quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Um Outro Mundo, Capítulos 10, 11 e 12

10.


Não... Disse Joshua com dificuldade, sem acreditar no que havia acontecido. Não, não, não...
Desesperado, o rapaz correu contra a parede que estava atrás dele. Tateando rapidamente, ele parecia procurar pela porta, como se ela estivesse escondida sob os tijolos.
Não! O jovem gritou, começando a se desesperar. Não!
Você é mais barulhento do que eu me lembrava... Disse uma voz.
Joshua pareceu congelar naquele momento. Os pelos de sua nuca arrepiaram ao ouvir aquelas palavras, afinal, ele reconheceu a voz.
Lentamente, com suor escorrendo pelo rosto, o jovem se voltou na direção da mulher.
Lá estava ela. Parada, com o gato nos braços como antes. Em seu rosto pálido e cheio de cicatrizes, o sinistro sorriso era o suficiente para manter Joshua o mais longe possível. Os buracos negros, sem vida, no lugar dos olhos pareciam gelar mais que o corpo físico do rapaz.
Antes que você recupere o controle do seu corpo e saia correndo... A mulher começou a dizer, enunciando lentamente cada sílaba enquanto acariciava gentilmente a barriga do gato em seus braços. Eu gostaria de falar com você... Ainda mais por que não tenho a intenção de matá-lo...
Joshua parecia incapaz de dizer alguma coisa. Entretanto, também era provável que ele não quisesse falar nada, por mais curioso que estivesse em saber mais sobre aquela mulher ou sobre Gehenna.
Ele tinha uma única certeza. Quando seu corpo, que parecia estar em um estado de torpor, voltasse ao normal, o jovem correria mais uma vez por aquelas ruas escuras e sem fim.
Já como você não parece ter objeções... Ela continuou a falar. Vou falar o que tenho para falar.
Joshua permaneceu em silêncio. A mulher pareceu incomodada, até um pouco triste, por um instante. Entretanto, um sorriso ainda mais largo se formou em seu rosto logo em seguida.
Ah! Onde estão minhas maneiras? Ela limpou a garganta. Meu nome é Margareth. Agora, pelo menos. Não me lembro do meu nome quando humana...
O jovem continuou quieto, esperando que seu corpo voltasse ao normal o mais rápido possível.
E... Esse daqui... Ela afagou o topo da cabeça do gato que estava quase adormecido em seus braços. É o meu querido Edgar. Meu bichinho de estimação. Acredita que o abandonaram? Margareth sabia que Joshua não responderia, então, nem o esperou dizer alguma coisa. Então, eu achei esse bichano maltratado e resolvi cuidar dele. Acho que eu tinha um gato quando humana... Mas isso não importa mais. Sou feliz agora. Com Edgar e meus outros amigos... Ela riu baixo. Eles são incríveis. Pena que eu não os veja com tanta freqüência quanto gostaria. Porém... Tem um que raramente fica longe de mim por muito tempo. E você o conhece bem...
Passos soaram vindos de longe. O chão parecia tremer, assim como as pernas de Joshua.
Behemoth... Margareth pronunciou o nome com delicadeza. Ele está vindo por você...
Ela estralou os dedos de uma mão. No mesmo instante, Joshua sentiu a respiração voltar ao normal, bem como o seu corpo.
Ele vai querer que você tente fugir... Margareth disse calmamente. Como da última vez, sabe? Ela riu. Fazia tempo que ele não se divertia tanto... Então... Não o decepcione...
Enquanto os passos pesados se aproximavam, Joshua começou a correr.
A maldita risada vinha algumas dezenas de metros atrás do jovem. Ele não precisava ver o assassino para saber que ele estava cada vez mais próximo dele, aproximando-se cada vez mais a cada passada gigantesca dada.
Entretanto, Joshua sabia o que tinha que fazer. Entrar em becos, virar em ruas à esquerda ou à direita sempre que possível, aproveitando-se da baixa agilidade de Behemoth para se distanciar dele.
Coelhinho! O psicopata chamou pelo jovem escandalosamente. Quanta saudade de você!
A voz de Behemoth se aproximava. Joshua ainda tinha fôlego, mas não conseguiria correr para sempre. Além disso, naquele ritmo, o maníaco o alcançaria antes que o cansaço o pudesse.
Felizmente, o rapaz conseguiu chegar até um beco que, sucessivamente, o levou a outros. Antes que Joshua pudesse perceber, ele estava em um labirinto estreito, sentindo-se sufocado pelas paredes altas de tijolos escuros.
O rapaz, apesar de estar ficando exausto, conseguiu sorrir. Afinal, em pouco tempo, ele ouvia os passos e a voz de Behemoth se tornando cada vez mais distantes.
Após alguns minutos, não mais do que cinco, o rapaz não mais ouvia o seu perseguidor. Seu corpo relaxou. Sua corrida foi se tornando gradativamente mais lenta. Em instantes, ele estava caminhando pelo labirinto.
Joshua não via motivos para voltar. Seguir por aquele caminho não parecia uma ideia ruim. Afinal, ele teria que achar Adriana. Ou uma saída de Gehenna, para tentar reencontrar Richard e Cristina.
Mais calmo agora, o pensamento de antes voltou.
E se Joshua não estivesse mais vivo?
Aquilo parecia menos provável agora. Afinal, não fazia muito sentido ele estar vagando em Gehenna se tivesse morrido e aquilo fizesse parte de sua imaginação. Não havia um grande motivo para tal.
Mesmo assim, Joshua continuava nervoso. Encontrar Adriana já não parecia uma tarefa fácil. Agora, sem os paranormais do seu lado, o rapaz estava perdendo a fé em achá-la naquele pesadelo.
De repente, um estrondo soou não muito longe de onde Joshua estava. Parecia algo pesado havia vindo a baixo, como uma árvore ou um amontoado de rochedos.
A imagem de Behemoth derrubando uma parede com as próprias mãos veio à mente do rapaz. Em seguida, veio um calafrio que percorreu sua espinha e uma dose de adrenalina.
Instintivamente, Joshua acelerou o passo. Ele não tinha certeza se era o gigante que estava se aproximando, já que ele não havia ouvido seu riso infame, porém, o rapaz sabia que tinha que ser desconfiado para sobreviver em Gehenna.
Entretanto, um novo pensamento veio a Joshua. E Behemoth não estivesse mais atrás dele? E se houvesse algum outro monstro o caçando? Afinal, Margareth havia dito que ela tinha outros amigos naquele lugar. E se, então, o novo perseguidor de Joshua usasse uma estratégia diferente? E se essa criatura fosse furtiva, movendo-se silenciosamente, ou se pudesse se tornar, inclusive, invisível? E se armadilhas fossem armadas em seu caminho? E se seu novo predador utilizasse poderes ainda mais sobrenaturais?
Aqueles pensamentos fizeram Joshua ficar ainda mais inquieto. Ele sabia que tinha que parar de pensar naquilo. Sentir medo o levaria à morte rapidamente naquele lugar.
Em poucos instantes, o rapaz chegou ao fim do labirinto.
Agora, ele quase apreciava a vista incomum até para os padrões de Gehenna.
O céu escuro tinha agora nuvens escarlates. Uma grande floresta sombria jazia até a linha do horizonte. Um corredor entre as árvores bem a frente de Joshua o permitia ver claramente uma mansão. Ela estava velha, decrépita. O típico local assombrado em um filme de terror.
Entretanto, nenhum filme deixaria Joshua tão apavorado quanto ouvir os gritos de Adriana.
Ela estava desesperada, sofrendo, sendo torturada. E Joshua sabia disso.
Sem pensar, ele disparou entre as árvores até a mansão.


11.


Joshua corria contra o vento gélido. As árvores a sua volta, negras e retorcidas, o açoitavam com seus galhos que mais pareciam garras. Cortes apareceram em seu casaco, suas calças e até em seu rosto. Entretanto, o rapaz apenas trincou os dentes e continuou em frente, mantendo o mesmo ritmo.
Joshua! Uma voz familiar gritou.
O jovem olhou de onde a voz vinha e parou em seguida. De um outro caminho em meio as árvores Cristina e Richard, ambos com malas nas costas, vinham até ele.
Garoto! Ele chamou Joshua enquanto se aproximava junto de sua esposa. O que aconteceu? Foi puxado pra cá de repente?
Hm... O rapaz limou a garganta. Sim... Quando percebi, já estava aqui...
Achamos que não conseguiríamos chegar a tempo... Cristina disse claramente preocupada.
E também não sabíamos se demoraríamos para te encontrar. Acrescentou Richard. Por sorte, não levou nem um minuto... Ou mais. Não sei. Tempo é um conceito abstrato aqui...
Por sorte, não demorou muito para acharmos o livro. Cristina explicou. Quando percebemos que você tinha desaparecido, tentamos fazer tudo o mais rápido possível... E deu tudo certo felizmente.
Joshua olhava para o rosto dos dois. Richard estava confiante e, aparentemente, contente por ver o rapaz. Cristina, mais emocional, parecia estar quase chorando de felicidade por ele estar vivo.
Entretanto, era difícil confiar em qualquer coisa em Gehenna.
Joshua sabia que poderia estar sendo caçado por monstros que ele ainda não havia visto. Será que eles poderiam se transformar em pessoas que ele conhecia? Ou será que eles apenas teriam matado o casal e assumido suas formas?
Joshua abaixou a cabeça e deu um passo para trás.
Ah... Garoto? Richard o chamou. Algo errado?
Hm... Ele sentiu um nó se formando na garganta. Eu... O garoto olhou para o casal, tentando disfarçar seu medo. Eu não posso confiar em vocês?
O quê!? Richard parecia ofendido.
Mas por quê...!? Cristina indagou alarmada.
Mais um grito estridente veio da mansão. O casal olhou na direção da construção colossal. Enquanto isso, mais um calafrio percorreu a espinha de Joshua que, agora, já suava frio.
Desculpem-me... O rapaz murmurou.
Rapidamente, ele deu as costas para os dois e voltou a correr.
Entretanto, Joshua não deu mais do que dez passos para frente antes de parar. O som do tiro veio rapidamente. No chão a sua frente, agora, havia um buraco causado por uma bala.
O rapaz olhou para trás. Cristina parecia um pouco surpresa. Richard, pó outro lado, parecia ainda mais calmo com o revólver prateado na mão direita. Um leve fio de fumaça cinza saia do fim do cano da arma.
Se eu realmente te quisesse te matar, já teria o feito. Richard disse secamente. Por isso, tenha certeza de que eu sou o mesmo homem que queria te ajudar antes de vir para cá, certo? Não sou nenhum monstro covarde que não mostra a verdadeira face.
Principalmente por que um monstro teria queimado só de tocar nessa arma. Acrescentou Cristina com um sorriso. Armas de prata abençoada fazem parte dos exorcismos, sabe? Dos casos mais extremos, pelo menos...
Olha, sabemos que você está nervoso com... Bem, com tudo. Ele disse ao garoto soando, agora, um pouco mais empático. Mas confie em nós, ok? Você não conseguirá sair vivo daqui sozinho. E, até onde sabemos, você planeja salvar a sua Adriana, não é?
Hm... Joshua suspirou. É...
Então você vai ter que confiar em nós. Cristina disse docemente. Nós estamos nos arriscando por você, não é? O casal andou calmamente até o jovem. Ela, então, segurou as mãos de Joshua com delicadeza. Então... Confie em nós, por favor.
Joshua não conseguia olhar nos olhos dos dois. Ele pensou por alguns instantes de silêncio que, repentinamente, foram quebrados por mais um grito vindo da mansão.
O ar parecia mais gelado. O rapaz tremeu mais uma vez. Ele não conseguia parar de pensar em Adriana.
Certo... Joshua levantou a cabeça, olhou para os dois e, por fim, esboçou um sorriso. Vamos. Eu tenho um resgate a fazer.
Sorrindo, o casal assentiu.
Rapidamente, os três correram até a mansão, atravessando o portão de barras de metal negro e seguindo, agora uma pequena trilha de terra por entre um jardim repleto de flores púrpuras e pretas. O perfume do local era extremamente doce, quase nauseante. Entretanto, estava longe do cheiro pútrido que o rapaz imaginara.
Vários pensamentos rondavam a mente de Joshua. Entretanto, ele tentava não pensar. Perder o foco não era uma opção.
Agora, em frente à gigantesca porta de carvalho da mansão, um mau pressentimento atingiu Joshua. Entretanto, aquilo não o impediu de tocar a maçaneta prateada que, instantaneamente, girou.
Fantástico... Murmurou Richard enquanto a porta se abria.
A frente do trio, a escuridão os aguardava.
Vamos. Joshua disse determinado.
Os três entraram na mansão. Cristina sacou uma lanterna de sua mala. Mesmo assim, pouco era visível. Pelo eco que seus passos produziam, entretanto, era possível determinar que a sala onde estavam era de um tamanho considerável. Fora isso, apenas a umidade e o cheiro de mofo poderiam ser notados.
Entretanto, mais um grito de Adriana veio ecoando pela sala e, e um instante, todo o local havia sido iluminado, quase como se o próprio estivesse emitindo cor.
Agora, o trio olhava boquiaberto para o lugar que mais parecia ser o interior de um templo antigo. As paredes, chão, teto e colunas de sustentação pareciam ser feitos de mármore.
Entretanto, o lugar estava em ruínas. Detritos bloqueavam todas as passagens laterais e, também, acumulavam-se no piso, aleatoriamente, criando praticamente um labirinto de entulho. Partes das paredes e teto haviam caído há muito tempo. Algumas das próprias colunas não estavam mais inteiras. Com rachaduras marcando toda a paisagem, a sala parecia que iria se desfazer a qualquer instante.
No final do salão, o caminho se estreitava. Havia apenas uma passagem lá: uma porta aberta que seguia até uma escadaria. De lá, mais um grito de Adriana veio.
Bem... Richard respirou fundo, segurando o revólver em sua mão com força. Creio que todos já sabemos por onde devemos ir...
Tentando manter a calma, o trio caminhou pelo labirinto de detritos. Richard seguia na frente, seguido por Cristina e, por fim, Joshua.
O rapaz ficou ainda mais nervoso de repente. Ele não mais ouvia os gritos de Adriana. Era estranho, mas, no final, os berros agoniados dela era o que dava certeza a Joshua que ela ainda estava viva.
Será que Adriana não havia resistido? Será que ela havia, enfim, morrido?
Joshua não queria pensar naquilo. Ele não queria que sua amada sofresse, mas ele também não queria que todo seu esforço fosse em vão.
Eu ainda estou com um mau pressentimento... Cristina murmurou.
Joshua percebeu que, agora, eles já haviam atravessado o labirinto. O trio estava em frente à passagem que levava à escadaria.
Pessoalmente, eu estou com um mau pressentimento desde que viemos aqui... Richard trincou os dentes. Mas...
Ele parou de falar. A atenção de todos se voltou para os passos que vinham de cima deles, como se alguém, ou algo, extremamente pesado caminhasse no andar superior. Estranhamente, não havia um andar superior, ao menos, não antes do teto que parecia ter mais de cinco metros de altura.
De onde isso está vindo...? Joshua indagou.
De repente, os três perceberam ao mesmo tempo. Havia um buraco acima deles, praticamente rente ao teto. De lá, uma forma cinzenta pulou.
Rapidamente, o gigante aterrissou entre o trio e a porta aberta, causando um pequeno tremor.
Antes que eles pudessem reagir, Behemoth sacou a arma que estava pendurada com algumas cordas em suas costas.
Com um golpe certeiro, o maníaco atacou com o que mais parecia ser um martelo de guerra medieval, esmagando a cabeça de Richard e parte da parede atrás dele.
Cristina olhava praticamente paralisada na direção de seu, agora, falecido marido.
Joshua, entretanto, não conseguia tirar os olhos do monstro e a arma que ele carregava, tão cinzenta e brutal quanto o próprio dono.
Olá, Coelhinho... Behemoth abriu um largo sorriso. Eu disse que ia trazer um martelo pra próxima vez que nos encontrássemos, não foi?


12.


Joshua estava paralisado. A cena a sua frente era o seu maior pesadelo se tornando realidade. Behemoth parecia ainda mais aterrorizante manejando a brutal martelo medieval. Seu sorriso desconcertante contribuía para o mal estar do jovem. O corpo de Richard caia lentamente no chão. Sangue vertia do buraco em seu pescoço onde antes estava a sua cabeça. Centenas de pedaços minúsculos de carne e osso ensanguentados se misturavam aos detritos no chão.
O rapaz provavelmente continuaria ali, imóvel, a mercê do psicopata se não tivesse ouvido aquele grito.
Foi algo ininteligível, cheio de dor e desespero. A voz de Cristina se esganiçou até praticamente desaparecer.
Joshua olhou rapidamente para a mulher. Seus olhos, diferentemente dos dele, não mostravam medo, apenas um brilho louco existia lá.
O jovem não sabia exatamente o que Cristina faria, mas não seria algo sensato, isso era óbvio. Ele, então, tentou protestar, impedi-la de fazer algo estúpido. Entretanto, palavras não saiam de sua boca.
Enquanto Cristina corria até o corpo do agora falecido Richard, Joshua percebeu que nada poderia ter sido feito para a parar.
Diante dos restos de seu marido, Cristina não pode conter as lágrimas que desciam correndo por sua delicada face.
Tão lindo... Behemoth caçoou.
Cristina voltou seu rosto rapidamente para o assassino. Ele sorria calmamente, rindo quase imperceptivelmente. No mesmo instante, a expressão no rosto da mulher se alterou drasticamente. Agora, sua respiração estava pesada, seus dentes estavam à mostra como presas, seus olhos estavam estreitos e brilhavam com um ódio ardente. Inconsequentemente, ela se atirou contra Behemoth.
O gigante manteve a tranquilidade em seu rosto. Joshua ficou boquiaberto, entretanto, nada podia ele fazer enquanto a mão deireita de Cristina ia contra a face do assassino.
Como garras, as unhas da mulher arranharam o semblante de Behemoth. Pequenas linhas vermelhas surgiram em seu rosto. Sangue começou a verter lentamente.
Entretanto, antes que a mão esquerda de Cristina acertasse a face do maníaco, ele segurou o braço da mulher.
Behemoth só precisou exercer um pouco de força. O som de ossos quebrando veio em seguida e, então, o grito de dor de sua vítima.
O gigante sorriu alegre.
Ainda segurando o braço quebrado de Cristina, ele levou sua mão esquerda ao pescoço dela.
Você é divertida... Behemoth disse enquanto apertava levemente o pescoço de sua vítima, fazendo-a contorcer de dor, porém, contendo sua força para não a matar. Sabe o que mais? Eu vou te dar toda a minha atenção... Ele voltou o seu olhar para Joshua. Assim que eu me divertir com o meu Coelhinho, certo?
O rapaz engoliu em seco. Ele deu um passo para trás. O gigante gargalhou.
Rapidamente, Behemoth arremessou Cristina para longe, fazendo-a bater as costas contra uma coluna e cair imóvel no chão.
Joshua não sabia se ela ainda estava viva. Porém, se aquilo havia sido planejado pelo maníaco a sua frente, morta ela não estaria. Era provável que alguns ossos haviam sido quebrados com o impacto. Talvez ela estivesse inconsciente, talvez paraplégica, mas ela estaria respirando. Assim, Behemoth poderia se divertir mais tarde.
Porém, todos os pensamentos desapareceram da mente de Joshua ao ver o gigante disparando em sua direção.
Rapidamente, o jovem se voltou para trás e correu para o labirinto de detritos.
Ótimo! Behemoth gargalhou. Corra, Coelhinho! Corra!
Ziguezagueando, Joshua tentou seguir em frente, sem pensar muito para onde iria, chocando-se ocasionalmente com os pedaços caídos do teto e das colunas. Suas roupas e pele se arranhavam contra as superfícies ásperas e frias. A cada cinco passos, ele tinha que desviar de algum obstáculo, pulando por cima de detritos, chegando a praticamente escalar alguns, ou deslizando por debaixo de alguma coluna caída.
Logo atrás dele, entretanto, Behemoth avançava implacável. Com o martelo em mãos, ele estava ainda menos ágil. Aquilo seria vantajoso para Joshua caso o gigante não estivesse ainda mais forte. Afinal, com um simples balançar da arma, ele removia detritos do seu caminho, arremessando-os para longe.
Joshua ficava mais tenso a cada instante. Seu coração parecia que iria pular para fora de seu peito. Sua visão estava se tornando turva pelo cansaço e estresse.
Cada ataque que o gigante errava era uma coluna caindo completamente ou, então, uma cratera que se formava em uma parede. A sala parecia que poderia ruir a qualquer momento. O teto poderia ceder em questão de segundos. Aquilo mataria a todos, transformando a sala numa grande cova para Joshua, Behemoth, Richard e Cristina. E, mesmo assim, o assassino parecia não se importar. Ele continuava correndo de um lado para o outro, rindo, provocando sua presa, atacando inconsequentemente cada canto com seu martelo.
Após o que pareceu ser uma eternidade, o rapaz conseguiu abrir um pouco de distância de seu perseguidor. Em um instante, seu corpo cedeu. Rapidamente, ele estava sentado no chão, em meio aos detritos, com as costas apoiadas na base de uma coluna destruída.
Joshua respirou fundo o máximo de vezes que pôde. Jogado em meio àquele caos, ele esperava estar fora do campo de visão do maníaco.
Coelhinho...! Ele assoviou alegremente como se chamasse um gato ou um cachorro. Coelhinho...! Aqui, garoto...!
Behemoth não estava muito longe. Pelo menos, era o que Joshua poderia dizer pela voz dele.
O rapaz expirou e levou as mãos ao rosto. Ele enxugou u suor de sua face rapidamente. Agora, ele não sabia o que fazer.
Ele deveria fugir? Para se salvar, sim. Mas ele ainda tinha que chegar até Adriana. Ele não poderia abandoná-la ali. Não depois de tudo o que passou. Não depois do sacrifício de Richard e, muito possivelmente, de Cristina também.
O que ele faria com Behemoth? Derrotá-lo parecia impossível. Fugir dele não será possível para sempre, ainda mais por que ele deveria atravessar a sala para chegar até Adriana.
Seus pensamentos seguiam sem rumo.
De repente, o rapaz começou a pensar no lugar onde estava. Era bizarra a mudança de ambiente, das ruas da cidade escura até a mansão no meio da floresta que mais parecia ser um templo antigo. Será que aquele lugar tinha algum significado especial? Era provável. Porém, tudo o que importava para Joshua no momento era Adriana. Se ela estava lá, esse era o motivo que ele precisava para enfrentar aquele pesadelo.
Outra coisa estava incomodando o jovem era o tamanho do local. Quando ele atravessou a sala na primeira vez, junto com Cristina e Richard, o lugar não parecia tão extenso. Agora, entretanto, parecia um labirinto sem fim, bem como as ruas da cidade. Talvez fosse algum tipo de maldição do lugar. Se assim fosse, ele não conseguiria compreender tão facilmente e, muito menos, fazer algo a respeito.
Foi então que Joshua arregalou os olhos.
A arma... Ele murmurou para ele mesmo. A arma de Richard...
Aí está você! A voz tão familiar exclamou.
Joshua se virou para trás. Behemoth sorria para ele de cima de uma coluna. O monstro quase parecia uma gárgula naquela pose.
O rapaz não chegou a levantar. Com uma cambalhota para a esquerda ele desviou do ataque do assassino. O martelo atingiu o chão, causando um tremor, rachando a superfície sólida abaixo dele.
Boa esquiva! Behemoth gargalhou. Gostei de ver!
Joshua se levantou em seguida. Não havia mais tempo a perder. Ele teria que correr até o corpo de Richard e pegar o revólver.
Entretanto, aquilo não seria fácil, principalmente agora.
O corpo de Joshua estava cansado, quase cedendo mais uma vez. Ele não conseguiria se mover tão rapidamente quanto antes. Pular sobre os detritos, deslizar por de baixo de outros, manter-se longe de Behemoth, continuar em frente. Tudo seria mais difícil agora. Entretanto, desistir agora seria botar tudo a perder.
Porém, ele havia um objetivo agora: encontrar o corpo de Richard. No meio daquele labirinto caótico, com um maníaco o perseguindo, era difícil se concentrar naquilo.
Após alguns instantes, porém, a mente de Joshua parecia ter parado de funcionar.
O som da destruição atrás dele causado por Behemoth já havia se tornado algo habitual. E foi exatamente por isso que, para Joshua, tudo parecia etéreo a sua volta.
O rapaz mal havia sentido a mão de Behemoth agarrando sua nuca no meio daquele caos. E, assim, de repente, Joshua estava praticamente voando, indo em direção a uma coluna  após ter sido arremessado pelo gigante.
O instinto do rapaz o salvou naquele momento. Levar os braços a frente do rosto o fez gritar de dor, mas, pelo menos, a morte certa havia sido evitada.
Lentamente, Joshua tentou se levantar. Em vão. Seus braços não podiam o ajudar naquele estado. De bruços, ele tossiu sangue no chão. Lutando para respirar, ele voltou as costas para o chão.
Ainda bem que você é resistente... Behemoth riu. Você faz tudo ser tão mais divertido...
Joshua ainda tinha energia. Como um último recurso, ele poderia levantar-se e correr por sua vida. Mas para quê? Ele adiaria sua morte por mais alguns segundos, nada mais do que isso. O maníaco se aproximava dele lentamente. Seu destino já estava definido.
Temo que nosso joguinho tenha chego ao fim... Behemoth continuou. Mas saiba que eu adorei cada segundo dele! Ele gargalhou. E, como símbolo de meu afeto por você, vou lhe providenciar uma morte rápida! Que tal? Não é uma proposta ruim, não é? Você não terá um fim lento e torturante, literalmente... Mais uma risada. Não como aquela... Qual o nome...? Adriana, não é?
Nesse momento, tomado pela raiva, Joshua tentou se levantar. Mais uma vez, em vão. O jovem permaneceu em pé por não mais de um segundo e, rapidamente, caiu de joelhos.
Não adianta mais... Behemoth sorriu enquanto se preparava para atacar. É o seu...
Os sons de disparos surgiram como trovões. Foram seis ao todo. Todos acertaram as costas de Behemoth. Todos partiram do revólver prateado nas mãos de Cristina.
Joshua, ainda de joelhos, encontrou a mulher sentada, encostada a uma parede, não muito longe de onde estava, ao lado do corpo de Richard.
Ora... O gigante balbuciou. Eu não esperava por isso...
Os projéteis prateados caíram amassados de suas costas. Agora, elas mais pareciam tampas de garrafa de cerveja do que balas.
Seis feridas superficiais eram visíveis nas costas do gigante. Mal havia sangramento. Os tiros pareciam ter causado tanto dano quanto as unhas de Cristina.
Você me surpreendeu... Behemoth sorriu para ela. Achei que você não me incomodaria mais... Ao menos, não até eu terminar de brincar com o meu Coelhinho... Ele começou a andar na direção de Cristina. Mas vejo que me enganei. Peço desculpas por isso, minha cara.
Desesperada, a mulher começou a recarregar a arma. Suas mãos tremiam enquanto colocava mais seis balas no tambor do revólver.
Você me força a mudar os meus planos... Behemoth continuou. Vou ter que acabar com você agora...
Cristina terminou de recarregar a arma. Mesmo com as mãos tremendo, ela conseguiu apontar o revólver para o gigante.
Porém, Cristina não teve a chance de atirar.
Antes que seu dedo puxasse o gatilho, o martelo de Behemoth atingiu sua mão, quebrando seus dedos e mandando a arma para longe.
Cristina gritou de dor. Lágrimas voltaram a escorrer de seus olhos. Ele trincou os dedos, agoniada, ao ver os ossos de sua mão que haviam perfurado a própria pele. Sangue agora escorria lentamente dela até suas pernas.
Inútil. Disse Behemoth.
Em seguida, o psicopata atacou. O martelo atingiu a cabeça de Cristina. O que havia sobrado de seu crânio voou para a direção oposta do revólver.
Com mais um corpo decapitado por seu martelo, o gigante sorriu.
Bem, só falta você agora... Behemoth riu. Não é mesmo...?
Ele não conseguiu chamar Joshua de Coelhinho dessa vez. Ele parou de falar antes disso. Afinal, ele foi surpreendido pelo rapaz que, agora, havia se levantado e corria.
Olha só... O assassino murmurou.
Joshua correu até o revólver, o pegou e seguiu até a passagem estreita. A escadaria estava diante de seus olhos.
Muito bem... O monstro disse calmamente. Muito bem mesmo... Mas, o que fará agora? Tentar me matar ou correr? Ver se uma bala entre os meus olhos pode acabar com a minha vida ou ver se sua amada ainda está viva? Hein!? Qual a sua escolha!? Atirar!? Correr!? Escolha! Agora!
Joshua se virou lentamente e encarou Behemoth. Ele respirou fundo e apontou a arma para o assassino.
Ótimo! O monstro sorriu e, então, jogou o martelo paro o lado e, com os dois indicadores, apontou para o espaço entre os seus olhos. Vamos! Atire!
Não... Respondeu Joshua.
Ah... Como?
Não. Não vou atirar em você.
Joshua apontou seu revólver para além de Behemoth. Seis disparos foram feitos. Mais uma coluna cedeu. Rapidamente, o teto começou a se desfazer. Detritos caíram do alto. O chão se desfez com os impactos.
Ora... O assassino murmurou. Dessa vez, ele não sorria.
Em questão de segundos, todo o grandioso salão havia vindo abaixo, bem como grande parte da mansão, soterrando Behemoth.
Joshua, com um sorriso no rosto, caiu de costas, exausto.

Consegui... Foi tudo o que ele teve forças para dizer antes de desmaiar.

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