazer mais uma vez essa sua magia, ok? —
Ela pediu para Edgar.
Sem responder, ele engoliu em
seco.
No primeiro soco do gigante,
Edgar havia conseguido abrir um corte que ia do pulso ao cotovelo de seu
inimigo.
Com um grito retumbante de dor,
ele caiu de joelhos, tentando inutilmente o sangramento pondo a outra mão sobre
a ferida.
Antes que Edgar pudesse se
sentir mal, um som alto soou e o gigante caiu inconsciente no chão.
Edgar e Marie olharam,
espantados, para o homem enfaixado que havia derrubado o companheiro com um pé
de cabra.
—
Antes de qualquer outra coisa... —
Ele disse. — Meu nome
é Dylan. Prazer em conhecê-los.
—
Marie. — Ela se
apresentou. — E este
é...
—
Edgar. — Completou
Dylan. — Ouvi você
chamando-o pelo nome umas vezes agora pouco. —
Ele olhou para o rapaz dos pés a cabeça. —
E eu achando que eu tinha sido o único a me foder tanto assim nas mãos do
Asmodeus... Como foi...?
—
Ele não se lembra. —
Marie respondeu secamente. —
Perdeu a memória. E você? Não pretende falar nada sobre os seus companheiros? — Ela perguntou
impacientemente.
—
Ah... Entendo... —
Ele limpou a garganta. Seu olhar misterioso e o rosto enfaixado
impossibilitavam ler suas emoções quando ele queria. — Então... O ditado se não pode com eles, junte-se a eles se aplica bem a situação que
eu estava. Para não morrer nas mãos daqueles desgraçados, eu me juntei a eles.
Porém, eu só estava à espera de uma oportunidade como essa pra me livrar deles.
—
Então você os traiu? —
Indagou Edgar.
—
De certa maneira, sim. —
Dylan sorriu. — Sei
que não sou digno de confiança. Mas não me importo com isso também. Se
possível, prefiro continuar minha jornada aqui solo... Por ora, sabe?
—
Você fala como se isso fosse algum tipo de aventura... — murmurou Marie.
—
Mas é. — Ele
respondeu. — Mas não
estou aqui pela emoção e o risco de morte. Estou aqui à procura de alguém.
Tenho esperança de conseguir resgatá-la...
—
Então você veio aqui por vontade própria? —
Perguntou Edgar.
Ele assentiu.
—
Você é louco. —
Afirmou Marie.
—
Bem, eu não esperava ser pego pelo Asmodeus logo no meu primeiro dia. — Dylan esboçou um sorriso.
— Mas... Fazer o quê?
Acontece...
—
Ela deve ser bem importante. —
Disse o rapaz.
—
Ah... — Ele sorriu. — Você nem faz ideia.
—
Que fofo. — Marie
zombou.
—
Ei, ei... — Dylan
cruzou os braços. —
Nem começa. — Ele estralou
os dedos das mãos, pensativo. —
Mas, então... Eu tenho que seguir meu caminho. E vocês, o de vocês, certo?
—
Sim. — Ela respondeu
secamente.
—
Ótimo. — Ele olhou
para Edgar. — Tenho
algo de familiar em você... Uma certa aura... —
Bufou. — Enfim... Você...
Não tenha medo de matar,ok? Não nesse lugar, pelo menos. A escória da
humanidade está aqui. Nunca se esqueça disso. —
Dylan apontou para trás da dupla, para o garoto inconsciente. — Aquele ali deve ter feito
algo para merecer cair pra cá, tenha certeza. E o meu bando estava atrás dele.
Falaram que ele deveria ser delicioso. Estavam caçando ele já fazia um tempo
até... — Sorriu. — Mas, enfim... Se tudo der
certo, nós nunca mais nos veremos. Não aqui, pelo menos... Adeus!
Com um aceno de mão, Dylan se
despediu, dando as costas para os dois e seguindo pelo corredor do qual ele
havia surgido antes.
—
Marie... — Edgar a
chamou baixo.
—
Sim?
—
Você... Você não acha que eu sou um monstro, acha? — Ele riu sem jeito. — Eu... Eu matei aquelas pessoas... E foi tão
fácil... Tão natural... Eu... Eu devia ser um assassino antes de vir pra cá,
não é? Faz sentido, pelo menos. Eu sou um lixo de pessoa...
—Edgar...
— Ela apoiou uma mão
no ombro dele e o olhou no fundo dos olhos. —
Não importa o que você fazia antes... Você pode mudar de agora em diante, ok?
Além do mais... Se você não soubesse lutar tão bem... Nós estaríamos mortos
agora. Então... Não se envergonhe, certo?
O rapaz assentiu, claramente
desconfortável.
Marie percebeu que o rapaz
ainda não estava bem, mas sorriu mesmo assim. O que ela não sabia era o que
Edgar estava pensando.
Dylan. O jovem havia realmente
conhecido o homem enfaixado. As memórias voltavam lentamente a sua cabeça. O
rosto intacto dele parecia nítido na mente de Edgar, mas não muito mais que
isso. Tudo ainda eram flashes confusos e sem nexo na maior parte do tempo.
Será que Dylan se lembrava de
Edgar, porém, preferiu não dizer nada? Qual era a ligação entre os dois?
Haveria uma rixa entre os dois?
Enquanto a cabeça de Edgar
enfrentava uma tempestade de perguntas sem respostas, ele seguia Marie pelos
corredores escuros daquele inferno com a companhia da sinfonia de murmúrios,
gemidos e urros que os cercavam.
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