9.
Joshua acordou com o som de passos que ecoavam na sala.
Ele tentou se levantar. Com dificuldade, apenas levantou
o tronco e encostou as costas na parede. Foi então que o rapaz sentiu frio.
Rapidamente, Joshua percebeu que suas costas estavam encostadas em grades de
metal gelado. Desesperado, o jovem percebeu que estava em uma jaula, pendurado
no ar numa sala escura e úmida.
Joshua conteve um grito. Seu coração batia acelerado dentro
de seu peito. Suas mãos começavam a tremer. Ele sabia que tinha que se acalmar.
Respirando fundo, o rapaz tentou voltar a raciocinar. Ele
tinha que se lembrar como chegou ali, independentemente de que lugar era
aquele.
Joshua levou uma mão à cabeça que latejava de dor. Ele
não conseguia se lembrar de muita coisa após ter atravessado o segundo portal.
Porém, uma certeza era a de que ele havia realmente chego até uma loja de
antiguidades. Lá, ele deveria ter encontrado os investigadores paranormais
mencionados por Morgana. Era provável que eles fossem o homem e a mulher que o
rapaz se lembrava vagamente. Infelizmente, os rostos dos dois eram um borrão
agora.
De repente, o som de água caindo veio. Parecia ser de uma
torneira.
Sem hesitar, Joshua se virou na direção do som. Em um
instante, sua face se tornou pálida.
—
Ora, ora... — O
maníaco riu. — Vejam
só quem acordou!
Joshua nada pode fazer a não ser se encolher na jaula, o
mais longe possível do gigante sem olhos. O assassino riu novamente.
—
Você deve estar pensando em como você chegou aqui...— Ele sorriu para Joshua. — Não é?
O jovem se manteve em silêncio, mas o gigante sabia da
resposta. Parecendo entediado, ele se voltou para uma pia.
Joshua podia ver agora de onde a água saia. Era realmente
de uma torneira. O assassino a usava para lavar algumas de suas facas de prata.
O sangue escorria delas para a pia enquanto eram lavadas.
Em seguida, o maníaco as deixou de lado, secando, e foi
até o outro lado da sala. A luz fraca mal permitia Joshua distinguir a silhueta
do assassino do resto das sombras.
—
Ah! — O gigante
exclamou alegremente. —
Vou usar esse!
Lentamente, ele se virou, revelando o martelo em sua mão
esquerda. A ferramenta parecia um tanto quanto pequena na enorme mão do
psicopata cinzento. Entretanto, Joshua sabia que aquele monstro seria capaz de
causar estrago o suficiente com as próprias mãos. Com uma arma, o resultado
seria a inda pior.
Calmamente, o maníaco andou na direção de Joshua, girando
o martelo o martelo entre os dedos. Ele sorriu ao ver o jovem tremendo e se
encolhendo cada vez mais em sua jaula.
—
Coelhinho, Coelhinho... —
O gigante riu baixo. —
Nada tema! Esse martelo não é pra você! Não se preocupe... Eu arrumo outro pra
você, bem maior, o que acha? —
Ele fez uma pequena pausa, mantendo seu largo sorriso. — Esse martelo aqui é para a minha nova
convidada! Vamos acordá-la, ok?
Cantarolando algo que Joshua não conseguia entender, o
psicopata andou para fora da sala.
O silêncio quase absoluto reinou por poucos instantes.
De repente, veio o grito agudo e desesperado de uma
mulher e, em seguida, a risada do maníaco.
Joshua começou a suar frio ao reconhecer a voz de quem
gritava. Era a voz de Adriana.
—
Não! — Com uma
mistura de raiva e desespero, o jovem gritou. —
Não! Pare! Pare...! —
Ele pulou contra as grades na porta da jaula, balançando-as inutilmente. — Pare... Por favor...
Impotente, Joshua abaixou a cabeça quando os gritos
cessaram, certo do que o pior havia acontecido.
Entretanto, o jovem percebeu que aquele não era o único
som que havia acabado. Aliás, tudo parecia estar acabando, se desfazendo diante
de seus olhos.
Não demorou para que Joshua estivesse no escuro completo,
sem som, sem saída.
Isso, entretanto, durou apenas alguns instantes.
—
Ei! — Disse uma voz
feminina. — Ele está
se mexendo...
—
Mas os olhos ainda estão fechados. —
Replicou uma voz masculina. —
Não creio que ele já esteja bem.
Joshua tentou perguntar algo, mas tudo o que saiu de seus
lábios foi um grunhido ininteligível.
—
E agora? — A mulher
perguntou.
—
Se ele estivesse realmente bem...
O homem não terminou de falar. Isso porque Joshua se
levantou abruptamente do sofá onde estava deitado.
Rapidamente, o jovem olhou ao redor. Ele estava em uma
sala de estar, disso ele tinha certeza. O lugar tinha uma atmosfera calma. As
paredes eram pintadas com cores pastéis. Partículas de pó pairavam no ar. Era
de se esperar com a quantidade de antiguidades enfeitando o lugar. Eram de
vasos a quadros a brinquedos de madeira. A persiana deixava entrar apenas um
pouco de luz. O que era bom. Era manhã, ou tarde, talvez. O tempo parecia muito
melhor agora.
—
E agora? — A mulher
indagou. — Não acha
que ele está bem?
—
Talvez esteja... — O
homem murmurou. Ele olhou para Joshua. —
Qual o seu nome?
—
Hm... — A expressão
no rosto do rapaz delatava seu nervosismo. Com a respiração pesada, ele se
ajeitou no sofá, sentando-se. —
Joshua... — Murmurou.
— Meu nome é
Joshua...
O jovem olhou para o casal que estava em pé a sua frente.
O homem tinha pouco mais de um metro e oitenta de altura.
Seu cabelo era escuro parecia ser milimetricamente arrumado. Sua pele era cor
de açúcar mascavo. Seu rosto delatava sua idade de quase quarenta anos, bem
como o seu cansaço. Os olhos azuis escuros eram sem brilho. Suas roupas lhe
davam um ar sério. Por de baixo de seu
blazer preto havia uma camiseta azul escura de malha grossa. As calças jeans
eram escuras e novas. Os sapatos negros eram muito bem lustrados.
A mulher não devia ter muito mais de um metro e sessenta
de altura. Ela era provavelmente mais velha do que parecia. O cabelo castanho
claro e ondulado descia até um pouco abaixo dos ombros. Seu rosto alvo era belo
e sereno. Os olhos cor de avelã brilhavam. Suas roupas eram simples. No pescoço
havia um colar rústico de contas feitas de madeira. A blusa regata era branca.
A longa saia parecia psicodélica, misturando vários tons de vermelho, verde e
azul. Nos pés, as sandálias rasteiras combinavam com o colar.
—
Quem... Quem são vocês? —
Indagou Joshua.
—
Responderemos assim que terminarmos as nossas perguntas. — O homem disse
rispidamente. —
Entendeu?
—
Não precisa ser tão rude... —
A mulher murmurou.
—
Claro que preciso. Não sabemos a real intenção de ele ter simplesmente surgido
aqui, não é mesmo? —
Ele olhou para Joshua. —
Fale. Tudo.
—
Ah... — O rapaz coçou
a nuca. — Eu...
Surgi...?
—
Ótimo! — O homem
exclamou. — Só me
falta dizer que ele tem amnésia...
—
Dê a ele um tempo para pensar. —
A mulher disse calmamente. —
Talvez ele...
—
O portal... — Joshua
murmurou.
O homem e a mulher fitaram-se por um instante e, então,
olharam de volta para o jovem.
—
Morgana... — O rapaz
disse vagarosamente, enunciando bem cada sílaba. —
Ela me trouxe aqui...
O jovem olhou de volta para o casal. Os dois olhavam
atentos para ele.
—
Continue. — Pediu o
homem.
—
Por favor. —
Acrescentou a mulher.
Joshua respirou fundo. Então, contou toda a sua
desventura sem hesitar, detalhadamente contando sobre o tenebroso lugar
abandonado por anjos e demônios, comentando sobre a sua conversa com Estmund, narrando
sua corrida até a casa de Adriana, falando sobre seu encontro com Morgana e a
rápida passagem pelo Plano Espiritual. Até o seu pesadelo com o psicopata não
ficou de fora da história.
O casal ouviu tudo atenciosamente. Enquanto o rapaz fazia
seus relatos, eles estavam de pé, apenas trocando olhares de tempos em tempos,
sem dizer uma palavra sequer.
—
Entendo... — O homem
murmurou. — Você
passou por muita coisa, hein?
—
E ainda vai passar por mais. —
A mulher disse com certa preocupação na voz. —
Tudo isso para chegar até a sua amada.
—
E isso vai vale a pena? —
Ele perguntou para o rapaz.
—
Sim. — Joshua
respondeu sem hesitar. —
Por ela, com certeza.
—
Ora... — A mulher
sorriu. — Adoraria a
ajudar uma história de amor como essa se concretizar.
—
Eu não me intrometeria... —
O homem murmurou. —
Mas... Se Morgana está do seu lado... Acredito que seja uma luta que valha a
pena lutar.
—
Então... — O jovem
olhou para o casal que sorria calmamente. —
Vocês vão me ajudar?
—
Claro que sim! —
Exclamou a mulher.
—
Só precisamos resolver umas coisas... —
Disse o homem. — E...
— Ele fez uma breve
pausa. —Ainda não nos
apresentamos, não é?
—
Já teríamos feito isso, se você não tivesse sido tão rude... — A mulher murmurou.
—
Ah, é... Certo... —
Ele estendeu a mão para Joshua. —
Sou Richard. Prazer.
—
Prazer. — O rapaz
apertou a mão dele.
—
E eu sou Cristina. —
Ela estendeu a mão. —
Pode contar conosco, ok?
—
Certo. — Joshua
apertou a mão dela com delicadeza.
—
Ótimo... — Richard
esboçou um sorriso. —
Temos que fazer nossos preparativos, ok?
—
Chegar até Gehenna não é tão difícil. —
Disse Cristina. — Mas
sobreviver lá... É outra história...
—
Ah... — O jovem
parecia confuso. — Gehenna? O que é isso?
—
É o nome do lugar que você descreveu. —
Ela respondeu. — Bem,
um nome, pelo menos. A própria Morgana não gosta de usar um nome para aquele
lugar, mas prefiro poder chamar o lugar de alguma coisa. Mais fácil quando
explicando algo, não acha?
—
Ah, sim... E como vamos chegar lá? —
Indagou Joshua.
—
Abriremos um portal. —
Respondeu Richard. —
Um que não drene muito de nossas forças. Mas isso pode demorar um pouco. Espero
que não se incomode.
—
Esperem... — Joshua
parecia surpreso. —
Vocês conseguem abrir um portal? Como?
—
Com os encantamentos certos e os itens certos. —
Respondeu Cristina. —
Nada tão complexo pra quem já trabalha com isso há quase duas décadas.
—
Mas... Magia? — O
rapaz indagou. — E
humanos podem fazer esse tipo de coisa?
—
Claro que sim. —
Richard respondeu com simplicidade. —
Talvez nada tão assombroso quanto em livros e filmes, mas... Conseguimos,
claro.
—
Esse é o resultado da mistura de séculos, até milênios, de rituais de várias
tribos, de várias crenças. —
Cristina começou a explicar. —
Nós assimilamos tudo por livros e outros relatos documentados, entendeu? De
curandeiros a monges de várias partes do mundo, todos tinham suas pequenas formas
de magia, formas de enfrentar espíritos malignos, além de formas de cura para o
corpo e para a alma. —
Ela fez uma breve pausa. —
Quanto aos portais... Conseguimos ir para outros planos de existência, mas não
para nos locomovemos nesse plano. Como os ceifadores, sabe? Então... Nunca
fomos a Gehenna, mas não deve ser muito difícil. Temos alguns livros sobre isso
em algum lugar...
—
Enfim... E é assim que trabalhamos. —
Disse Richard. —
Digo, quanto ao trabalho de investigadores paranormais e, quando preciso,
exorcistas. Quanto à loja de antiguidades... Essa é outra história, pra outro
dia.
—
Entendo... — Joshua
murmurou. — Então,
não demoraremos muito para ir?
—
Creio que não. —
Richard respondeu. —
Só precisaremos fazer uma leitura rápida...
—
Assim que encontrarmos o livro... —
Cristina acrescentou.
—
É... — Ele coçou a
nuca e olhou para Joshua. —
Melhor você comer algo enquanto isso. Deve ter algo na geladeira...
—
Não estou com fome... —
O rapaz disse.
—
Então beba algo. —
Richard opinou. — Ou
vá ao banheiro. Ou termine de acordar e estique as pernas.
—
Mas acho que você deveria comer algo. —
Disse Cristina. —
Mesmo não estando com fome. Afinal, você não come nada há três dias.
—
Ah... — Joshua
arregalou os olhos. —
Três... Três dias!?
—
Verdade. — Richard
coçou o queixo. —
Passou rápido esse tempo. Pra você, então, deve ter sido um piscar de olhos.
—
Mas... Adriana... Ela... —
O rapaz parou de falar de repente e baixou a cabeça.
—
Ei... — Cristina se
aproximou de Joshua e pousou sua mão sobre as costas dele. — Ela ainda está viva.
Tenho certeza que vai dar tudo certo.
—
É. — Concordou
Richard. — Se a sua
amada não estivesse mais viva, Morgana já teria dito alguma coisa. Tenho
certeza. Não é, amor?
—
Não muito animador... —
Ela murmurou. — Mas é
verdade.
Joshua levantou a cabeça e viu o sorriso dos dois. O de
Cristina era realmente acolhedor. O de Richard, não muito. Entretanto, o rapaz
sentia que podia confiar nele.
—
Então... Vão terminar de arrumar as suas coisas. —
Disse Joshua. — Eu
vou tentar me levantar. E talvez beber e comer algo.
—
Certo. — Cristina
disse docemente.
—
Voltaremos logo. —
Richard afirmou.
Em um instante, o casal havia deixado a sala. Joshua
ouviu o som dos passos deles se tornando distantes, descendo um lance de
escadas e sumindo.
Sozinho na sala, o rapaz respirou fundo e, com certo esforço,
levantou-se.
Seu corpo estava mole, como era de se esperar.
Ele andou até a cozinha, à procura de um copo de água.
Entretanto, um pensamento passou pela mente de Joshua.
E se ele não estivesse mais vivo? E se ele não tivesse
sobrevivido ao portal? E se aquilo já não fosse mais real?
O rapaz começou a suar frio com o pensamento. Sua
respiração se tornou pesada. Sua pernas começaram a tremer.
Ele abriu a geladeira, pegou uma garrafa de água de lá.
Enquanto bebia, tentava esquecer aquele pensamento.
Rapidamente, Joshua terminou de beber o copo e o deixou
sobre a pia. Ele guardou a garrafa de volta na geladeira, ainda suando.
O rapaz correu para fora da cozinha, de volta para a sala
de antes. A porta do banheiro estava aberta. Ele se dirigiu até lá.
Joshua se olhou no espelho. Sua aparência estava horrível,
nem parecia alguém que havia acabado de dormir por três dias seguidos. Sem
hesitar, ele abriu a torneira a sua frente e, fazendo uma concha com as mãos, pegou
a água a jogou no rosto.
Após fazer aquilo várias vezes, ele começou a se sentir
um pouco melhor.
Joshua parou de suar. Sua respiração voltou ao normal. Ele
não mais tremia.
Aquele pensamento deixou a mente do rapaz. Ele conseguiu
relaxar.
Quando Joshua deixou o banheiro, entretanto, o cenário
havia mudado.
Sem mais uma porta atrás de si, o rapaz se viu de volta
nas ruas escuras da cidade sem vida que era Gehenna.
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