terça-feira, 20 de outubro de 2015

Um Outro Mundo, Capítulo 9

9.


Joshua acordou com o som de passos que ecoavam na sala.
Ele tentou se levantar. Com dificuldade, apenas levantou o tronco e encostou as costas na parede. Foi então que o rapaz sentiu frio. Rapidamente, Joshua percebeu que suas costas estavam encostadas em grades de metal gelado. Desesperado, o jovem percebeu que estava em uma jaula, pendurado no ar numa sala escura e úmida.
Joshua conteve um grito. Seu coração batia acelerado dentro de seu peito. Suas mãos começavam a tremer. Ele sabia que tinha que se acalmar.
Respirando fundo, o rapaz tentou voltar a raciocinar. Ele tinha que se lembrar como chegou ali, independentemente de que lugar era aquele.
Joshua levou uma mão à cabeça que latejava de dor. Ele não conseguia se lembrar de muita coisa após ter atravessado o segundo portal. Porém, uma certeza era a de que ele havia realmente chego até uma loja de antiguidades. Lá, ele deveria ter encontrado os investigadores paranormais mencionados por Morgana. Era provável que eles fossem o homem e a mulher que o rapaz se lembrava vagamente. Infelizmente, os rostos dos dois eram um borrão agora.
De repente, o som de água caindo veio. Parecia ser de uma torneira.
Sem hesitar, Joshua se virou na direção do som. Em um instante, sua face se tornou pálida.
Ora, ora... O maníaco riu. Vejam só quem acordou!
Joshua nada pode fazer a não ser se encolher na jaula, o mais longe possível do gigante sem olhos. O assassino riu novamente.
Você deve estar pensando em como você chegou aqui... Ele sorriu para Joshua. Não é?
O jovem se manteve em silêncio, mas o gigante sabia da resposta. Parecendo entediado, ele se voltou para uma pia.
Joshua podia ver agora de onde a água saia. Era realmente de uma torneira. O assassino a usava para lavar algumas de suas facas de prata. O sangue escorria delas para a pia enquanto eram lavadas.
Em seguida, o maníaco as deixou de lado, secando, e foi até o outro lado da sala. A luz fraca mal permitia Joshua distinguir a silhueta do assassino do resto das sombras.
Ah! O gigante exclamou alegremente. Vou usar esse!
Lentamente, ele se virou, revelando o martelo em sua mão esquerda. A ferramenta parecia um tanto quanto pequena na enorme mão do psicopata cinzento. Entretanto, Joshua sabia que aquele monstro seria capaz de causar estrago o suficiente com as próprias mãos. Com uma arma, o resultado seria a inda pior.
Calmamente, o maníaco andou na direção de Joshua, girando o martelo o martelo entre os dedos. Ele sorriu ao ver o jovem tremendo e se encolhendo cada vez mais em sua jaula.
Coelhinho, Coelhinho... O gigante riu baixo. Nada tema! Esse martelo não é pra você! Não se preocupe... Eu arrumo outro pra você, bem maior, o que acha? Ele fez uma pequena pausa, mantendo seu largo sorriso. Esse martelo aqui é para a minha nova convidada! Vamos acordá-la, ok?
Cantarolando algo que Joshua não conseguia entender, o psicopata andou para fora da sala.
O silêncio quase absoluto reinou por poucos instantes.
De repente, veio o grito agudo e desesperado de uma mulher e, em seguida, a risada do maníaco.
Joshua começou a suar frio ao reconhecer a voz de quem gritava. Era a voz de Adriana.
Não! Com uma mistura de raiva e desespero, o jovem gritou. Não! Pare! Pare...! Ele pulou contra as grades na porta da jaula, balançando-as inutilmente. Pare... Por favor...
Impotente, Joshua abaixou a cabeça quando os gritos cessaram, certo do que o pior havia acontecido.
Entretanto, o jovem percebeu que aquele não era o único som que havia acabado. Aliás, tudo parecia estar acabando, se desfazendo diante de seus olhos.
Não demorou para que Joshua estivesse no escuro completo, sem som, sem saída.
Isso, entretanto, durou apenas alguns instantes.
Ei! Disse uma voz feminina. Ele está se mexendo...
Mas os olhos ainda estão fechados. Replicou uma voz masculina. Não creio que ele já esteja bem.
Joshua tentou perguntar algo, mas tudo o que saiu de seus lábios foi um grunhido ininteligível.
E agora? A mulher perguntou.
Se ele estivesse realmente bem...
O homem não terminou de falar. Isso porque Joshua se levantou abruptamente do sofá onde estava deitado.
Rapidamente, o jovem olhou ao redor. Ele estava em uma sala de estar, disso ele tinha certeza. O lugar tinha uma atmosfera calma. As paredes eram pintadas com cores pastéis. Partículas de pó pairavam no ar. Era de se esperar com a quantidade de antiguidades enfeitando o lugar. Eram de vasos a quadros a brinquedos de madeira. A persiana deixava entrar apenas um pouco de luz. O que era bom. Era manhã, ou tarde, talvez. O tempo parecia muito melhor agora.
E agora? A mulher indagou. Não acha que ele está bem?
Talvez esteja... O homem murmurou. Ele olhou para Joshua. Qual o seu nome?
Hm... A expressão no rosto do rapaz delatava seu nervosismo. Com a respiração pesada, ele se ajeitou no sofá, sentando-se. Joshua... Murmurou. Meu nome é Joshua...
O jovem olhou para o casal que estava em pé a sua frente.
O homem tinha pouco mais de um metro e oitenta de altura. Seu cabelo era escuro parecia ser milimetricamente arrumado. Sua pele era cor de açúcar mascavo. Seu rosto delatava sua idade de quase quarenta anos, bem como o seu cansaço. Os olhos azuis escuros eram sem brilho. Suas roupas lhe davam um ar sério.  Por de baixo de seu blazer preto havia uma camiseta azul escura de malha grossa. As calças jeans eram escuras e novas. Os sapatos negros eram muito bem lustrados.
A mulher não devia ter muito mais de um metro e sessenta de altura. Ela era provavelmente mais velha do que parecia. O cabelo castanho claro e ondulado descia até um pouco abaixo dos ombros. Seu rosto alvo era belo e sereno. Os olhos cor de avelã brilhavam. Suas roupas eram simples. No pescoço havia um colar rústico de contas feitas de madeira. A blusa regata era branca. A longa saia parecia psicodélica, misturando vários tons de vermelho, verde e azul. Nos pés, as sandálias rasteiras combinavam com o colar.
Quem... Quem são vocês? Indagou Joshua.
Responderemos assim que terminarmos as nossas perguntas. O homem disse rispidamente. Entendeu?
Não precisa ser tão rude... A mulher murmurou.
Claro que preciso. Não sabemos a real intenção de ele ter simplesmente surgido aqui, não é mesmo? Ele olhou para Joshua. Fale. Tudo.
Ah... O rapaz coçou a nuca. Eu... Surgi...?
Ótimo! O homem exclamou. Só me falta dizer que ele tem amnésia...
Dê a ele um tempo para pensar. A mulher disse calmamente. Talvez ele...
O portal... Joshua murmurou.
O homem e a mulher fitaram-se por um instante e, então, olharam de volta para o jovem.
Morgana... O rapaz disse vagarosamente, enunciando bem cada sílaba. Ela me trouxe aqui...
O jovem olhou de volta para o casal. Os dois olhavam atentos para ele.
Continue. Pediu o homem.
Por favor. Acrescentou a mulher.
Joshua respirou fundo. Então, contou toda a sua desventura sem hesitar, detalhadamente contando sobre o tenebroso lugar abandonado por anjos e demônios, comentando sobre a sua conversa com Estmund, narrando sua corrida até a casa de Adriana, falando sobre seu encontro com Morgana e a rápida passagem pelo Plano Espiritual. Até o seu pesadelo com o psicopata não ficou de fora da história.
O casal ouviu tudo atenciosamente. Enquanto o rapaz fazia seus relatos, eles estavam de pé, apenas trocando olhares de tempos em tempos, sem dizer uma palavra sequer.
Entendo... O homem murmurou. Você passou por muita coisa, hein?
E ainda vai passar por mais. A mulher disse com certa preocupação na voz. Tudo isso para chegar até a sua amada.
E isso vai vale a pena? Ele perguntou para o rapaz.
Sim. Joshua respondeu sem hesitar. Por ela, com certeza.
Ora... A mulher sorriu. Adoraria a ajudar uma história de amor como essa se concretizar.
Eu não me intrometeria... O homem murmurou. Mas... Se Morgana está do seu lado... Acredito que seja uma luta que valha a pena lutar.
Então... O jovem olhou para o casal que sorria calmamente. Vocês vão me ajudar?
Claro que sim! Exclamou a mulher.
Só precisamos resolver umas coisas... Disse o homem. E... Ele fez uma breve pausa. Ainda não nos apresentamos, não é?
Já teríamos feito isso, se você não tivesse sido tão rude... A mulher murmurou.
Ah, é... Certo... Ele estendeu a mão para Joshua. Sou Richard. Prazer.
Prazer. O rapaz apertou a mão dele.
E eu sou Cristina. Ela estendeu a mão. Pode contar conosco, ok?
Certo. Joshua apertou a mão dela com delicadeza.
Ótimo... Richard esboçou um sorriso. Temos que fazer nossos preparativos, ok?
Chegar até Gehenna não é tão difícil. Disse Cristina. Mas sobreviver lá... É outra história...
Ah... O jovem parecia confuso. Gehenna? O que é isso?
É o nome do lugar que você descreveu. Ela respondeu. Bem, um nome, pelo menos. A própria Morgana não gosta de usar um nome para aquele lugar, mas prefiro poder chamar o lugar de alguma coisa. Mais fácil quando explicando algo, não acha?
Ah, sim... E como vamos chegar lá? Indagou Joshua.
Abriremos um portal. Respondeu Richard. Um que não drene muito de nossas forças. Mas isso pode demorar um pouco. Espero que não se incomode.
Esperem... Joshua parecia surpreso. Vocês conseguem abrir um portal? Como?
Com os encantamentos certos e os itens certos. Respondeu Cristina. Nada tão complexo pra quem já trabalha com isso há quase duas décadas.
Mas... Magia? O rapaz indagou. E humanos podem fazer esse tipo de coisa?
Claro que sim. Richard respondeu com simplicidade. Talvez nada tão assombroso quanto em livros e filmes, mas... Conseguimos, claro.
Esse é o resultado da mistura de séculos, até milênios, de rituais de várias tribos, de várias crenças. Cristina começou a explicar. Nós assimilamos tudo por livros e outros relatos documentados, entendeu? De curandeiros a monges de várias partes do mundo, todos tinham suas pequenas formas de magia, formas de enfrentar espíritos malignos, além de formas de cura para o corpo e para a alma. Ela fez uma breve pausa. Quanto aos portais... Conseguimos ir para outros planos de existência, mas não para nos locomovemos nesse plano. Como os ceifadores, sabe? Então... Nunca fomos a Gehenna, mas não deve ser muito difícil. Temos alguns livros sobre isso em algum lugar...
Enfim... E é assim que trabalhamos. Disse Richard. Digo, quanto ao trabalho de investigadores paranormais e, quando preciso, exorcistas. Quanto à loja de antiguidades... Essa é outra história, pra outro dia.
Entendo... Joshua murmurou. Então, não demoraremos muito para ir?
Creio que não. Richard respondeu. Só precisaremos fazer uma leitura rápida...
Assim que encontrarmos o livro... Cristina acrescentou.
É... Ele coçou a nuca e olhou para Joshua. Melhor você comer algo enquanto isso. Deve ter algo na geladeira...
Não estou com fome... O rapaz disse.
Então beba algo. Richard opinou. Ou vá ao banheiro. Ou termine de acordar e estique as pernas.
Mas acho que você deveria comer algo. Disse Cristina. Mesmo não estando com fome. Afinal, você não come nada há três dias.
Ah... Joshua arregalou os olhos. Três... Três dias!?
Verdade. Richard coçou o queixo. Passou rápido esse tempo. Pra você, então, deve ter sido um piscar de olhos.
Mas... Adriana... Ela... O rapaz parou de falar de repente e baixou a cabeça.
Ei... Cristina se aproximou de Joshua e pousou sua mão sobre as costas dele. Ela ainda está viva. Tenho certeza que vai dar tudo certo.
É. Concordou Richard. Se a sua amada não estivesse mais viva, Morgana já teria dito alguma coisa. Tenho certeza. Não é, amor?
Não muito animador... Ela murmurou. Mas é verdade.
Joshua levantou a cabeça e viu o sorriso dos dois. O de Cristina era realmente acolhedor. O de Richard, não muito. Entretanto, o rapaz sentia que podia confiar nele.
Então... Vão terminar de arrumar as suas coisas. Disse Joshua. Eu vou tentar me levantar. E talvez beber e comer algo.
Certo. Cristina disse docemente.
Voltaremos logo. Richard afirmou.
Em um instante, o casal havia deixado a sala. Joshua ouviu o som dos passos deles se tornando distantes, descendo um lance de escadas e sumindo.
Sozinho na sala, o rapaz respirou fundo e, com certo esforço, levantou-se.
Seu corpo estava mole, como era de se esperar.
Ele andou até a cozinha, à procura de um copo de água.
Entretanto, um pensamento passou pela mente de Joshua.
E se ele não estivesse mais vivo? E se ele não tivesse sobrevivido ao portal? E se aquilo já não fosse mais real?
O rapaz começou a suar frio com o pensamento. Sua respiração se tornou pesada. Sua pernas começaram a tremer.
Ele abriu a geladeira, pegou uma garrafa de água de lá.
Enquanto bebia, tentava esquecer aquele pensamento.
Rapidamente, Joshua terminou de beber o copo e o deixou sobre a pia. Ele guardou a garrafa de volta na geladeira, ainda suando.
O rapaz correu para fora da cozinha, de volta para a sala de antes. A porta do banheiro estava aberta. Ele se dirigiu até lá.
Joshua se olhou no espelho. Sua aparência estava horrível, nem parecia alguém que havia acabado de dormir por três dias seguidos. Sem hesitar, ele abriu a torneira a sua frente e, fazendo uma concha com as mãos, pegou a água a jogou no rosto.
Após fazer aquilo várias vezes, ele começou a se sentir um pouco melhor.
Joshua parou de suar. Sua respiração voltou ao normal. Ele não mais tremia.
Aquele pensamento deixou a mente do rapaz. Ele conseguiu relaxar.
Quando Joshua deixou o banheiro, entretanto, o cenário havia mudado.

Sem mais uma porta atrás de si, o rapaz se viu de volta nas ruas escuras da cidade sem vida que era Gehenna.

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