Gosto Amargo
Gestas. Uma cidade sem leis onde a escória da humanidade
habita. Ladrões, assassinos, traficantes, estupradores. Escolha um. A cidade
tem de sobra.
Lá era o lugar onde muitos nascem e mais ainda morriam.
Entretanto, isso não era trágico. Como poderia? Ninguém se importava com eles.
Nem mesmo amigos e familiares.
Parecia que havia algo no ar fétido da cidade. Melhores
amigos, pais e filhos, casais apaixonados. Uma pessoa se voltaria contra a
outra e a trairia, sem hesitar, sem sentir remorso.
Entretanto, Gestas também era o lar de um punhado de boas
almas. Infelizmente, essas não duravam. Se não morriam mais precocemente que as
maçãs estragadas, acabavam sendo tragadas para a podridão com elas.
Eu gostaria de dizer que Marcos, nosso protagonista, era
uma alma boa. Porém, ele parecia haver se corrompido há tanto tempo que eu não
tenho mais certeza de sua natureza.
O então garoto cresceu, ou melhor dizendo, sobreviveu na
cidade por vinte e três árduos anos. Criado nas ruas, roubando para sobreviver,
matando quando necessário, vendo aqueles que ele chamava de amigos sendo mortos diante de seus olhos
ou, então, deixando-o de lado, Marcos poderia justificar seu comportamento
anti-social e fala lacônica.
As poucas vezes em que o jovem entrou para alguma gangue
fora por falta de opção. Houveram múltiplas situações em que Marcos precisou de
dinheiro o mais rápido possível. Comida, aluguel, armas, munição, remédios.
Tudo isso tinha o seu preço. Tudo isso o obrigava a aceitar qualquer trabalho.
Entretanto, Marcos
parecia carregar algum tipo de maldição. Seus aliados nunca permaneciam muito
tempo ao seu lado. Todos os que não o abandonavam acabavam mortos. E era assim
que o jovem saía das gangues que entrava: sendo o único sobrevivente de algum
massacre.
Aliás, essa era a sua benção: sobreviver. Não importava o
quão improvável fosse, o desgraçado conseguia se manter vivo. Apesar dos
ferimentos de tiros, facas e algumas eventuais queimaduras, ele continuava
respirando. E não só isso: Marcos sempre matava quem tentava tirar sua vida.
Era quase como se ele não fosse humano. E, droga, ele adorava pensar assim.
O apelido Anjo da
Morte veio com o tempo. Aquilo apenas servia para inflar o ego do
mercenário que começava a ganhar fama naquele inferno.
Apenas ele mesmo
seria capaz de matá-lo! Foi o que Marcos ouviu uma vez num bar nas
redondezas. A admiração que vinha por parte de alguns era ótima. Ele quase
podia sorrir. Entretanto, o pensamento de ele mesmo tirar a própria vida lhe
dava medo. Afinal, foram tantas as vezes que o mercenário, outrora um garoto
assustado, pensou em escapar de Gestas com um simples puxar de gatilho.
Uma batida soou na porta do apartamento de Marcos. Várias
outras, inquietas, vieram em seguida. Aquilo acordou o mercenário.
Trincando os dentes, Marcos se levantou do colchão
amarelado que era sua cama. Esfregando os olhos, bocejando e coçando o cabelo
negro e desgrenhado, o jovem praticamente se arrastava até sua porta.
—
Alguém aí? — Um homem
perguntou do outro lado da porta.
A maçaneta girou. Rapidamente, a porta se abriu.
O homem que o esperava foi recepcionado com um revólver
apontado para sua testa.
—
Não atire! — Ele
suplicou, tremendo. —
Por favor, me ouça!
—
Hm... — Marcos
grunhiu e olhou para sua provável próxima vítima. O terno surrado que parecia
ter sido jogado fora. Os sapatos gastos e opacos. A expressão medrosa no rosto
que o fazia parecer com um rato. Por fim, o jovem abaixou a arma. — Fale.
—
Bem... — O homem
limpou a garganta. —
Eu tenho um trabalho pra você.
—
Então você deveria ter ido à agência.
—
Mas, veja bem, somente você seria capaz de fazer o serviço que tenho em mente.
—
Por quê?
—
Porque só você tem a motivação necessária. —
Ele abriu um largo sorriso. —
Vingança, meu caro.
—
Hm... — Marcos olhou
diretamente nos olhos do homem a sua frente. —
E você sabe quem são os meus inimigos?
—
Fora esse, não.
O mercenário saiu de dentro do apartamento e,
rapidamente, jogou o estranho contra uma parede, levando uma mão ao pescoço
dele e, a outra, a sua cabeça.
—
Eu não sou de ter inimigos, sabe? —
Marcos disse calmamente. —
Eu não os deixo vivos.
—
Mas... Esse é... Diferente. —
O sujeito falou com dificuldade enquanto era sufocado.
—
Diferente como?
—
Você... Não se lembra dele... Não tem... Como você se lembrar...
—
Explique.
—
Você... Era muito novo... Não vai... Conseguir se lembrar... Mas... Mas...
Marcos poderia ter matado o sujeito ali, sem gastar uma
bala, sem manchar-se de sangue. Porém, o homem com cara de rato disse mais duas
palavras, dois nomes. Aquilo fez com que o mercenário o poupasse.
—
Rita... Heitor...
Após essas palavras, Marcos soltou o pescoço do sujeito.
Rapidamente, o homem caiu no chão, com as costas na parede, respirando
freneticamente, tentando recuperar o ar.
—
Então... — O
mercenário começou a falar. —
O cara que você quer que eu mate... Foi ele o responsável pela morte deles?
O sujeito assentiu.
—
E como você sabe disso? —
Marcos apontou o revólver para o homem no chão. —
Diga!
—
Eu trabalhava para ele... Para o desgraçado do Capo agora...
—
Capo? — Marcos ergueu
uma sobrancelha. — O
mafioso de Dimas?
—
Sim! Esse mesmo... —
O sujeito tossiu. —
Trabalhei para ele durante anos, mas agora... Ele me vê como algo a ser
substituído... Por uma versão mais... Nova... —
Outra tosse, agora mais forte, veio. —
O cretino que vai tomar o meu lugar... Já pegou tudo de mim... Só me restaram
esses trapos que visto...
—
Hm... Entendo. E você sabe demais para sair andando por aí. É isso?
—
É... Negócios... Sabe como é, não é?
—
Claro, claro... Então você quer que eu mate o Capo antes que ele te mate.
Simples assim?
—
Bem... — O homem
levou a mão esquerda ao bolso de sua calça e, rapidamente, tirou um pedaço de
papel. — Aqui está o
endereço. E a senha para você entrar na base.
—
Certo... — Marcos
pegou o pedaço de papel e o leu rapidamente. —
Tem mais alguma coisa pra falar?
—
Só que você vá e mate o desgraçado do Capo o quanto antes... Ele não pode
chegar até mim...
—
Não se preocupe. Ele não vai te matar.
—
Claro... — O sujeito
riu. — Eu queria
poder ter certeza disso...
—
Então... — Marcos se
agachou ao lado do homem e o olhou nos olhos. —
Presumo que você não tenha como me pagar pelo trabalho, não é?
—
Ora... A vingança na é o suficiente?
—
Esse que é o problema...
—
Como assim?
—
Se eu for começar a matar pessoas de graça... Acho que eu poderia me livrar de
algumas que podem se tornar um incômodo... —
Ele coçou a barba por fazer. —
Sabe? Pessoas que conseguiram descobrir onde eu moro, por exemplo.
O sujeito tentou protestar. Porém, Marcos foi mais
rápido.
Antes que o homem com cara de rato pudesse dizer uma
palavra, Marcos torceu seu pescoço, quebrando-o em um movimento repentino.
O mercenário estava quase feliz por não ter tido que
gastar munição com o sujeito.
O mais rápido que pôde, Marcos voltou para seu
apartamento pela última vez. Afinal, voltar para o lugar não seria uma escolha
sábia. Já haviam o encontrado uma vez, poderiam encontrá-lo de novo.
Ele pegou sua jaqueta de couro e colocou por cima da
camisa regata amarelada que usava. Em seguida, pegou os coturnos e os calçou.
Então, pegou as chaves e carteira e as colocou nos bolsos da calça jeans
surrada que já usava. Por fim, antes de sair do apartamento, o mercenário pegou
um medalhão.
O pequeno objeto era feito de prata. Entretanto, ele
nunca ousou o vender. Afinal, ele era muito precioso. Dentro dele, à direita,
havia uma foto. Um homem, uma mulher e uma criança pequena sorriam juntos. À
esquerda, três nomes estavam cravados: Marcos, seu nome, além de Heitor e Rita,
seus pais.
As memórias eram meio turvas. Marcos não se lembrava
muito bem de sua infância fora das ruas. Afinal, aquela época feliz aconteceu
quando ele era apenas uma criança de não mais de quatro anos de idade.
Entretanto, era aquela imagem dos três reunidos no medalhão que fazia a memória
persistir em sua mente, dando-lhe forças todos esses anos.
Matar o responsável pela morte de seus pais, o
responsável por todo o seu sofrimento, era uma oportunidade que o mercenário
não deixaria passar.
Em questão de instantes, Marcos já estava em sua garagem.
Com sua sempre confiável moto, além de todas as armas e balas que ele podia
carregar, o mercenário deixou o lugar e partiu para Dimas.
Debaixo do céu cinzento, Marcos seguia para seu destino. A
estrada, situada no que era praticamente um deserto sem cor, estava praticamente
inabitada. O mercenário sabia que podia dirigir o quão rápido quisesse, sem
obstáculos. Entretanto, ele também sabia que não chegaria tão cedo até Dimas. A
viagem demoraria mais de um dia. Caso ele passasse a noite em algum lugar, era
provável que ele só chegasse até o seu alvo na noite do dia seguinte.
Suor escorria pelo rosto do mercenário enquanto ele
percorria a estrada em sua moto. O céu nublado ameaçava chuva, porém, nada
fazia a não ser se comportar como uma estufa. Um gole gelado de cerveja o faria
bem agora. Um cantil de água cheio viria a calhar mais tarde.
O calor diminuiu com a chegada da noite. A lua brilhava
absoluta no céu. O ronco do motor da moto de Marcos era praticamente o único
som a ser ouvido na estrada.
O mercenário insistiu em dirigir por mais alguns
quilômetros. Entretanto, o inevitável cansaço começou a atingi-lo. Sua vista,
em pouco tempo, tornou-se pesada. Seu corpo estava dolorido por ter passado
tantas horas seguidas em cima da moto, na mesma posição.
Exausto, ele seguiu até o bar mais próximo. O lugar era
acabado, feito de madeira no melhor estilo Velho Oeste. Não seria surpresa se o
lugar fosse tão velho assim também. Entretanto, funcionava. Marcos podia ouvir
vozes vindas do lugar, além das luzes acessas pela janela e de algumas motos
estacionadas do lado de fora.
Em uma placa gasta, sobre a porta de entrada do lugar,
lia-se Pousada do Sol Nascente. Se o
nome fosse confiável, Marcos teria uma cama para passar a noite.
Ao estacionar sua moto, o mercenário ouviu um tiro. Em
seguida, veio o grito estridente de uma mulher.
Rapidamente, Marcos desceu de sua moto, armado com uma
escopeta em mãos e um revólver no bolso.
A porta da pousada foi aberta com um chute do mercenário.
Lá, Marcos viu aquela cena. Um morto velho caído num
canto, em cima de uma poça de sangue que se formava lentamente, com um buraco
na testa. Uma mulher, que devia ter um pouco mais de quarenta anos, estava
sendo segurada contra um balcão enquanto quatro homens, vestidos como típicos
marginais, rasgavam seu vestido com as mãos, quase como animais selvagens com
suas garras e presas.
O estômago do mercenário se revirou ao ver as lágrimas
escorrendo do rosto da bela mulher e os sorrisos largos nos rostos dos homens.
Claramente, todos agora olhavam para Marcos. Os sorrisos
desapareceram em um instante.
—
Ei! — Um dos homens
gritou. — Qual é...?
Antes que ele pudesse terminar de falar, o mercenário
sacou seu revólver e acertou um tiro em seu pescoço.
Rapidamente, aquilo se tornou uma batalha.
Marcos tombou uma mesa do seu lado e a usou de barricada.
Os marginais soltaram a mulher e se revezavam entre atirar e se esconder.
Quando as balas do revólver de Marcos chegaram ao fim,
mais dois homens já haviam caído no chão sem vida. Ele havia errado três tiros,
mas fez as outras duas balas valerem.
O remanescente pensou em usar a mulher como refém.
Entretanto, ele havia se afastado dela. Quando conseguiu voltar até ela, o
mercenário conseguiu surpreendê-lo com um tiro de escopeta no peito.
Ao se dirigir à mulher, ela abraçou Marcos, enterrando
seu rosto no peito dele.
—
Obrigada... — Ela
conseguiu dizer. —
Obrigada...
Em seguida, tudo aconteceu muito rapidamente.
—
Me chamo Josephine. —
A mulher disse. —
Você?
—
Marcos. — O
mercenário respondeu. Então, ele rapidamente olhou para o balcão do bar. — Posso beber algo?
—
Ah, claro! — Ela
respondeu quase alegremente e, então, pegou uma garrafa de cerveja, que parecia
ser chique demais para o lugar, da geladeira e a entregou para Marcos. — Beba o quanto quiser.
Essa é por conta da casa. —
Ela piscou para ele. —
Já volto. Vou colocar uma roupa que não esteja... Rasgada, ok?
—
Ok.
Josephine subiu as escadas rapidamente. Marcos não
demorou para abrir a garrafa e tomar um gole refrescante da bebida. Ele não
conteve um sorriso. O mercenário sabia um pouco sobre cervejas e, com certeza,
aquela era ótima.
Entretanto, não demorou muito para que a bebida acabasse.
Marcos se viu jogado, apoiado no balcão, olhando para a garrafa vazia, tentando
não dormir.
—
Marcos. — Josephine o
chamou. Ela estava agora do seu lado. —
Não vai dormir agora, vai?
—
Hm... — O mercenário
esfregou os olhos. Ele nem havia percebido que ela havia chego. — Hm... Acho que sim...
Mas... — Ele olhou
para os corpos mortos no chão, em específico, para o do velho. — Você podia me contar
sobre eles...
—
Ah... — Sua expressão
se tornou triste em um instante. —
Aquele era Jorge... Trabalhávamos juntos aqui. Ele que era o proprietário do
bar. Ele me contratou quanto eu estava sem rumo, depois da morte do meu marido
e do desaparecimento de meu filho...
—
Entendo... — Marcos
não pôde deixar de sentir compaixão por alguém que sofrerá tanto quanto ele. — E você vai ficar bem
agora?
—
Eu não sei... Mas não vou ter cabeça pra pensar nisso agora. Eu preciso de uma
boa noite de sono... E de um drinque... E talvez... — Ela olhou para os olhos do mercenário. — Companhia para a noite?
Marcos sorriu e assentiu. Josephine pegou uma garrafa de
uísque debaixo do balcão. Então, os dois subiram as escadas e se dirigiram para
o quarto onde passariam a noite.
Na manhã seguinte, Josephine acordou, tranquila, ao ver
Marcos no quarto com ela.
—
Dormiu bem? — Ela
perguntou sorridente.
—
Claro que sim. — Ele
devolveu o sorriso enquanto se vestia. —
Você?
—
Também... — Josephine
soou um pouco desanimada ao perceber que Marcos estava de saída. — Então... Você já vai?
—
Sim.
—
Ah... ok. — Ela olhou
ao redor e viu um objeto brilhante entre os lençóis. — Hm... —
Ela pegou o medalhão de prata de Marcos. —
O que temos aqui?
—
O motivo da minha vinda.
—
Por quê? — Ela abriu
o medalhão. — Ah...
—
Essa é família que foi tirada de mim. Vou matar o maldito que me fez sofrer.
Vou vingar o meu pai. Vou vingar a minha mãe. Vou me vingar. E nada vai me
impedir.
—
Hm... Entendo...
Marcos olhou para Josephine. Talvez a ideia de vingança e
mais derrame de sangue não a fizesse se sentir muito bem. O que fazia sentido.
Para alguém da região, ela era muito delicada e até um pouco ingênua.
—
Espero que você fique bem. —
O mercenário disse quase zelosamente. —
Depois de tudo o que aconteceu ontem...
—
Claro... — Ela
murmurou.
Marcos foi até o lado da mulher e, com um beijo rápido
nos lábios, despediu-se de Josephine.
Após descer as escadas e subir em sua moto, um mau
pressentimento o atingiu.
O mercenário ignorou aquilo e, rapidamente, já estava de
volta à estrada deserta.
Antes que ele pudesse perceber, Marcos já estava em
Dimas.
O sol se punha no horizonte. O calor estava no limite do
suportável. A água do cantil de Marcos havia chego ao fim há mais de uma hora.
Entretanto, nada disso importava agora. O mercenário tirou o papel que receberá
ontem e o leu mais uma vez. O endereço, bem como pontos de referência, estavam
escritos nele. Montado em sua moto, não demoraria para ele chegar até a base de
Capo.
Minutos se passaram, não mais de vinte. Marcos estacionou
sua moto num beco. A luz da lua mal iluminava o lugar imerso nas sombras.
Entretanto, a porta de metal cinzenta se destacava dos tijolos escuros.
O mercenário respirou fundo. Ele se armou completamente.
O fuzil e a escopeta estavam em suas costas. O revólver e a pistola automática
estavam em seus bolsos, juntamente com mais uns punhados de munição.
Antes de se dirigir à porta, porém, Marcos se voltou para
a entrada do beco. Ele havia ouvido passos. Um homem vinha até ele.
O sujeito vestia trapos amarelados, tinha a pele coberta
por sujeira, fedia a bebida barata e tinha a barba e o cabelo compridos e
desgrenhados. Não passava de um morador de rua. Provavelmente, morava naquele
beco. Por isso, o mercenário não se importou com ele.
—
Não faça isso. — O
mendigo disso para Marcos instantes antes de ele bater na porta. — Nada de bom vai sair daí.
—
Sério? — Ele se
voltou para o estranho. —
E como você sabe disso?
—
Por que um homem mau mora aí.
—
Eu sei. E eu estou aqui para tirar a vida dele.
—
Por quê?
—
Para me trazer paz.
—
Violência não traz paz...
—
É o que veremos.
Marcos bateu na porta. Um pequeno visor se abriu.
—
Qual a senha? — Um
homem perguntou.
Marcos respondeu prontamente.
—
Certo. — O homem
destrancou a porta. Era mais um típico marginal. Talvez um pouco maior e mais
forte que os outros, mas era isso. —
Seja bem vindo. — Ele
olhou para o mendigo no beco e apontou uma pistola da direção dele. — Saia!
O mendigo correu para longe, saindo do beco.
—
Espero que ele não tenha te irritado. —
O marginal disse. —
Ele faz muito isso.
—
Não se preocupe. —
Marcos respondeu.
—
Então... Qual o seu assunto com a gente?
—
Com vocês? Não... Com o Capo.
—
Ora... — Ele cuspiu
no chão. — Veio falar
sobre o quê?
Marcos não disse mais uma palavra. Ele simplesmente sacou
seu revólver a atirou na cabeça do marginal.
Mais capangas viriam até ele agora. Marcos tinha noção
disso. Porém, ele preferia eliminar qualquer um que pudesse o atrapalhar o
quanto antes. Se tudo desse certo, o mercenário ficaria a sós com Capo no
final.
Seguindo até o fim do corredor, o caos começou. Os
capangas de Capo vieram investigar o som do tiro. Rapidamente, Marcos sacou a
escopeta e derrubou os dois primeiros.
Em seguida, a tempestade de balas teve início. Marcos se
protegia atrás de qualquer coisa, de caixotes de madeira a barris de metal,
evitando ser atingido e, ao mesmo tempo, atirando incansavelmente.
Rajadas do fuzil derrubavam inimigos rapidamente. Balas
de revólver acertavam quem tentava se esconder. Tiros de escopeta abriam um
buraco no peito daqueles que chegavam muito perto.
Não se passaram mais de cinco minutos. Mais de trinta
corpos estavam estirados no chão, jogados sobre uma poça do próprio sangue.
Marcos respirava pesadamente enquanto andava por entre os cadáveres. Agora, ele
segurava apenas o seu revólver. Aquela era a única arma que ainda tinha
munição. Duas balas. Uma para a cabeça e outra para o peito de Capo. Uma bala
pra cada pessoa que o desgraçado havia tirado dele.
O mercenário estava praticamente intacto, pelo menos,
para um conflito como aquele. A maioria dos tiros pegou de raspão nele,
causando mais danos a suas roupas do que ao seu corpo. A orelha esquerda fora
quase completamente dilacerada por um tiro. A panturrilha direita havia sido
perfurada por um tiro, porém, não mais sangrava. O mesmo podia ser dito sobre
seu ombro esquerdo. Esses foram os únicos ferimentos.
Com a adrenalina tomando conta de seu corpo, Marcos
continuou andando com passos rápidos e pesados, ignorando a dor que estava
sentido.
No fim do lance de escadarias havia uma sala. Havia
apenas uma porta. Marcos tinha certeza que era lá onde Capo estava.
Antes que ele pudesse chegar à porta, entretanto, uma mão
agarrou o ombro do mercenário. Ele se virou para encontrar o morador de rua de
antes.
—
Isso não vai te trazer paz. —
Ele disse a Marcos. —
Isso só vai lhe trazer dor...
O mercenário não disse nada. Ele simplesmente trincou os
dentes e agarrou a garganta do mendigo. Marcos viu o medo nos olhos do homem.
Também viu a vida deixar o corpo dele enquanto ele puxava o gatilho.
Com um tiro na cabeça, Marcos havia adicionado mais uma
morte a sua conta daquele dia, apesar de não ser a intenção dele. Entretanto, a
raiva havia o tomado. Ele não pensaria na morte de um inocente que nem valia
uma recompensa. Não pensaria por conta própria, pelo menos.
Havia, ainda, uma bala no revólver do mercenário. Mesmo
assim, aquilo já era mais do que o suficiente.
Marcos chutou a porta. Surpreendentemente, ela estava
aberta.
Dentro da sala, um homem loiro, de olhos verdes, trajando
um terno caro estava sentado em frente a uma mesa. Ele sorria largamente para o
visitante.
—
Então você finalmente chegou. —
Capo parecia alegre. —
Eu esperava por esse dia.
Marcos apontou o revólver para a cabeça do mafioso.
—
Nem pense em puxar esse gatilho. —
Ele riu baixo sem tirar os olhos do rosto do mercenário. — Não agora, pelo menos...
—
Você acha que tem o direito de falar algo!? —
A mão de Marcos tremia enquanto segurava o revólver. — Hein!?
—
Ora... Tenho muita coisa pra explicar. Caso contrário, essa vingança seria
muito vazia, não acha?
—
Eu só tenho que te matar. Aí eu serei vingado. Você não precisa falar nada.
—
E quem disse que eu estou me referindo a sua vingança?
—
Ah... — Marcos
parecia confuso. —
Como assim?
—
Estou me referindo a minha vingança.
—
Como!?
—
Você ouviu bem... Minha vingança.
Afinal, eu que fui traído por um amigo e a mulher que eu amava. E você foi o
fruto dessa traição. —
Ele sorriu amargamente. —
Aposto que você não sabia dessa parte, não é?
—
Ah... — Marcos não
conseguiu falar nada por alguns instantes. —
Mas, no fim, você os matou! Você teve a sua vingança! E ainda arruinou a minha
vida! Agora, é a minha vez! Eu vou ter a minha vingança! Eu...!
—
E quem disse que eu matei os seus pais? —
Capo disse rispidamente.
—
Hm...
—
Você não os viu sendo mortos. —
Ele riu. — Aliás,
você viu um deles sendo morto. O outro você apenas o ajudou a tirar a própria
vida.
—
Do que você está falando!?
—
Ora, ora... Eu não matei os seus pais. E nem você. Eu apenas os separei. Mas
você acharam que vocês estavam sozinhos no mundo. Então, cada um seguiu um
rumo. Mas vocês se viram posteriormente. Pelo menos, você viu os seus pais.
Você apenas não os reconheceu... —
Capo abriu uma gaveta da mesa e tirou três papéis de lá. Ele escolheu uma das
folhas e a entregou para Marcos. —
Veja. Eis o seu pai. Essa é a foto mais recente que consegui.
O mercenário se aproximou de Capo para pegar a folha. Ele
não abaixou seu revólver nem por um instante. Pelo menos, até olhar a imagem.
Marcos ficou boquiaberto por um instante. Em seguida, ele
trincou os dentes. A foto era de um homem com barba e cabelos grandes e
desgrenhados. Era o morador de rua que ele havia acabado de tirar a vida.
—
Você realmente quer que eu acredite nisso!? —
O mercenário bradou. —
Como...!?
—
Bem, já esperava essa reação. —
Capo o interrompeu. —
É difícil de acreditar que ele ficou louco e acabou nas ruas. E é por isso
mesmo que eu tenho que te mostrar essas outras duas folhas. — Ele separou uma das
folhas. — Pegue. Veja
sua mãe. A mulher que eu amei...
Marcos não conseguiu dizer nada. Aquilo não era mais uma
brincadeira de mau gosto. Praticamente tremendo, ele tirou os olhos da foto de
Josephine.
—
A propósito... Fui eu que gravei os nomes falsos no seu medalhão de prata. — Capo sorriu. — Afinal, você não poderia
saber o nome verdadeiro dela para isso dar certo, não é? — Ele jogou a última folha
no chão, bem aos pés de Marcos. —
Essa foto é dela... Foi tirada a poucas horas.
O mercenário soltou o revólver. Em seguida, foi ele que
caiu de joelhos. Josephine estava morta, em algum canto, com os pulsos
cortados.
—
Imagino que você tenha mostrado a foto para ela. —
Disse Capo. — Assim,
você só ajudou me ajudou. Afinal, não demorou muito para que ela tirasse a
própria vida após perceber que foi pra cama com o próprio filho. — Ele riu escandalosamente.
— Você não acha,
jovem Édipo?
Marcos gritou, tentando negar tudo. Ele colocou a cabeça
junto aos joelhos e desejou que tudo aquilo fosse apenas um pesadelo. Mas a
risada de Capo não desaparecia.
Sentindo um gosto amargo impregnado em sua boca, Marcos
levantou o rosto e pegou seu revólver de volta.
Capo sorriu enquanto viu o mercenário atirando na própria cabeça.
Agora, o mafioso havia completado a sua vingança.
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