Gosto Amargo
Gestas. Uma cidade sem leis onde a escória da humanidade
habita. Ladrões, assassinos, traficantes, estupradores. Escolha um. A cidade
tem de sobra.
Lá era o lugar onde muitos nascem e mais ainda morriam. Entretanto,
isso não era trágico. Como poderia? Ninguém se importava com eles. Nem mesmo
amigos e familiares.
Parecia que havia algo no ar fétido da cidade. Melhores
amigos, pais e filhos, casais apaixonados. Uma pessoa se voltaria contra a
outra e a trairia, sem hesitar, sem sentir remorso.
Entretanto, Gestas também era o lar de um punhado de boas
almas. Infelizmente, essas não duravam. Se não morriam mais precocemente que as
maçãs estragadas, acabavam sendo tragadas para a podridão com elas.
Eu gostaria de dizer que Marcos, nosso protagonista, era
uma alma boa. Porém, ele parecia haver se corrompido há tanto tempo que eu não
tenho mais certeza de sua natureza.
O então garoto cresceu, ou melhor dizendo, sobreviveu na
cidade por vinte e três árduos anos. Criado nas ruas, roubando para sobreviver,
matando quando necessário, vendo aqueles que ele chamava de amigos sendo mortos diante de seus olhos
ou, então, deixando-o de lado, Marcos poderia justificar seu comportamento anti-social
e fala lacônica.
As poucas vezes em que o jovem entrou para alguma gangue
fora por falta de opção. Houveram múltiplas situações em que Marcos precisou de
dinheiro o mais rápido possível. Comida, aluguel, armas, munição, remédios.
Tudo isso tinha o seu preço. Tudo isso o obrigava a aceitar qualquer trabalho.
Entretanto, Marcos
parecia carregar algum tipo de maldição. Seus aliados nunca permaneciam muito
tempo ao seu lado. Todos os que não o abandonavam acabavam mortos. E era assim
que o jovem saía das gangues que entrava: sendo o único sobrevivente de algum
massacre.
Aliás, essa era a sua benção: sobreviver. Não importava o
quão improvável fosse, o desgraçado conseguia se manter vivo. Apesar dos
ferimentos de tiros, facas e algumas eventuais queimaduras, ele continuava
respirando. E não só isso: Marcos sempre matava quem tentava tirar sua vida.
Era quase como se ele não fosse humano. E, droga, ele adorava pensar assim.
O apelido Anjo da
Morte veio com o tempo. Aquilo apenas servia para inflar o ego do
mercenário que começava a ganhar fama naquele inferno.
Apenas ele mesmo
seria capaz de matá-lo! Foi o que Marcos ouviu uma vez num bar nas
redondezas. A admiração que vinha por parte de alguns era ótima. Ele quase
podia sorrir. Entretanto, o pensamento de ele mesmo tirar a própria vida lhe
dava medo. Afinal, foram tantas as vezes que o mercenário, outrora um garoto
assustado, pensou em escapar de Gestas com um simples puxar de gatilho.
Uma batida soou na porta do apartamento de Marcos. Várias
outras, inquietas, vieram em seguida. Aquilo acordou o mercenário.
Trincando os dentes, Marcos se levantou do colchão
amarelado que era sua cama. Esfregando os olhos, bocejando e coçando o cabelo
negro e desgrenhado, o jovem praticamente se arrastava até sua porta.
—
Alguém aí? — Um homem
perguntou do outro lado da porta.
A maçaneta girou. Rapidamente, a porta se abriu.
O homem que o esperava foi recepcionado com um revólver
apontado para sua testa.
—
Não atire! — Ele suplicou,
tremendo. — Por
favor, me ouça!
—
Hm... — Marcos
grunhiu e olhou para sua provável próxima vítima. O terno surrado que parecia
ter sido jogado fora. Os sapatos gastos e opacos. A expressão medrosa no rosto
que o fazia parecer com um rato. Por fim, o jovem abaixou a arma. — Fale.
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