Pieces of The Past
Pedaços
do Passado
—
Acorde! — Uma voz
feminina estridente ordenou.
Tristan acordou quase saltando para fora de sua cama. Ele
soltou um grunhido inteligível.
—
O que você disse!? —
A mesma voz perturbadora perguntou.
Era Maeve. A senhora estava encarando Tristan ao lado da
cama dele.
“Ótimo...”.
O guerreiro das Trevas esfregou os olhos e se
espreguiçou. Ele soltou um bocejo e olhou para Maeve.
—
Eu achava que a pior e mais improvável coisa que poderia acontecer comigo era
trabalhar junto com as forças da Luz. —
Disse Tristan. — Mas
vejo que eu estava errado.
—
Por quê? — Maeve
indagou com uma sobrancelha arqueada.
—Por
que eu acabei de acordar no meu quarto com você ao meu lado.
O rosto da senhora ficou vermelho. Ela trincou os dentes
e cerrou os punhos.
—
Desgraçado! — Maeve
bradou. — Aprenda a
ter respeito!
A senhora invocou seu cajado de madeira e atacou na
direção de Tristan. O golpe acertou a cama do guerreiro das Trevas.
—
Fazia tempo que eu não dormia tão bem. —
Tristan sorriu. Ele surgiu atrás de Maeve. —
Eu realmente não lembro a última vez que eu acordei tão disposto.
—
Depois de dormir por quase quatro dias seguidos, qualquer um estaria bem! — Maeve gritou.
—
Eu...o quê?
Maeve acertou um golpe na cabeça de Tristan.
—
Droga... — O
guerreiro das Trevas resmungou.
—
Agora que você já foi razoavelmente punido, aqui está. — Maeve estendeu ambas as mãos. Em uma delas,
estava uma Poção das Trevas e, na outra, seu elixir. — Pegue.
Tristan pegou os dois frascos das mãos de Maeve.
—
Já estou precisando de um elixir novo, então? —
O guerreiro das Trevas indagou.
—
Sim. — A senhora
respondeu. — O efeito
deles não é eterno.
—
Entendo...
—
Bom...meu trabalho está feito aqui. Adeus.
Maeve se virou e seguiu para fora do quarto de Tristan.
—
Espere. — O guerreiro
das Trevas pediu calmamente.
—
O que foi? — A
senhora perguntou sem um pouco de paciência. —
Você não quer que eu saia de seu quarto?
—
Nem um pouco. —
Tristan afirmou torcendo o lábio e apertando os olhos. — Só a idéia já me deixa com ânsia de vomito.
—
Então o que é?
—
Sobre os últimos acontecimentos...
—
Pergunte para alguém com tempo livre. Eu tenho outras preocupações e deveres no
momento.
Maeve saiu do quarto de Tristan enquanto resmungava
fórmulas alquímicas.
“Velha arrogante...”.
Tristan andou até a sacada de seu quarto e respirou
fundo.
“A batalha contra os bárbaros será em breve. Eu tenho que
me preparar”.
—
Tristan? — A voz da
caçadora veio do corredor.
—
Lilith. — Tristan se
voltou para ela e sorriu. —
Quanto tempo.
—
Sim. — A Caçadora de
Anjos sorriu.
Tristan andou até a porta de seu quarto. Os dois se
abraçaram.
—
Eu...vim ver se você estava bem. —
A caçadora disse.
—
Muito preocupada? —
Tristan perguntou sorrindo.
—
Só um pouco... —
Lilith sorriu. — Mas admito
que fiquei um pouco mais preocupada quando descobri que a Maeve tinha vindo te
acordar. Nem o Nidhogg conseguiu fazer aquela velha mudar de idéia. Ela disse
algo sobre o seu treinamento...algo sobre o elixir dela.
—
É. Ela veio me entregar um elixir e uma poção.
—
Enfim...como foi o susto de acordar com uma beldade como a Maeve clamando seu
nome? Bem do seu lado?
—
Eu poderia dizer que poderia ser pior...mas, sinceramente, eu não sei como.
Lilith riu.
—
Então...você poderia me dizer o que aconteceu de importante enquanto eu estava desacordado?
— Tristan perguntou.
—
Algumas coisas... —
Disse Lilith. — Eu
posso explicar melhor enquanto você me explica o que você fez exatamente
durante as lutas.
—
Sem problema.
—
Mas...aqui não.
—
O lugar te incomoda.
—
Não é isso. É algo que você precisa ver.
Rapidamente, a caçadora atravessou o quarto de Tristan e
chegou até a sacada.
—
Vamos! — Ela sorriu e
pulou para o alto.
“Fantástico...”.
Tristan se transformou em trevas e foi até o topo do
telhado do palácio. Lilith estava sentada em uma das beiras do lugar, com as
pernas balançando no ar. Tristan surgiu ao lado dela.
—
Nossa... — O
guerreiro das Trevas disse boquiaberto. —
Isso é...raro.
—
Sim. — Lilith sorriu
para ele. — Sente-se.
Aprecie esse momento único. Não é sempre que temos um por do sol aqui.
O céu sempre cinzento da cidade de Nidhogg estava
colorido com tons alaranjados. O lugar parecia mais confortável. A temperatura
estava mais quente que o de costume, mas os ventos refrescavam a todos. Vários
seguidores das Trevas e até Demônios pareciam ter tirado um momento para
observar o fenômeno. Os feridos que ainda recebiam tratamento em tendas
espalhadas pela cidade sorriam cheios de esperança. Tristan sorriu e se sentou
ao lado de Lilith.
—
Isso só me dá mais certeza. —
A caçadora disse.
—
Certeza? — Tristan
indagou. — Sobre o
quê?
—
Sobre o nosso sucesso. A vitória pertencerá às Trevas. Derrotaremos os
bárbaros, bem como a Tiamat e a Chimaera. E, com mais um pouco de esforço e
tempo, derrotaremos a Luz.
—
Ambiciosa, hein? —
Tristan sorriu. —
Gostei.
—
Bem, ambição aliada a um pouco de otimismo. —
A caçadora sorriu.
Lilith sentou mais próxima de Tristan e apoiou sua cabeça
no ombro dele.
—
Pode me contar como foram as suas lutas? —
A Caçadora de Anjos perguntou.
—
Depois que você me contar o que eu perdi nesses dias.
—
Ah...certo. Bem, nada demais. Um dos Demônios te carregou até seu quarto depois
que você caiu desacordado na sala do trono. Astaroth chegou algumas horas
depois de você. Ele informou sobre o sucesso na missão de você, bem como o
ataque da Chimaera contra a cidade de Leviathan.
—
Certo... mais alguma coisa?
—
O ataque contra os bárbaros. Temos uma data.
—
Quando?
—
Daqui a três dias.
—
Ah...entendo.
—
Nervoso?
—
Não muito. Mas tenho que treinar até lá.
—
Claro. Use o elixir da velha e tudo certo.
—
Não é tão simples assim.
—
Claro que não. Você tem que se transformar em trevas. Criar esferas de trevas
que explodem em sombras. Invocar espadas e adagas para arremessá-las ou golpear
alvos feitos de madeira ou metal. Tudo isso, várias e várias vezes.
—
Bem...falando assim parece fácil...e chato. Essa é a idéia que você tem do meu
treino?
—
É.
—
Nossa. Realmente, o seu treino deve ser muito mais divertido.
—
Vai falar mal do meu treino?
—
Não...katares e bestas não merecem
tamanha atenção de minha parte.
Lilith deu um soco de leve no braço de Tristan. O
guerreiro das Trevas riu.
—
Engraçadinho. —
Lilith sorriu.
—
Um pouco. — Tristan
sorriu de volta.
—
Bem...agora fala.
—
Falar o quê?
—
Sobre as suas lutas. Quero saber sobre suas proezas. Com detalhes ricos.
—
Certo... — Tristan
coçou o queixo com a mão do braço que Lilith não se apoiava. — Bem, vou falar somente
das partes mais interessantes.
—
Tudo bem.
—
Tinha um seguidor do Deus da Terra. Alexey era o nome dele. Era bem forte. Ele
manipulava as rochas de uma caverna tanto para fins ofensivos quanto
defensivos. Devo admitir, a defesa dele era bem irritante.
—
Como você derrotou ele?
—
Com a Poção das Trevas.
—
Você recuperou suas forças e atacou até ele não aguentar mais? Ou fez com que
ele bebesse para ver o que aconteceria com um seguidor da Terra?
—
Não tinha nem pensado na segunda possibilidade. Vou tentar da próxima vez, caso
eu tenha uma brecha.
—
Nesse caso, o que você fez com a poção?
—
Eu despejei o líquido da minha espada.
—
Sério!? Eu nem sabia que dava pra fazer isso.
—
Era uma idéia que eu tinha faz um tempo. Pareceu um bom momento para testá-la.
—
Claro. Não tome a poção. Jogue ela fora. Morra de arrependimento depois.
—
É...eu não havia pensado nessa possibilidade.
—
Bem...que bom que deu certo.
—
É. Enfim...a espada ficou extremamente poderosa por um tempo. Foi assim que eu
passei pela defesa do Alexey. Foi assim que eu o matei.
—
Legal. Mais alguém de interessante.
—
Bem...teve o Cornelius...
—
Não precisa falar dele.
—
Sério?
—
Sim.
—
Bem...é um alívio para mim. Mas por quê?
—
Astaroth contou o que esse desgraçado fez. Com ele. Com o Escolhido do
Leviathan. E, principalmente, com a Catherine.
—
Sim...
—
Bem...acho que isso conclui a missão. Vá para a parte do ataque da Chimaera.
—
Se você já falou com o Astaroth, imagino que ele já tenha contado sobre os
assassinos que se passavam por seguidores das Trevas.
—
Sim. Quero saber sobre a luta contra...quais eram os nomes mesmo?
—
Buffone. E Overtrederen.
—
Sim. O Astaroth não tinha muitos detalhes sobre isso. Ele só sabia que o
Leviathan interveio na luta.
—
É. O Lorde da Luz acabou matando os dois ilusionistas. E, conseqüentemente, ele
me salvou.
—
Inusitado.
—
É. Eu sei.
—
Então...me conta. Como foi a luta contra os dois?
—
O Buffone de levou para um mundo dele. Era uma ilusão...poderosa, para dizer o
mínimo. Tudo era possível para ele lá. Digo, tudo dentro dos próprios poderes
dele. Ele desaparecia e ficava mandando cópias dele me atacarem. Isso é, até o
Overtrederen aparecer.
—
Esse Overtrederen...era o mestre do Buffone, não é?
—
Sim. Astaroth contou essa parte ou você está presumindo?
—
O Astaroth me contou, mas foi muito rápido. Só queria me certificar. Continue.
—
Bem...o Overtrederen...eu nem sei direito. As minhas lembranças estão meio
confusas quanto a luta contra ele. Ele estralou os dedos, se não me engano. Ele
só precisou daquilo para desacordar o pupilo...e me mandar para o mundo dele. Apesar
de muito mais velho que o Buffone, o Overtrederen era muito mais forte e ágil.
Quanto ao poder mágico, nem preciso falar. Ele mandava ilusões dele me atacarem
ainda mais rapidamente que o Buffone. Quando eu menos esperava, ele invocou uma
barra de metal a partir do chão. Aquilo me acertou direto no queixo. Nem sei
quantas vezes ele me golpeou em seguida. Quando me dei conta, o Lorde da Luz
havia aparecido. Ele surgiu dentro da ilusão feita pelo Overtrederen. Aquilo
foi...incrível. O Leviathan...ele...ele matou o ilusionista. Com um único golpe.
E ele me curou. Recuperou um pouco de minhas energias. E, por fim, abriu um
portal para fora daquele lugar.
—
Nossa...difícil de acreditar.
—
É. Eu fui salvo pelo Lorde da Luz. —
Tristan riu. — Nem eu
consegui acreditar ainda.
—
Não é isso.
—
O que não...?
—
Não se faça de bobo. —
O rosto de Lilith ficou sério. —
Eu sei que você está escondendo alguma coisa. E você achou que eu não notaria.
Isso que é difícil de acreditar.
—
Ah...
—
É algo tão sério e pessoal assim?
—
Eu nunca contei ninguém. O único que sabia era o meu General, quando eu ainda
não era o Escolhido do Nidhogg. Maximillian. Ele...bem, eu nem sei o que
aconteceu com ele. Não acho que ele tenha sobrevivido ao ataque dos bárbaros a
White Plains. —
Tristan suspirou. —
Faz tanto tempo... —
A expressão no rosto do guerreiro das Trevas ficou séria. — Não acho possível que
alguém tenha sobrevivido. Nem eu teria sobrevivido...se não fosse pelo Nidhogg.
—
Entendi. Bem...não precisa contar...
—
Não. Eu preciso. Eu...mantive isso comigo por muito tempo. Acho que...esse foi
o motivo pelo qual Nidhogg soube de minha existência.
—
O que você fez?
—
Quando eu tinha catorze anos...minha família foi atacada por um Demônio.
Ele...ele matou o meu pai...e minha mãe. Nós...estávamos todos em casa no
momento do ataque. Aquele Demônio...bem, ele seria um ótimo guerreiro para o
nosso exército, se eu não o tivesse matado. Ele usava uma armadura pesada de
cor acinzentada. O rosto dele era completamente negro, com exceção da marca em
seu rosto. Parecia uma adaga com a ponta virada para baixo. Ela era...completamente
vermelha. Os olhos eram ainda piores. Eram completamente brancos. Sem vida
alguma...assustadores. Aquele desgraçado... —
Tristan respirou fundo. —
Foi tão rápido. Uma simples batida na porta. Foi assim que ele chegou. Minha
mãe...ela foi atender a porta. Aquele maldito...ele tinha duas espadas
embainhadas. Uma de cada lado do quadril. Quando a minha mãe abriu a porta...ele
atacou. Uma espada atravessou a clavícula da minha mãe. A outra, atravessou o
estômago dela. Eu...
Lilith abraçou forte Tristan por alguns segundos. Quando
ela o soltou, ele olhou fundo para os olhos da caçadora. O rosto do guerreiro
das Trevas estava vermelho. Lágrimas começavam a escorrer pelo rosto dele.
—
É a primeira vez que você conta para alguém algo tão doloroso. — Lilith disse em um tom
sereno. Ela passou a mão delicadamente no rosto de Tristan, enxugando as
lágrimas que começaram a escorrer. —
Não é fácil. Eu sei que não é. Eu já contei o que aconteceu comigo algumas
vezes para outras pessoas. Fica mais fácil com o tempo, mas...nunca é fácil. Eu
não acredito que será fácil em algum momento.
—
Mas também não podemos ficar nos lamentando. —
Tristan disse com a voz meio rouca. —
Nós não podemos fraquejar.
—
Em alguns momentos...sim, podemos fraquejar. Como agora.
—Eu...suponho
que sim. — O
guerreiro das Trevas respirou fundo. —
Mas não espere que eu faça isso sempre. Seres das Trevas não fazem drama.
—
Se você não viver se lamentando e se limitando por causa de um
acontecimento...não é drama. Não conte para mais ninguém sobre o que aconteceu,
se preferir.
—
É o que pretendo. Mas...bem, suponho que eu deva terminar o que eu comecei. Eu
não posso continuar negando o que aconteceu há tantos anos...
—
Nesse caso...continue.
Tristan assentiu com a cabeça.
—
Eu acho que nunca vou descobrir o nome daquele Demônio. — O guerreiro das Trevas bufou. — Talvez seja melhor assim
mesmo. Enfim...depois que ele matou minha mãe diante de meus olhos, ele
estralou os dedos. De ambas as mãos. Um círculo de fogo roxo surgiu em volta da
casa. Eu...eu só me lembro de gritar até eu ficar rouco. Eu nem havia me dado
conta que o Demônio já não estava mais dentro da minha casa. Ele estava do lado
de fora. Ele...e meu pai. Sem tempo de vestir uma armadura, ele apenas pegou
uma espada e um escudo. Em questão de confronto físico, meu pai era muito
superior. Porém, o Demônio...bem, ele manipulava as chamas negras com muita
facilidade. Quando ele desaparecia, ele não se transformava em trevas, mas sim,
em fogo. Ele praticamente dançava em torno de meu pai, procurando por uma
brecha, uma oportunidade para matá-lo com suas espadas. Mas ele não conseguia.
O meu pai...bom, ele era um guerreiro sem igual, muito superior àquele Demônio.
— Tristan sorriu. Uma
fração de segundos depois, a expressão de seu rosto voltou a ser de tristeza. — Mas a paciência do
Demônio tinha limite. Ele só estava...brincando com meu pai. Quando ele foi
golpeado nas costas pela espada de meu pai...aquele Demônio ficou irritado. Ele
se afastou e...invocou uma esfera de trevas. A explosão... — Tristan teve que respirar
fundo novamente. — O
impacto do ataque lançou meu pai para trás. A explosão envolveu meu pai em uma
nuvem de escuridão. Tenho certeza que ele conseguiu bloquear alguns dos ataques
do Demônio, mas sem poder ver...ele teve um braço decepado. Meu pai teve um
braço cortado pela espada daquele Demônio. O braço e a espada caíram no chão.
Apenas com o escudo...meu pai apenas bloqueava os ataques do Demônio. Aquele
desgraçado sorria enquanto atacava. Meu pai...o medo estava estampado no rosto
dele. E ele também estava sangrando...muito. Onde havia um braço, sangue
jorrava sem parar. Meu pai continuou recuando e bloqueando os ataques do
Demônio. Pouco tempo depois...ele não conseguiu mais segurar o escudo. Foi
nesse momento em que o Demônio resolveu jogar o meu pai contra a parede da
minha casa e...golpeá-lo. Apenas com os punhos. O Demônio abriu um buraco na
parede da minha casa. Meu pai...estava a beira morte. — Tristan percebeu que uma lágrima escorria de
seu olho e a enxugou. —
Nós íamos almoçar. Eu, minha mãe e meu pai. Eu já havia sentado a mesa. Quando
aquele Demônio desgraçado derrubou meu pai para dentro de casa...ele acabou
destruindo a mesa. Pratos, talheres, copos e panelas estavam na mesa. Quando
ela foi estilhaçada...uma faca caiu a poucos centímetros de mim. O Demônio...se
aproximou do rosto do meu pai. Ele sussurrou alguma coisa na orelha dele. Nunca
vou saber o que era, mas...eu também não quero saber. Eu não esperei o Demônio
terminar de falar. Apesar de todo treinamento que eu recebi do meu pai, eu
nunca havia participado de uma luta séria. Então, eu não estava pronto para o
que havia acontecido diante de meus olhos. Eu...não consegui fazer nada
enquanto meu pai lutava sozinho contra aquele Demônio...até aquele momento. Aquele
maldito não havia percebido a minha presença. Eu percebi isso. Algo dentro de
mim...me empurrou naquele momento. Eu peguei a faca e, enquanto o desgraçado
sussurrava na orelha de meu pai, eu agi. Eu cravei aquela faca com todas as
minhas forças na nuca do Demônio. Eu...matei o Demônio...mas ele já havia
matado meus pais. Em empurrei o corpo do desgraçado para trás antes que ele
caísse em cima de meu pai. Quando...quando eu olhei para o rosto de meu
pai...não havia mais nada a fazer, a não ser fechar os olhos dele.
Houve um momento de silêncio. Tristan olhava para baixo
enquanto Lilith olhava para o horizonte.
—
Se sente melhor agora? —
Lilith perguntou delicadamente.
—
Surpreendentemente, sim. —
Tristan respondeu enquanto enxugava mais uma lágrima de seu rosto.
—
Você...foi forte. Muito forte. Eu sei que você não acha isso por você não ter
conseguido salvar seus pais, mas...você foi forte. Em uma situação
daquelas...poucos teriam coragem de, por fim, conseguir atacar e matar o
Demônio. O medo os controlaria. O medo impedira praticamente qualquer um de
fazer qualquer coisa...a não ser ficar parado. Você sentiu medo...mas conseguiu
superá-lo.
—
Se você diz...
—
E mais...talvez fosse melhor você não ter intervindo na luta dos dois até
aquele momento. Caso o Demônio soubesse de sua presença...muito provavelmente,
ele teria te matado. Já pensou por esse ângulo?
—
Já...mas...
—
Você precisava de alguém que visse a situação da mesma maneira que você, não é?
Você precisava que mais alguém acreditasse.
—
Nossa... — Tristan
suspirou.
—
O que foi? — Lilith
arqueou uma sobrancelha.
— Esse...desabafo.
—
Qual o problema?
—
Fazia tempo que eu não me sentia tão...fraco. —
Ele sorriu. — Mas
também fazia muito tempo que eu não me sentia tão bem.
Lilith sorriu.
—
Bem...sempre que precisar de ajuda, você sabe em quem confiar. — A caçadora disse
docemente.
Tristan e Lilith se abraçaram.
—
Depois você tem que me contar a sua história, não é mesmo? — O guerreiro perguntou.
—
Sim. — A caçadora
concordou. —
Mas...outro dia.
—
É. Já tivemos tristeza o suficiente para um dia. Bem, acho melhor...
Antes que Tristan pudesse terminar de falar, Lilith
colocou seu dedo indicador na frente dos lábios dele. A caçadora sorriu.
—
Acho melhor até pararmos de falar. —
Lilith sorriu.
Ela olhou para os olhos de Tristan. O tom intenso de
vermelho havia diminuído. Apenas a íris permanecia vermelha. Tristan olhou para
os olhos cor de ametista de Lilith. O guerreiro parecia perdido no olhar da
caçadora, bem como a caçadora estava no dele. Os dois se aproximaram
sutilmente. Tristan passou os braços delicadamente pela cintura de Lilith
enquanto ela tocava levemente as costas da armadura dele. Em uma fração de
segundos, a armadura havia se desfeito em trevas. Lilith agora tocava as costas
do guerreiro e, também, podia sentir o calor do corpo dele, ao invés do frio da
armadura. Os olhos dos dois pareciam brilhar. Em um instante, os lábios dos
dois haviam se tocado em um beijo.
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