—
Ei! — Marie exclamou.
— Edgar!
O rapaz parou de andar e balançou
a cabeça para os lados. Uma expressão de surpresa, com olhos bem arregalados,
estava estampada em seu rosto.
—
Hm? — Edgar limpou a
garganta. — O que
foi?
—
Já estamos andando em silêncio há faz uns minutos...
—
Ah... Sério? — Ele
coçou a nuca, parecendo um pouco aturdido ainda.
—
Sério.
Ela voltou a andar. Ele
acompanhou.
—
Edgar... — A voz d
Marie se tornou, repentinamente, suave. —
Muitas perguntas sem respostas ainda, não é?
—
É... — O rapaz
esboçou um sorriso. —
Mas não se preocupe. As memórias estão voltando... Aos poucos, não muito claras
ainda, mas estão voltando.
—
Isso é bom. — Ela
sorriu.
Edgar percebeu, então, o porquê
de Marie o tirar de seu transe.
Ela parecia legitimamente
preocupada com o rapaz. Edgar não questionaria isso. Não existiam motivos
aparentes para tal.
Entretanto, Edgar percebeu que,
por mais forte e valente que Marie fosse, ela estava nervosa. Eles poderiam
morrer de um instante para o outro naquele lugar. Sem a ajuda dela, ele estaria
morto. Porém, sem a ajuda dele, ela também estaria morta. Um precisava do outro
naquele inferno. E não só para lutarem lado a lado. Um precisava confortar o
outro. E apenas Marie cuidava de Edgar nesse sentido.
—
Hm... — O rapaz
estralou os dedos. —
Então... Eu não me lembro do que eu fazia antes d vir pra cá... Mas e você? O
que fazia?
—
Eu? — Marie esboçou
um sorriso. — Mulher
da vida.
—
Ah... — Surpreso, ele
hesitou um pouco. —
Sério?
—
Bem... Sei que pode não parecer agora... —
Ela botou ênfase na última palavra. —
Mas... É. Sou. Ou fui. Não sei se vou voltar pra essa vida quando sair daqui.
Se sairmos daqui...
—
Vamos sair daqui. —
Edgar disse determinado.
—
Hm... — Ela sorriu. — Enfim... Não sei se volto
pra minha velha vida. Talvez possamos seguir um novo caminho assim que sairmos
daqui, não? Uma nova chance após uma experiência traumática... Mas, é claro,
tenho assuntos pra resolver antes de qualquer mudança radical.
—
Como o quê?
—
Ajudar minhas amigas.
—
Companheiras de trabalho?
—
Sim... Nós tomávamos conta uma das outras, sabe? O mundo não é um lugar gentil
para o nosso tipo. Mesmo não matando ou roubando ninguém, somos vistas como
parte da escória. Olhares de nojo nos julgam todo dia. Era como se fossemos
lixo, animais doentes a beira da morte. —
Ela trincou os dentes. —
Mas é claro que tinham aqueles que aceitavam os nossos serviços. E, puta merda,
eles conseguiam ser piores que os que odiavam a gente. Homens podres por
dentro, alcoólatras que haviam abandonado suas famílias, ratos de merda que traíam
as esposas, filhos da puta que sentiam prazer em nos ver sentir dor e sendo
humilhadas. — Marie
bufou. — Era por
causa desse último tipo que nos tínhamos que nos proteger. Isso sem contar com
os bostas que nos atacavam por não nos considerarem humanas, ou aquelas párias que
queriam nos tornar propriedades deles para nos explorarem.
—
Mas, mesmo assim, você nunca matou ninguém?
—
Foi como eu disse antes... Eu ensinava algumas lições da maneira difícil, mas
não mais que isso. E minhas amigas seguiam meu exemplo. Já éramos odiadas sem
matar ou roubar... Imagina, então, se fizéssemos essas merdas? — Ela riu baixo. — Seríamos caçadas,
certeza.
—
Entendo... — Edgar
disse num tom preocupado. —
E... Você pretende tirar as suas amigas da sua cidade?
—
Sim. Pelo menos, pra fora do canto de merda onde a gente fica...
—
E como você pretende fazer isso?
—
Não sei. Não pensei nisso ainda. Vou me preocupar com isso assim que sairmos
daqui. — Ela sorriu. — Ok?
Edgar sorriu de volta e, em seguida assentiu.
De repente, um grito agudo soou. O som de
algo como o de uma guilhotina veio em seguida.
Marie pareceu tensa por uma fração de
segundos e, então, abriu um largo sorriso.
— Bem... — Ela respirou fundo. — Acho que achamos um deles.
— Isso... — Edgar limpou a garganta. — Isso foi um Executor.
— É... Vamos!
O rapaz, tenso, seguiu Marie até o corredor
de onde os sons vieram.
Alguns murmúrios vieram. Nada inteligível
para os dois. Em seguida, mais um som de guilhotina.
Após alguns passos, eles viram a cena.
Mesmo já tendo visto mais de uma vez, Marie
ficou apreensiva com a visão. Edgar, então, sentiu o próprio estômago se
revirar.
Haviam três corpos no corredor. Apenas um com
vida.
Um havia sido decapitado. A força do golpe
arremessou a cabeça para longe do resto do corpo.
O outro havia, surpreendentemente, sofrido
uma morte ainda mais brutal. O corpo havia sido cortado ao meio na vertical. Um
único golpe havia sido o responsável pela proeza.
Pisando nas entranhas derramadas de uma de
suas vítimas, o Executor se assemelhava mais a um monstro ou uma máquina do que
um humano.
Seu corpo alto era coberto pelo o que parecia
ser uma armadura respingada de sangue. A roupa blindada, negra como piche,
poderia protegê-lo de algumas balas. Facas, então, seriam ainda menos úteis.
Apoiada no chão estava sua arma. Sua mão
direita segurava o cabo do gigantesco e brutal machado. Feito de aço negro,
quase toda a sua superfície gasta estava tingida de rubro. A lâmina,
entretanto, estava perfeitamente afiada, mais letal do que qualquer arma que
Edgar já havia visto. Afinal, nenhuma havia despertado tamanho mal estar tão
rapidamente.
As pernas do rapaz tremiam, bem como as suas
mãos suadas. Sua respiração arfava incessantemente. Seu coração palpitava,
parecendo que iria pular para fora de seu peito.
Sem esforço, o Executor levantou a arma
ensanguentada e a guardou junto às costas.
O tempo parecia passar lentamente enquanto o
gigante marchava pesadamente para longe, desaparecendo nas sombras, deixando
naquele corredor as marcas de seu massacre.
Edgar sentiu um puxão em seu braço.
— Vamos! — Marie o chamou, trazendo-o de volta à
realidade. — Não podemos
perdê-lo de vista. — Ela abriu um
sorriso, apesar de estar quase tão nervosa quanto o rapaz. — Temos uma chave para pegar.
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