8.
Em um instante, tudo mudou.
A cabeça de Joshua parecia girar enquanto o ambiente a
sua volta se retorcia, mudava de cor e lhe causava náusea.
O gramado a frente da velha casa se transformou
vagarosamente em uma plataforma branca, límpida, feita do que parecia ser
mármore, que terminava em uma grande escadaria.
O céu cinzento se tornou negro, sem nuvens, com pontos brilhantes
espalhados aleatoriamente por ele.
Joshua levou as mãos à cabeça, que parecia latejar de
dor, e se ajoelhou, gritando com a boca fechada.
—
Eu deveria ter imaginado que isso aconteceria... —
A ceifadora murmurou. —
Por isso... Me desculpe...
—
Mas... O que isso? —
O rapaz conseguiu dizer aquelas palavras com dificuldade. — O que... O que aconteceu?
—
Eu te trouxe para o Plano Espiritual. Com o seu corpo físico. Aí isso
aconteceu...
—
Ah... Mas... Por que fazer isso? E... Como isso é possível?
—
Nós, ceifadores, usamos esse mundo como um portal. Podemos sair de qualquer
lugar da Terra, passar por aqui rapidamente, e chegar ao outro extremo da sua
querida Terra em questão de instantes. Se quisermos chegar até onde eu quero,
esse é, sem dúvida, o jeito mais rápido. —
Ela fez uma breve pausa. —
E, quanto ao como isso é possível...
Bem, digamos apenas que os ceifadores mais antigos e experientes conseguem
fazer isso.
—
Então... Você é uma das mais velhas?
—
Sim... Por quê?
—
Hm... Bem... É que você não parece...
—
Nós não somos humanos. —
A ceifadora disse rispidamente. —
Não envelhecemos como vocês. Aliás... Nós simplesmente não envelhecemos. Temos
a liberdade de escolher a nossa aparência.
—
E quanto ao Estmund? Você quer dizer que ele escolheu aquela aparência?
—
Sim. É o visual que ele achou mais apropriado para a Morte, entendeu?
—
Hm... — Joshua pensou
realmente sobre o quão assustador o senhor parecia, até mais do que a mulher a
sua frente que mais parecia uma vampira. —
É... Entendi.
—
Ótimo... Agora...
Antes que ela pudesse terminar de falar, o rapaz correu
até a beirada mais próxima da plataforma e inclinou o tronco, prestes a
vomitar. Entretanto, o jovem não o fez. Ao invés disso, ele se jogou para trás,
com o rosto mais branco do que antes.
—
Ah... — A ceifadora
limpou a garganta. —
O que aconteceu?
Entretanto, Joshua não respondeu a pergunta. Rapidamente,
ele se levantou e começou a olhar, desesperadamente, de cima para baixo, da
esquerda para a direita, de um canto para o outro. Para todo lado que ele
olhava, escadarias e plataformas de mármore pareciam flutuar no céu estrelado.
Não havia um teto ou um chão. Aquilo parecia ser infinito.
—
Humano! — A ceifadora
bradou, quebrando o transe de Joshua. —
Responda!
—
Ah... — Ele olhou de
volta para a mulher e, aos poucos, foi se acalmando. — Esse... Esse lugar é... Enorme... Parece não
ter fim...
—
É bem possível que não tenha.
—
Como assim?
—
Isso... Isso é como um todo, sabe? É
como se fosse uma realidade inteira, um universo... Chame do que quiser.
—
E ninguém tentou medir o tamanho disso tudo?
—
Não.
—
Por que não?
—
Por que isso não nos incomoda. O Plano Espiritual funciona bem para todos. Ceifadores,
anjos, demônios, Djinns... Não há discriminação.
—
Mas...
—
Além disso... — Ela
continuou a falar. —
Todos nós temos assuntos mais importantes a tratar. Todos temos os nossos
trabalhos, sabe? E, também, acho que nós não somos tão curiosos e
irresponsáveis quanto vocês humanos...
Joshua parou por um instante para pensar naquilo. Talvez
ele, nem ninguém, precisasse saber sobre tudo. Mas, mesmo assim, a curiosidade
os fazia querer saber sobre tudo. Ele mesmo tinha muitas perguntas a fazer. O
rapaz não hesitaria de perguntar.
—
Então... Para onde estamos indo exatamente?
—
Você vai acabar sendo tragado para aquele mundo sem lei mais cedo ou mais
tarde. — A ceifadora
disse como se fosse algo banal. —
Assim que você se afastar de mim, nada estará te prendendo ao seu mundo ou a
esse. Você poderá, então, ir salvar a sua amada lá... O que não será fácil. Por
isso, você precisará de ajuda.
—
De que tipo de ajuda?
—
Profissionais. Pessoas que estão acostumadas com aparições de outro mundo.
Pessoas que sabem as combater. Pessoas que vão fazer com que você mantenha a
sua cabeça grudada no seu pescoço... Entendeu?
—
Ah... — O rapaz
engoliu em seco. —
Então... Você está dizendo que realmente existem pessoas que lidam com
espíritos de verdade? Tipo, desfazendo maldições, expulsando assombrações,
realizando exorcismos?
—
Depois de tudo o que você viu naquele lugar... Depois de vir até o Plano
Espiritual... Isso realmente o surpreende?
—
Hm... É... — O rapaz
limpou a garganta. —
É, acho que você está certa...
—
Ótimo... Agora... —A
ceifadora estralou os dedos. A frente de Joshua, um vórtice se formou,
distorcendo a imagem a frente dele. —
Atravesse o portal. Você chegará aos investigadores paranormais. Diga a eles
que Morgana o enviou, certo?
—
Ah... Ok, mas... Você não vem?
—
Não. Tenho que voltar ao meu trabalho, sabe? Trazer almas para cá...
—
Ah, claro...
—
Te desejo sorte, humano. Espero que a minha ajuda não tenha sido em vão...
Por mais fria que a ceifadora soasse, o rapaz conseguiu
sentir um pouco de bondade em suas últimas palavras.
—
Também espero. —
Joshua sorriu. —
Obrigado, Morgana... Adeus.
—
Adeus, humano. — Ela
esboçou um sorriso.
O jovem conseguiu relaxar um pouco. Ele olhou para o
portal, apreensivo, mas acabou andando em sua direção.
Antes de deixar o Plano Espiritual, entretanto, Joshua
teve um mal pressentimento.
O tempo parecia passar lentamente. O ambiente a volta do
jovem se distorcia mais uma vez. Porém, ele tinha certeza que algo o observava.
A direita do jovem, numa plataforma pouco mais de cinco
metros mais elevada que a dele, Joshua tinha certeza que dois pontos no céu
estrelado se acenderam, encarando-o por um breve instante, antes que tudo se
desfizesse e se refizesse em uma loja de antiguidades.
A visão do rapaz estava agora embaçada. Tudo ao seu redor
girava.
O cheiro de mofo do lugar entrou em suas narinas. O pó no
ar o fez tossir antes de cair no chão de madeira.
Seu corpo estava fraco. Parecia que, finalmente, ele
havia cedido ao cansaço.
As estantes cheias de livros antigos. Os filtros de sonho
pendurados pelo teto. Brinquedos de madeira, relógios antigos, velhas bonecas
de pano, caixas enfeitadas, candelabros de prata. Uma quantidade enorme de
itens variados preenchia o lugar. Essas eram as últimas imagens que Joshua se
lembrava até um homem e uma mulher virem ao seu socorro.
—
Morgana... — O rapaz
tentou dizer. —
Ela... Ela me enviou... Morgana...
Ele não tinha certeza se havia realmente conseguido dizer
aquelas palavras. Tudo o que sabia é que o mundo a sua volta escurecia.
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