terça-feira, 6 de outubro de 2015

Conto 13 - Parte 1

Gosto Amargo


Gestas. Uma cidade sem leis onde a escória da humanidade habita. Ladrões, assassinos, traficantes, estupradores. Escolha um. A cidade tem de sobra.
Lá era o lugar onde muitos nascem e mais ainda morriam. Entretanto, isso não era trágico. Como poderia? Ninguém se importava com eles. Nem mesmo amigos e familiares.
Parecia que havia algo no ar fétido da cidade. Melhores amigos, pais e filhos, casais apaixonados. Uma pessoa se voltaria contra a outra e a trairia, sem hesitar, sem sentir remorso.
Entretanto, Gestas também era o lar de um punhado de boas almas. Infelizmente, essas não duravam. Se não morriam mais precocemente que as maçãs estragadas, acabavam sendo tragadas para a podridão com elas.
Eu gostaria de dizer que Marcos, nosso protagonista, era uma alma boa. Porém, ele parecia haver se corrompido há tanto tempo que eu não tenho mais certeza de sua natureza.
O então garoto cresceu, ou melhor dizendo, sobreviveu na cidade por vinte e três árduos anos. Criado nas ruas, roubando para sobreviver, matando quando necessário, vendo aqueles que ele chamava de amigos sendo mortos diante de seus olhos ou, então, deixando-o de lado, Marcos poderia justificar seu comportamento anti-social e fala lacônica.
As poucas vezes em que o jovem entrou para alguma gangue fora por falta de opção. Houveram múltiplas situações em que Marcos precisou de dinheiro o mais rápido possível. Comida, aluguel, armas, munição, remédios. Tudo isso tinha o seu preço. Tudo isso o obrigava a aceitar qualquer trabalho.
 Entretanto, Marcos parecia carregar algum tipo de maldição. Seus aliados nunca permaneciam muito tempo ao seu lado. Todos os que não o abandonavam acabavam mortos. E era assim que o jovem saía das gangues que entrava: sendo o único sobrevivente de algum massacre.
Aliás, essa era a sua benção: sobreviver. Não importava o quão improvável fosse, o desgraçado conseguia se manter vivo. Apesar dos ferimentos de tiros, facas e algumas eventuais queimaduras, ele continuava respirando. E não só isso: Marcos sempre matava quem tentava tirar sua vida. Era quase como se ele não fosse humano. E, droga, ele adorava pensar assim.
O apelido Anjo da Morte veio com o tempo. Aquilo apenas servia para inflar o ego do mercenário que começava a ganhar fama naquele inferno.
Apenas ele mesmo seria capaz de matá-lo! Foi o que Marcos ouviu uma vez num bar nas redondezas. A admiração que vinha por parte de alguns era ótima. Ele quase podia sorrir. Entretanto, o pensamento de ele mesmo tirar a própria vida lhe dava medo. Afinal, foram tantas as vezes que o mercenário, outrora um garoto assustado, pensou em escapar de Gestas com um simples puxar de gatilho.
Uma batida soou na porta do apartamento de Marcos. Várias outras, inquietas, vieram em seguida. Aquilo acordou o mercenário.
Trincando os dentes, Marcos se levantou do colchão amarelado que era sua cama. Esfregando os olhos, bocejando e coçando o cabelo negro e desgrenhado, o jovem praticamente se arrastava até sua porta.
Alguém aí? Um homem perguntou do outro lado da porta.
A maçaneta girou. Rapidamente, a porta se abriu.
O homem que o esperava foi recepcionado com um revólver apontado para sua testa.
Não atire! Ele suplicou, tremendo. Por favor, me ouça!

Hm... Marcos grunhiu e olhou para sua provável próxima vítima. O terno surrado que parecia ter sido jogado fora. Os sapatos gastos e opacos. A expressão medrosa no rosto que o fazia parecer com um rato. Por fim, o jovem abaixou a arma. Fale.

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